Discurso durante a 164ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a situação da educação no Brasil e críticas aos últimos governos pela ausência de uma reforma estrutural nesse setor.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Preocupação com a situação da educação no Brasil e críticas aos últimos governos pela ausência de uma reforma estrutural nesse setor.
Aparteantes
Aécio Neves, Elmano Férrer, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/2015 - Página 72
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • REGISTRO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, VIDA PUBLICA, POLITICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENFASE, FALTA, APROVEITAMENTO, MANDATO, REALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, PROGRAMA DE GOVERNO, BOLSA FAMILIA, AUSENCIA, CARATER PERMANENTE, EDUCAÇÃO, PERCENTAGEM, ANALFABETO, POPULAÇÃO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Raimundo, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem ou sábado - confesso que não me recordo -, na Folha de S.Paulo, havia um artigo que merecia a leitura atenta das pessoas, feita por um homem de 92 anos chamado Tito Costa, que foi prefeito, ainda nos anos 70 e 80, Senador Elmano, de São Bernardo do Campo, que viu crescer Lula; crescer na atividade sindical e na atividade política.

            Ele cita as dificuldades, Senador Capiberibe, do Lula no começo, as perseguições que Lula sofreu, os problemas que Lula enfrentou e como ele, Tito, ajudou na construção do Lula, como o apoiou e até o abrigou em momentos de perseguições e das esperanças que ele tinha. E hoje, quando analisa esse período, ele se sente frustrado com o fato de que o Lula jogou fora, nos oito anos de seu governo e nesses quatro também - que são de governo dele ainda -, a chance de fazer as reformas estruturais por que o Brizola, o Arraes, todos os grandes líderes do passado lutavam, os de esquerda, progressistas.

            Não houve isso no Brasil, Senador Elmano. E ele diz que o Presidente Lula, por uma visão eleitoreira - essa é a verdade -, preferiu se comportar como aquele que aumentou a renda da população pobre. Isso não é ruim, mas não é estrutural, porque a inflação está rebaixando totalmente as rendas que aumentaram. Estão se perdendo as vantagens.

            A vantagem da renda é uma vantagem circunstancial, conjuntural, momentânea; não é fixa, não fica. A que fica é a reforma estrutural, é a mudança na estrutura social e econômica que oferece às pessoas algo permanente. Isso não foi feito. Sobre isso, o Dr. Tito fala da frustração que sente hoje, na idade em que está, de não ter visto as reformas estruturais por que nós todos ansiamos e lutamos.

            E a prova de que as reformas não foram feitas não é apenas que a renda dessas pessoas, que realmente têm, como o Bolsa Família assegura uma renda, e é um gesto positivo da generosidade que foi construída; é que isso não eliminou a chance da crise, isso não elevou a produtividade, isso não diminuiu a violência, isso não fez o Brasil mais harmônico e menos desagregado, como a gente vê hoje nas corporações, nos gestos de violência; não acabou a corrupção. Ou seja, nós não fizemos as mudanças estruturais que eram necessárias.

            Para mim, já naquela época, se percebia que as reformas da estrutura já não eram as dos anos anteriores, quando a gente defendia, muitos da esquerda, a estatização dos meios de produção. Isso tinha sido superado com a queda do Muro de Berlim, com a percepção das fragilidades da União Soviética em matéria de liberdade individual. Já não era mais tempo de desapropriar fábricas e colocá-las nas mãos do Estado. Não era essa a reforma. Também não era a reforma do centralismo planejador nas mãos do Estado para dizer o que fazer na economia. Não, não eram essas as reformas.

            As reformas, para mim, poderiam ser diversas - tinha que reformar a Previdência, tinha que reformar o sistema de saúde -, mas a grande reforma estrutural era assegurar que, no Brasil, o filho do trabalhador estudaria na mesma escola do filho do patrão; que a escola de qualidade igual para todos seria a mãe e o pai de todas as outras reformas de que o Brasil precisa. E isso não foi feito.

            Quando eu vi esse artigo, eu me lembrei, Senador, de que, na véspera, tinha saído a Avaliação Nacional da Alfabetização.

