Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a situação econômica do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Considerações sobre a situação econômica do País.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2015 - Página 168
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, UTILIZAÇÃO, INFLAÇÃO, PAGAMENTO, DIVIDA PUBLICA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Jorge Viana, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a Presidente Dilma, ontem, em seu discurso nas Nações Unidas e em conversas e entrevistas, disse uma verdade, mas eu creio que ela olhou por um lado e era por outro que nós precisamos analisar. Ela disse que o modelo de crescimento brasileiro se esgotou.

    E é verdade, Senadora Ana Amélia. Só que eu acho que ela pensou apenas de maneira pequena na parte da incapacidade fiscal de o Brasil continuar financiando o crescimento na forma como vinha fazendo, por exemplo, com isenções fiscais. Mas, por trás disso, Senador Jorge Viana - e eu tenho certeza de que V. Exª está de acordo -, eu creio que há algo mais profundo no esgotamento de um modelo. É o modelo dos dribles que nós costumamos dar na hora de enfrentar os problemas. Já foi dito por aí que o Brasil é um país de chuteiras, do ponto de vista do futebol; mas o Brasil também é um país de dribles, pensando do ponto de vista da história.

    Nós damos dribles, não enfrentamos o problema concreto. Nós, por exemplo, gostamos dos jeitinhos, que não são forma de enfrentar os problemas de maneira consequente. Quando nós vemos uma indústria ineficiente, uma indústria que não está funcionando bem, que não tem produtividade e por isso não tem competitividade, em vez de buscar criar competitividade e criar produtividade, o que fazemos? Protegemos a indústria. Cria-se - antigamente, pelo menos - um sistema de proteção que impede as importações, para não concorrer com o exterior, mais eficiente, mais produtivo, mais competitivo.

    Quando nós fazemos a permanência da pobreza, a pobreza permanente. Em vez de enfrentar as causas da pobreza, nós criamos o Bolsa Família e nos contentamos em dar essa proteção, necessária, às nossas famílias, como se essa fosse a razão de ser de um governo. Não enfrentamos a busca de emancipar a população da necessidade dessas ajudas. Nós não damos educação de qualidade aos filhos dos pobres, inclusive e sobretudo dos pobres que são negros. E aí a gente cria as cotas. A cota - necessária como ela é - é um jeitinho. É um drible na realidade que nós enfrentamos.

    Este é um país de dribles, e eu creio que a Presidente não estava imaginando que, ao dizer que se esgotou o modelo, ela deveria dizer "basta, não dá mais para driblar".

    E uma das maneiras que não dá para driblar é o drible da inflação como forma de enganar a todos. A inflação é o drible que o Estado dá, ao ter mais gastos do que receitas. E, em vez de cortar os gastos, paga com dinheiro falso, que é o dinheiro inflacionado. Em vez de dizer "não dá para pagar um salário x", aí diz: "A gente paga o salário x e tira com a inflação". E ele vira só 80% de x, quando a inflação é de 20%.

    Por décadas, o Brasil usou o drible da inflação para não cair na realidade da escassez de recursos fiscais e financeiros nas mãos do governo. E eu temo, Senadora Ana Amélia, que esteja começando a surgir, no imaginário dos economistas - e eu diria, inclusive, no de muitas lideranças políticas ligadas ao Governo -, a ideia de driblar os limites, tolerando a inflação.

    A sensação que eu tenho, quando leio alguns artigos de economistas ligados, por exemplo, ao Partido dos Trabalhadores, criticando o Ministro Levy - não pelo defeito que eu acho que ele tem, que é o de não passar credibilidade, mas até pelos acertos que ele faz, ao tentar controlar os gastos -, é a de que esses economistas, Senador Jorge Viana, a meu ver, estão com a visão de usar a inflação como forma de enganar, para nem cortar gastos, nem criar impostos.

    A inflação é o pior de todos os impostos! E digo mais: é a pior de todas as formas de corrupção, porque é uma maneira de o governo tirar dinheiro das pessoas sem dizer que tira. Não é a corrupção de enriquecer cada pessoa, cada funcionário do governo, cada político. Não. Mas é a corrupção de tirar do povo, mesmo sem ir para o bolso de ninguém.

    Nós temos que ver a realidade da empresa Brasil, com suas limitações, exigindo uma recuperação, mas também com o desafio de fazermos a reorientação. Essa reorientação - eu, pelo menos, acho - passa por uma economia de alta produtividade, capaz de inovar, o que exige educação. Então, a reorientação vem por aí.