            E, Senador Capiberibe, o fracasso em que nós estamos na alfabetização - e eu não falo na alfabetização de adultos, eu falo na alfabetização de nossas crianças, que são os futuros adultos analfabetos -, o fracasso é algo assustador quando a gente imagina como será o futuro do Brasil com essas crianças de hoje, na terceira série, sem saber ler. Em breve, não vão mais recuperar, Senador Elmano, porque, ainda que se aprenda a ler depois, não é a mesma coisa, salvo alguém que tem um gesto de genialidade. Tudo o que nós aprendemos e que nos faz desenvolver bem nós aprendemos na hora certa. Não dá para ser um grande pianista aprendendo a tocar na minha idade. Não tem jeito. Não é por falta de tempo de aprender. É porque as habilidades têm a ver com a época com que você aprende. Não dá para começar a jogar futebol aos 15, 16 anos. Não dá para você se desenvolver plenamente na sua genialidade matemática se você deixar para aprender as quatro operações depois da adolescência. As coisas têm que ser aprendidas no momento certo se quisermos aproveitar plenamente o potencial. Alguns se recuperam, alguns são gênios. Mas a média da população, pessoas normais como nós, ou a gente aprende na hora ou vamos ter grandes dificuldades depois.

            E, para dar uma ideia, eu vou pegar os resultados da leitura do Brasil. Divide-se a capacidade de leitura em quatro grupos. O nível um analisa se a pessoa é capaz de ler sílabas. Chama-se canônica: “m” e “a” é “ma”; “c” e “a” é “ca”. As pessoas são capazes de ler essas coisas bem simples. Até o nível quatro, que é quem é capaz de ler, entender, digerir e até repetir.

            Pois bem, no Brasil, apenas 11% dessas crianças são capazes de ler, entender e repetir; 22% não são capazes de ir além do mais simples, da mais simples decifração de “c” e “a”, “ca”; “s” e “a”, “casa”. Se você colocar “a casa de João é amarela”... Aliás, “João”, já têm dificuldade de ler bem porque não é a chamada sílaba canônica, porque já tem o “j”, o “a”, o til e o “o”. “João” já exige uma sofisticação para saber ler.

            “A casa amarela onde João morava foi derrubada porque caiu um carro em cima.” Não vai ser capaz de ler isto. Trinta e quatro por cento não são capazes de ler isso e dizer mais: que provavelmente a culpa disso foi de um motorista embriagado. Não conseguem. Trinta e três por cento não conseguem um pouco mais e, em vez de duas, três, quatro, ter cinco, seis frases completas. Apenas 11% são capazes de ler e, depois, dizer o que leram. Isso para o Brasil.

            No Norte, apenas 5% são capazes de ter o grau quatro de leitura - 5%! Era para ser 100%, salvo um ou outro menino ou menina com deficiência. Entre as pessoas sem deficiência, poderiam ser 100%; temos 5%.

            E aí vem Estado por Estado, o que eu não vou ler, porque creio que inclusive deveria constranger as pessoas desses Estados, sobretudo os seus dirigentes.

            Se a gente vai para outras Regiões, melhora um pouco. Melhora quando se chega à Região Sul, em que o maior nível é 14%. Ou seja, melhora, mas melhora de 11% para 14%. Apenas 14% são capazes de ter um nível de leitura satisfatório; 12% apenas conseguem ler as palavras, juntar duas ou três palavras e tentar ler uma frase.

            Esta é a tragédia, a meu ver, que, sem citar, o ex-prefeito Tito Costa tinha na cabeça. É isso que a gente esperava que tivesse sido superado. É isso! Isso poderia ter sido superado. Não dava para superar...

            O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Cristovam Buarque, quando for da conveniência de V. Exª, eu gostaria, aqui da Presidência, de fazer um aparte a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Com muito prazer.

            Não dava para superar, nesses 12 anos, o Brasil ter um homem na Lua, o Brasil ser um país produtor dos mais importantes medicamentos do mundo. Isso vai exigir décadas de sofisticação científica, tecnológica. Mas ter todas as crianças sabendo ler ao chegar à terceira série, isso daria!

            E aí, ao ler isso, Senador Capiberibe, eu me lembrei de que, em 2005, a Folha de S.Paulo publicou esta foto aqui do Lula conversando com um conjunto de crianças numa pequena cidade perto de Caruaru. Esse foi um gesto simpático do Presidente Lula, que mostra seu carinho até. Ele desceu de um helicóptero numa fazenda e, em vez de dar um adeus e ir embora, caminhou e se agachou diante de algumas crianças. Quando eu vi isso, eu disse: “Eu vou lá encontrar essas crianças!” E fui, Senador. Fez dez anos agora em maio. Eu fui lá, encontrei as crianças, coloquei o nome de cada uma delas aqui, com a idade, e fiz uma carta ao Presidente Lula, em que eu citei o que eu vi, a escola que eu visitei, as mães com que eu conversei, a professora com que eu conversei. Está tudo nessa carta. E eu dizia: “Presidente Lula, o senhor não é culpado dessa tragédia; o senhor acaba de assumir há dois anos, mas, se daqui a dez anos, continuar assim, o senhor é culpado”. E aqui eu digo: o Presidente Lula é culpado. Eu não fiquei só nisso, eu dei um passo mais. Eu disse: “Presidente, se o senhor quiser resolver isso, estão aqui dez passos que resolveriam isso”. São os dez passos que eu tentei implantar durante o ano em que eu fui Ministro dele, são dez passos que eu comecei, na verdade - aliás, eu aqui coloco numa coluna o que eu comecei a fazer e que foi interrompido. E está aqui ponto por ponto; são dez pontos. E eu acuso aqui: ele é culpado desse relatório que o Ministério da Educação do Governo Dilma fez. Ele é o culpado desse resultado trágico. E eu lamento que isso tenha acontecido.

            Além disso - ele não é o culpado -, eu procurei saber onde estão essas crianças hoje. Este mais velho aqui - que se chama Jailson, provavelmente, ou Rubinho - hoje está num hospital, queimado na prisão. Da menina, a informação que eu tenho é que já tem três filhos, chegando agora a 17, 18 anos.

            Não dá para dizer que ele é culpado do que aconteceu com essas crianças, embora seja meio culpado. No entanto, do que está acontecendo com os que hoje têm a idade desses ele é culpado - os que hoje têm essa idade aqui e que agora já estão adultos -, porque dava para a gente ter feito as mudanças que não fez.

            É triste essa frustração que eu vi no artigo do Tito Costa; é triste a frustração dele, com 92 anos.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A mesma idade, aliás, do Bicudo. O Dr. Bicudo é outro também que manifesta a sua frustração liderando o pedido de impeachment. Essa frustração é o maior mal que o Presidente Lula causou. Ao lado de ter feito o Bolsa Família positivo, de ter dado uma grande presença do Brasil internacionalmente, de ter conduzido o Brasil de uma maneira até satisfatória em muitas coisas, ele não fez as reformas estruturais que a gente esperava. E a reforma fundamental era esta aqui: a reforma da educação. Era possível! A gente até começou no governo dele, em 2003, com a chamada Escola Ideal, que era o início da federalização, até começou com o programa da erradicação do analfabetismo, que se esperava em quatro ou cinco anos e que, em um encontro na Confederação Nacional da Indústria (CNI), quando a gente assina um convênio para que a CNI alfabetizasse um milhão de adultos, no discurso, ele disse: “Quem come apressado come cru. Não dá para ter pressa para alfabetizar“ - está lá registrado esse discurso.

            Pois bem. Esse artigo do Tito merece ficar na história, como também o artigo de ontem da Ana Maria Machado, no O Globo, responsabilizando a Presidente Dilma pela situação que a gente vive. Esse também merece ser lido aqui, mas hoje eu preferi falar sobre isto: aquele artigo do Tito é um exemplo da frustração de uma geração inteira que acreditava que o Brasil ia dar um salto, continuando o que se começou em 1994 com Itamar, com Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Real. E aí, com o governo Lula, todos ficaram frustrados como estamos hoje, porque faltou a reforma da estrutura. Ficamos no consumismo, no aumento da renda, enganando, porque essa renda desaparece rapidamente com o desemprego e com a inflação, e não fica nada, nada forte, firme, fixo que só as revoluções trazem, como a revolução de cuidar das crianças para que elas encontrem o próprio rumo. É uma pena essa frustração de todos nós, mas é necessário pelo menos falar dela, para que, no futuro, não haja mais coisas como esta, essas crianças cortadas.