    Há outros fatores, mas tudo parte da ideia de que basta de dribles e vamos enfrentar os problemas. Basta de usar inflação como drible, e vamos trabalhar com equilíbrio fiscal, sem o que não há jeito de haver estabilidade monetária. Agora, vamos saber como usar o equilíbrio fiscal, como usar a moeda estável para construir um País melhor.

    Senador, gostaria de ter um pouco mais de tempo para passar a palavra...

(Interrupção do som.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ...para a Senadora Ana Amélia (Fora do microfone.) que pediu um aparte.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Senador Cristovam, eu queria cumprimentá-lo pela oportunidade desse pronunciamento e dizer-lhe que bendito o Brasil que tem na agricultura a salvação da lavoura e a salvação da economia neste momento. E V. Exª mesmo exemplificou, com o computador na máquina colheitadeira, a diferença que era com a enxada e o arado puxado à tração animal. A inovação tecnológica chegou ao campo há muito tempo, só que hoje também o agricultor paga a conta da falta de estrada, da falta de porto, da falta de tudo, Senador, e ainda da carga tributária muito grande. Daqui a pouco, vão culpar o agricultor até pela inflação alta, Senador Cristovam. Feliz este País que tem a agricultura para sustentar nas costas a economia brasileira. Eu queria cumprimentá-lo também por essa abordagem. Hoje li um editorial do jornal Correio Braziliense - parece que as coisas hoje estão sendo lidas de maneira absolutamente correta - com o título "Procura-se estratégia". E o que o V. Exª está falando? Planejamento estratégico. E vou só ler a abertura do editorial do Correio Braziliense, pedindo ao Presidente Jorge Viana que o transcreva nos Anais do Senado Federal pela validade. Vou ler bem rapidamente, Senador Cristovam:

O noticiário de 2015 apagou qualquer sombra de dúvida porventura existente sobre o risco de não traçar o futuro. Avesso a planejamento, o Brasil reage mais do que age. Fica sujeito aos caprichos de ventos que sopram interna ou externamente. Soluções erráticas, apresentadas hoje e retiradas amanhã, dão provas da falta de rumo cujo resultado o Gato, personagem de Alice no País das Maravilhas, tão bem sintetizou: "Para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve".

(Soa a campainha.)

    A Srª Ana Amélia (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - É isto, Senador Cristovam Buarque: para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve. Por isso, estamos pagando esse preço tão caro. Eu vou também continuar a falar desses problemas, logo em seguida, na tribuna que o senhor está ocupando agora. Parabéns pelo pronunciamento.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senadora. A senhora me traz aqui - nos poucos minutos, um ou dois, que eu ainda tenha, Senador Jorge Viana - uma percepção adicional à ideia do drible.

    Senador Jorge Viana, eu estou pedindo um minuto a mais.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC. Fora do microfone.) - Com certeza.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Nós temos feito dribles sem fazer gol, no sentido de projeto histórico, mas, hoje, nem dribles; nós estamos tendo tropeços, com essas idas e vindas, essas mudanças, esses gestos ... Inclusive, eu tinha pensado hoje em fazer aqui uma série de perguntas ao Ministro Levy, que eu quis fazer na vinda última dele à Câmara dos Deputados e não fiz, mas não deu tempo. Eu creio que nós temos que começar a ter rumo e uma estratégia - como a senhora disse, citando o editorial do Correio Braziliense - com metas que permitam a este País fazer gols, construindo a civilização brasileira que nós desejamos.

    Temos evitado isso na nossa história. Em vez de um projeto civilizatório, estamos fazendo dribles para enganar cada grupo a cada momento. Nem os dribles estão dando mais certo, e estamos caindo nos tropeções repetidos sistematicamente, que estão levando - não o Brasil - o Governo a um descrédito profundo aqui dentro, um descrédito que exige recuperação e uma reorientação, que é o caminho para levar o Brasil ao futuro.

    A palavra futuro, que a senhora citou, está faltando. Nós estamos prisioneiros do imediato, e, quando um país fica prisioneiro do imediato e seu futuro desaparece das ambições de seu povo, nem o presente dá certo mais.

    Basta de tropeções, mas basta também de dribles competentes, mas enganadores. Vamos ter uma estratégia para construir um Brasil melhor, diferente, que nos orgulhe, um Brasil com o grau de civilização que nossas crianças merecem...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... ter no seu futuro.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2015 - Página 168