            Para concluir, antes de conceder o aparte, no mesmo momento em que lia isso, eu assistia a crianças no Mediterrâneo se afogando. Lembrei-me, Senador Capiberibe, de que moral nós temos para criticar aqueles europeus, frios, que não estão deixando entrar na Europa os pobres da Síria, se nós não estamos deixando aqui as pobres crianças do Brasil entrarem no futuro? Eu vi aquelas crianças em botes no Mediterrâneo quase naufragando e disse: é uma escola. A escola leva ao futuro, o barco leva da África à Europa! Os barcos estão afundando e as crianças, morrendo! As escolas estão matando intelectualmente nossas crianças, porque não dão a elas o que precisam para o futuro. Nós estamos sendo tão perversos com as nossas crianças nas más escolas de hoje quanto os que deixam aquelas crianças morrendo nos botes do Mediterrâneo. Lá vão perder a vida; aqui vão sobreviver, mas vão sobreviver tolhidos, limitados, impedidos da vida plena no mundo moderno. Lá a vida moderna é atravessar o Mar Mediterrâneo e entrar na Europa; aqui é atravessar os 12 anos de escola de base e chegar ao futuro. Nosso Mediterrâneo é a educação sem qualidade que as nossas crianças atravessam nesses botes malditos que colocamos o nome de escola, mas que não merecem esse título, e não merecem, porque o governo Lula não quis fazer durante os oito anos do seu período. Dava tempo. Dava tempo e poderia ter deixado o Brasil hoje sem a vergonha dessa avaliação nacional de alfabetização de 2014. Quando isso for lido, daqui a cem anos, haverá gente que vai achar que não era 2014, mas 1814 - não era nem 1914. Isso aqui, em países sérios, acontecia no século XIX, não no século XXI. Aqui é no século XXI, depois de 12 anos de um governo que acreditávamos que faria as mudanças que o Brasil precisa, mas que não fez.

            Senador Raimundo, era isso o que eu tinha a dizer. O senhor pediu a palavra - depois o Senador Capiberibe e o Senador Aécio Neves.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Senador Capiberibe.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Senador Cristovam, todos nós temos feito um esforço muito grande para entender por quê. V. Exª identifica o ex-Presidente Lula e lhe atribui um grau de responsabilidade que, de fato, ele tem nesse processo. Lula foi o produto refinado, sofisticado e bem acabado do populismo de esquerda, uma reprodução, no século XXI, do Perón do século XIX. E não há como. Ficou claro para a sociedade brasileira que não importa se é o populismo de direita - e no Brasil isso é uma prática corrente, comum -, se é o populismo de esquerda. O populismo é uma praga da sociedade latino-americana, porque ele corrói as instituições, ele utiliza as instituições, ele termina definindo que não importam os meios, o que importa são os fins. Eu acho que este é o nosso problema: o populismo na política brasileira, que cria uma rede de favores e de entendimentos promíscuos criminosos, que levam ciclicamente o Brasil a essas crises que estão aí, que nós estamos vivendo neste momento, que é uma crise política, uma crise econômica e uma crise ética, que eu diria ser permanente, que nós nunca superamos. Nós colocamos as dificuldades éticas para debaixo do tapete, mas eu acho que nós temos uma chance, porque, no caso específico da educação, nós vinculamos receita à educação, e isso deu um salto na quantidade da oferta de educação. No entanto, a forma de gastar esse dinheiro é absurda, é uma gastança sem controle. Senador Cristovam, eu fiquei pasmo. Eu me reuni com os alunos da USP, a fantástica Universidade de São Paulo, organizada pelos franceses lá na década de 1930, que é uma universidade que forma os quadros dirigentes deste País. A Universidade de São Paulo não cumpre a lei, não presta contas do que gasta, é absolutamente opaca a execução orçamentária da USP. No País, são muito comuns os escândalos de desvio de recursos da educação, são muito comuns as desigualdades salariais praticadas na educação. Não há controle nenhum da educação. Só que hoje, há uma oportunidade, e essa oportunidade se dá por uma transformação que a sociedade está vivendo, que é única na história da humanidade: nós estamos saindo do mundo real e construindo uma cultura no mundo virtual. Hoje, no Brasil, 70% dos brasileiros estão nas redes sociais, eles se falam. E nós precisamos entrar, a política tem que entrar, o Estado brasileiro tem que abrir as portas e aceitar esta nova cultura: a cultura do controle virtual dos meios reais de que nós dispomos para ofertar saúde e educação, principalmente educação. É intolerável um país com uma carga tributária como a nossa, que está, em 2013, em 35,95%, comparado com o Canadá, que tem uma carga tributária de 30% e é um país em que não há analfabetismo, em que a educação é franqueada, em que a saúde é franqueada, pública.

(Soa a campainha.)

            O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Lá não há medicina privada, só há medicina pública; a justiça é pública; há 100% de rede de esgotos; há 100% de rede de água; as cidades são todas saneadas, e a carga tributária é de 30%. Aqui, uma minoria se apropria da energia coletiva, e aí é que nós vamos ter que trabalhar para ver como é que nós vamos fazer para que esses donos do poder, pressionados por aqueles que pagam, e pagam igual a todos, melhorem a distribuição dessa riqueza. Essa é a nossa tarefa, e eu acho que as redes vão nos permitir um controle, estão nos permitindo, porque as informações se abriram. É claro que há a USP, e, como a USP, ainda há entes públicos espalhados pelo Brasil todo que resistem ao cumprimento da lei, mas nós temos que acionar o Ministério Público, nós temos que recorrer aos recursos jurídicos de que hoje tão bem a sociedade democrática dispõe. Ou seja, essa comunicação horizontal, rápida, interligada, permite-nos um avanço na nossa sociedade - eu acredito sinceramente. Não acredito mais que as instituições nossas possam resolver a crise. Não vão resolver, são incapazes de resolver! Podem até mitigar, podem até reduzir, mas quem vai pagar são os de sempre, e já estão pagando por isso. Portanto, eu acho que é a nossa chance de nos envolver definitivamente numa comunicação direta com a sociedade, trazê-la aqui para dentro, acompanhar isso que nós estamos fazendo, mobilizá-la para isso. O pior analfabetismo é o analfabetismo político, e esse é complicado. Nós podemos ajudar muitíssimo se nós nos envolvermos nesse amplo debate que a sociedade espera da gente nas redes sociais - eu sei que V. Exª participa ativamente -, mas nós precisamos muito mais, nós precisamos abrir cada vez mais o Estado brasileiro para essa participação.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Capiberibe.

            Antes de passar a palavra ao Senador Aécio, eu quero dizer que, para isso, a gente vai precisar libertar o público do Estado. E o estatal está aprisionando o público; não o público no sentido de pessoas, mas do interesse coletivo público. A saúde estatal, hoje, foi privatizada a serviço daqueles que a fazem, esquecendo o público.

            Nesta semana, eu comecei a falar que o financiamento de campanha tem de ser público, mas não estatal. As pessoas disseram que não entendiam. Público é por cada pessoa, cada simpatizante que apoie o seu candidato, que apoie o seu partido. Nem fundo partidário deveria haver. O Estado aprisionou o público. O que o senhor propõe, Senador Capiberibe, é, realmente, dar realeza ao público, e o Estado servir quando for o caminho necessário, mas nem sempre é o Estado que é capaz de fazer o que o público quer.

            Senador Aécio.

            O Sr. Aécio Neves (Bloco Oposição/PSDB - MG.) - Senador Cristovam, ninguém melhor do que V. Exª para, mais uma vez, trazer este tema que está, sem dúvida alguma, na raiz dos inúmeros e gravíssimos problemas por que o País passa hoje. Educação, educação, educação - essa deverá ser sempre a nossa prioridade. Eu me lembro de que, durante a última campanha eleitoral ou na pré-campanha, eu me encantei com algumas das manifestações de V. Exª...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É verdade.

            O Sr. Aécio Neves (Bloco Oposição/PSDB - MG) - ... que considero essenciais, quando V. Exª dizia que o caminho ou, pelo menos, a primeira etapa que nós precisaríamos viver é o momento em que a União assumir a sua responsabilidade com a educação, mesmo fundamental, em regiões em que a estrutura local não tenha condições...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Aécio Neves (Bloco Oposição/PSDB - MG) - ... de garantir minimamente uma educação de qualidade. V. Exª falava da corresponsabilidade, que é um tema que, espero, tenhamos a oportunidade ainda de sobre ele debater. E V. Exª traz aqui dados da Avaliação Nacional da Alfabetização divulgada na última quinta-feira. São assombrosos os números que foram divulgados e, portanto, hoje são objeto de avaliação em todas as regiões do País. Em matemática - apenas para relembrar alguns deles, falando aqui do 3º ano do ensino fundamental, em que deveria haver uma compreensão básica, pelo menos em relação à matemática, ao português, seja na escrita, seja na leitura, os dados são, repito, assustadores -, 53% dos alunos pesquisados não conseguem minimamente fazer as operações básicas. Em escrita, cerca de 34%, portanto, um terço dos alunos, não conseguem escrever frases completas, por exemplo. E um, em cada quatro alunos, não consegue, segundo esse levantamento, ler uma palavra sequer. Por mais otimistas que sejamos, se não houver uma correção rápida do rumo por que vai a educação brasileira, as esperanças que deveremos ter em relação ao nosso futuro certamente estarão muito aquém daquilo que o brasileiro menos otimista gostaria. Repito aqui aquilo que disse V. Exª: no momento em que nós vemos compromissos assumidos sucessivamente por governos deixarem de ser cumpridos, no momento em que nós assistimos ao assalto à alma, à esperança, ao futuro dos brasileiros, é hora de uma ruptura, Senador Cristovam, com o passado; é hora de ousadia, é hora de coragem, é hora de início de um tempo novo. Eu não posso acreditar, com a gravidade da situação por que passa o País, essa crise social gravíssima na qual já estamos mergulhados, como eu disse há pouco aqui, com os empregos indo embora, com a inflação tirando a comida da mesa dos brasileiros - aquela comida que, na campanha eleitoral, a propaganda do PT dizia que os adversários tirariam da mesa dos trabalhadores -, no que nos oferece hoje o Governo Federal: envia, nesta segunda-feira, uma proposta de um aumento na carga tributaria com a criação da CPMF. Se não houver, Sr. Senador Cristovam Buarque, Sr. Presidente Raimundo Lira, um reinício, uma repactuação da sociedade brasileira em torno daquilo que é essencial e que passa por um ativo que, lamentavelmente, vem faltando a este Governo e, confesso, não sei se é passível de recuperação que é a confiança e a credibilidade, nós estaremos, a cada instante, mais distantes desse futuro que V. Exª, eu e tantos outros brasileiros gostaríamos de ver se transformando no presente para essas crianças que V. Exª buscou saber como estão. E, no momento em que Governo não assume a sua responsabilidade, não consegue olhar para trás e dizer: “Erramos aqui”, para que possamos corrigir caminhos, eu acho que mais ainda nós nos distanciaremos do caminho que deveríamos estar percorrendo. Nesse cipoal de más notícias, pelo menos me permito dividir com V. Exª ainda resultados razoavelmente positivos no meu Estado, Minas Gerais, por uma ação contínua não apenas do meu Governo - eu faço sempre esse reconhecimento -, mas que vem sendo aprimorado com instrumentos de avaliação de desempenho, de remuneração por metas alcançadas, e outros Estados também vêm na mesma direção, algumas luzes se acenderam nesse túnel escuro por que passa a educação brasileira.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Aécio Neves (Bloco Oposição/PSDB - MG) - E V. Exª, certamente, é a mais brilhante dessas luzes a iluminar o futuro diferente do que este que os últimos governantes legaram aos jovens brasileiros.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Eu concluo, Senador Raimundo, Senador Capiberibe, dizendo que essas crianças aqui se afogaram no Agreste pernambucano da mesma maneira em que a gente assiste às crianças todos os dias se afogando no Mediterrâneo; aquelas se afogam indo da pobreza à riqueza, da guerra à paz, da África à Europa, estas se afogaram na tentativa de chegar ao futuro, afogaram-se porque o bote que as levava à escola não foi capaz de ensinar-lhes o que elas precisavam. Hoje, neste minuto, essas já se afogaram - estão vivas, mas não entraram na modernidade.

            Enquanto isso - e eu concluo, não vou falar da matemática -, a gente pode dizer que, neste momento, 32% das crianças brasileiras estão se afogando, porque não sabem ler na idade certa. Com algum esforço ainda é possível não deixar que 34% se afoguem. Apenas 33% - e dá para a gente dizer - estão em barcos sólidos e 11% já deram o salto para o futuro - na idade delas, obviamente. Ainda falta tudo do fundamental e do médio. Mas essas aqui se afogaram sob os olhares do Presidente Lula, que já era Presidente nessa data. Elas se afogaram sob os olhares do Lula. E nós não podemos deixar que estas continuem se afogando sob os olhares da gente, Parlamentares do Brasil.

            É isso, Senador...

            O Sr. Elmano Férrer (Bloco União e Força/PTB - PI) - Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Elmano, com o maior prazer. Não sabia que o senhor estava pedindo a palavra.

            O Sr. Elmano Férrer (Bloco União e Força/PTB - PI) - V. Exª, como sempre, faz um brilhante pronunciamento nesta Casa, mais uma vez, inclusive, trazendo um tema da mais alta importância para o nosso País. V. Exª disse aqui, no final, que todos somos prisioneiros do Estado brasileiro. Mas, antes, V. Exª foi Governador do Distrito Federal, chegou a ser Ministro do nosso Presidente Lula, cuja origem é o mesmo Estado de V. Exª - e toda a história do Presidente Lula nós sabemos, uma história muito bonita -, mas, dos oito anos em que ele presidiu a República, V. Exª passou um ano. Quer dizer, V. Exª realmente começou, através daqueles dez itens a que V. Exª se referiu, que era, parece-me, o balizamento para o enfrentamento do grande problema da educação. Veja, e agora? V. Exª tem sido um persistente nesta tribuna, dizendo, e repetindo com dados, que a educação realmente é a base, é a raiz de todo o processo de desenvolvimento. Enquanto não a alavancarmos, como fizeram outros países, por exemplo, a Coréia do Sul e outros países que nós temos lá nos Tigres Asiáticos que, realmente, chegaram a um estágio de desenvolvimento por acreditar na educação e investir, realmente, na educação... V. Exª é do partido do Brizola que criou - e eu vi uma das grandes e inusitadas experiências deste País - os CIEPs, os Centros Integrados de Educação Pública. Parece-me que aquele processo era realmente o início de uma grande transformação, mas o governo passou, e nós não avançamos. Eu pergunto a V. Exª: o que fazer? No meu entendimento, eu sempre tive a necessidade de dizer a V. Exª, a crise profunda hoje é do Estado, crise do Estado. Os governos que se sucedem procuram executar as políticas de Estado. Nós temos de fazer essa transformação. Nós do Senado da República, que se diz a Casa da Federação, estamos vendo agora o limiar do desmoronamento do Estado, que é com relação ao pacto federativo. Quer dizer a Federação morre, os Municípios estão na UTI, os Estados federados também. Para onde nós vamos? O que tem que ser feito na visão de V. Exª que foi Ministro, Governador, Professor...

(Interrupção do som.)

           O Sr. Elmano Férrer (Bloco União e Força/PTB - PI) - ... o maior Reitor da nossa UnB - sem querer desmerecer os demais? Que caminhos, meu querido Senador Cristovam Buarque, nós temos que perseguir, daqui para a frente, para que nós resolvamos essa questão da educação em nosso País?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Elmano, eu queria que essa pergunta tivesse sido na abertura, Senador Telmário, porque eu ia falar só sobre isso, mas não vou fugir.

            Esse documento aqui - o Senador Telmário não estava -, que foi enviado ao Presidente Lula, em 2005, coloca como fazer os dez passos da federalização da educação brasileira com descentralização gerencial e liberdade pedagógica. Não vai dar para ver tudo, mas vou mostrar como é a estrutura, em duas páginas.

            São dez pontos, com alguns subdivididos.

            1. Criar o Ministério da Educação de Base e a Agência Nacional para a Proteção da Criança.

            E ao lado, a justificativa: sem isso, o Governo Federal continuará refém do ensino superior e técnico, e as crianças brasileiras não terão um responsável por elas no plano nacional.

            Ação: aprovar a criação dos dois órgãos.

            Passos que já foram dados - afinal de contas, eu fiquei um ano no Ministério; eu tinha que mostrar que foram dados os passos: a ideia de criação do Ministério de Educação de Base foi discutida durante o período de transição do governo Lula, e a proposta da Agência Nacional para a Proteção da Criança está em andamento no Senado. É um projeto meu.

            Depois, vem:

            2. Definição de três pisos nacionais para a educação.

            Primeiro: piso salarial e de formação do professor.

            Justificativa: sem um piso salarial para o professor, será impossível atrair profissionais competentes.

            Ação: retomar os projetos criados em 2003 e aprovados no Fundeb.

            Passos dados: o Programa de Certificação Federal dos Professores 2003, no meu período no Ministério, uniu o piso salarial e a formação do professor. Só que esse ponto aqui, eu tenho o privilégio de dizer, se tornou realidade com a lei apresentada por mim, que se transformou em lei sancionada pelo Presidente Lula, em 2008. Isso aqui foi 2005, mas foi feito. Então, este item aqui existe, só que é um piso de R$1.953,00. A gente tem que dar um salto e criar a carreira federal inteira.

            Segundo: piso de equipamentos e instalações. Definir padrões mínimos para as edificações escolares e equipamentos pedagógicos mínimos de que essas escolas necessitam.

            Escola tem que ser adaptada ao que é hoje. Escola de quadro-negro não segura uma criança. Uma criança não aguenta, com o que ela vê todos os dias na televisão, o professor fazer um pontinho branco e dizer: “Isso é o Sol”; um outro pontinho branco: “Isso é a Terra”; faz uma roda: “Isso é a órbita terrestre”.

            Eles veem isso colorido, na televisão, nos brinquedos, nos jogos - até no celular se consegue ver isso.

            Então, os equipamentos...

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Cristovam, quero só fazer um grande registro, ainda mais porque V. Exª, que é um mestre, um professor, está na tribuna.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - V. Exª orgulha não só o meu Partido, mas também o Brasil e enaltece esta Casa.

            Eu queria aqui saudar os alunos do curso de Direito da Faculdade Univates, de Lajeado, no Rio Grande do Sul, que estão na galeria.

            Sejam bem-vindos! Esta é a Casa do povo. Vocês foram muito felizes ao chegar aqui e encontrar o mestre Cristovam na tribuna, fazendo um belo discurso, sobretudo com a bela interferência, a sugestão, o pedido do Senador do Piauí, o velhinho trabalhador que está ali fazendo esse questionamento ao nosso Professor e Senador Cristovam, neste momento ímpar, diante dos futuros advogados, juízes, promotores, delegados, já que o curso de Direito é a rainha de todos os cursos - isso me deixa triste, assim como o Senador Cristovam, porque somos economistas. Mas, sem nenhuma dúvida, vocês vieram em um bom momento.

            Quero saudá-los!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) -Primeiro, bem-vindos!

            Só quero dizer que eu estava lá na semana passada, em Lajeado, onde falei para um público muito grande, na universidade. E fiquei muito bem impressionado com o que eu ali assisti e ouvi.

            É muito bem ter vocês aqui!

            Senador Elmano, eu vou concluir, só lembrando: o que é preciso fazer? Retomar os projetos iniciados em 2003.

            Foram iniciados dois programas que atendiam essa meta: a chamada Escola Interativa e a Escola Ideal, Senador Capiberibe, que era o nome que a gente dava para a federalização da educação.

            O terceiro ponto do segundo item é a definição dos pisos - piso de conteúdo: estipular o saber mínimo que cada criança brasileira, de qualquer escola, em qualquer cidade, deverá possuir sobre cada matéria em cada série, independentemente de onde estude.

            Justificativa: sem isso, o saber de cada aluno depende do prefeito de sua cidade ou da renda de sua família, e o Brasil assim não construirá uma educação unificada pela educação.

            Ação: definir esses conteúdos no Plano Nacional de Educação.

            Agora, dez anos depois, o MEC lançou, na semana passada, finalmente, uma proposta de currículo mínimo para o Brasil, mas não vão conseguir executar enquanto as escolas forem só municipais, porque são muito desiguais as cidades brasileiras.

            Algumas não vão ter condições de fazer isso.

            Senador Elmano, não vou ler todo aqui, porque são 10 pontos, mas vou deixar esta cópia com o senhor e gostaria muito que tivéssemos um debate como este, porque, como isso já tem 10 anos de feito, confesso que eu estava até meio esquecido. Vou retomar e elaborar melhor e lhe dá. Acho que não é o ideal, não é o certo, não é o correto, mas é um ponto de partida para responder a sua pergunta fundamental: e agora, o que a gente faz? Porque essas crianças se afogaram e não podemos deixar que as próximas continuem se afogando. Vou levar o dever de casa para continuar isso, porque o tempo aqui já foi muito longo. O Senador Raimundo foi muito gentil, vocês todos.

            Senador, era isto que eu tinha que falar: essas crianças que se afogam no Mediterrâneo, querendo ir da África para a Europa, têm seus correspondentes no Brasil se afogando, tentando ir do presente para o futuro em escolas que são tão precárias quanto aqueles barcos usados, hoje, no Mediterrâneo. Não podemos deixar que, no nosso solo, as crianças continuem se afogando, na tentativa de chegar ao futuro.

            É isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/2015 - Página 72