Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao programa de governo de grupos que articulam o impedimento da Presidente da República.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas ao programa de governo de grupos que articulam o impedimento da Presidente da República.
Aparteantes
Fátima Bezerra.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2015 - Página 68
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, MEMBROS, CONGRESSO NACIONAL, OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, TENTATIVA, GOLPE DE ESTADO, OBJETIVO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA, PEDIDO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, ENTREVISTA, CARLOS AYRES BRITTO, EX MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ENFASE, POSSIBILIDADE, ABERTURA, PROCESSO, RETIRADA, PRESIDENTE, PODER, REGISTRO, APOIO, MANDATO, CHEFE, EXECUTIVO.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Srª Presidente, Senadora Ângela Portela.

            Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, companheiros e companheiras, há alguns dias, Parlamentares da oposição entregaram ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Eduardo Cunha, um aditamento a um pedido de impeachment, que lá já estava protocolado, contra a Presidente Dilma Rousseff.

            Eu tenho ocupado esta tribuna quase todos os dias e todas as sessões, Srª Presidente, Senadora Ângela, Srs. Senadores, para denunciar a absoluta falta de argumentos jurídicos dessa ação, mas acredito também que seja oportuno trazer ao debate desta Casa as razões econômicas que alavancam o golpismo dos setores mais atrasados da nossa sociedade.

            E, quando eu falo que não há argumentação jurídica para se apresentar e defender a tese do impedimento da Presidente, é porque, de fato, não há qualquer crime que tenha sido vinculado a ela ou que ela tenha cometido ou por que ela tenha sido julgada, em relação a qualquer irregularidade, Srª Presidente.

            O jornal Folha de S.Paulo de hoje traz uma longa entrevista com o ex-Ministro e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, em que ele, baseado em uma análise jurídica insuspeita, independente, imparcial, afirma textualmente que não há qualquer base jurídica para sustentar um processo de impeachment contra a Presidente Dilma Rousseff e que não se pode - entre aspas - “’artificializar’ argumentos para afastá-la do cargo”. Então, vejam que um ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal é quem faz essa análise, assim como muitos outros juristas.

            Srª Presidente, o que está por trás dessa tentativa de golpe? Quando alguns defendem a bandeira do impeachment, sustentam que isso é previsto na Constituição brasileira. De fato, isso é previsto na Constituição brasileira, mas, a partir do momento em que uma tese como essa é defendida e levada adiante sem que haja qualquer base jurídica, ela foge do impedimento e passa a ser um golpe, o que é extremamente danoso para a nossa jovem democracia, para a democracia brasileira, porque coloca em xeque o nosso próprio sistema, o nosso próprio Estado democrático de direito. Então, basta que Presidentes da República estejam mal avaliados ou enfrentem problemas de crise econômica ou crise política para que as forças sustentem e levantem a necessidade de impedimento sem qualquer base legal.

            E é por isso que eu acho, Srª Presidente, que nós vamos ultrapassar essa fase. Como muitos têm dito, eu também acredito que nós vivemos uma crise muito mais política do que econômica. Lamento o fato de que a crise política esteja sendo um alimento para a crise econômica. E eu lamento muito, porque quem perde com isso não é a força política que está no poder, não é a Presidente da República; quem perde com isso é a Nação brasileira, é o Estado brasileiro e, principalmente, a população brasileira.

            Eu quero aqui trazer, Srª Presidente, rapidamente, o exemplo do Chile, que, após o sangrento golpe de Pinochet, implementou um duro programa neoliberal. Esse programa nos mostra a face real desse modelo econômico - o mesmo modelo que anima determinados setores da oposição brasileira retrógrada, conservadora, a defenderem e manterem alta a bandeira do impedimento da Presidente, sem qualquer base legal.

            O Chile teve um governo popular, o mandato do Presidente Salvador Allende, que participava da Unidade Popular, por apenas três anos, de 1970 a 1973. Nesse período, o Presidente fortaleceu sua base popular devido aos programas sociais que elevaram de forma rápida a qualidade de vida dos mais pobres daquele país. Durante os três anos do governo de Allende, o Chile viveu um verdadeiro terrorismo econômico impulsionado pela mídia hegemônica, que criou um clima de ingovernabilidade e preparou o cenário para o golpe. Um comunicado interno da International Telephone & Telegraph, importante monopólio norte-americano de comunicação, dizia que os banqueiros não deveriam renovar os créditos ou demorar a fazê-lo, ao mesmo tempo em que as companhias comerciais deveriam dificultar a reposição de peças e produtos básicos para a população. Com a crise de abastecimento, criada propositadamente pelos grandes grupos, a classe média começou a sentir a escassez e a fazer manifestações contra o governo com panelaços, que representavam a falta de produtos básicos no comércio. Em uma etapa mais avançada rumo à ingovernabilidade, a oposição começou a cercar o governo, impedindo-o de realizar nacionalizações de empresas, impondo constantes trocas de ministérios e ampliando sua influência no Poder Legislativo.

            Com o cenário pronto para o golpe, Pinochet tomou o poder e, em poucos anos, conseguiu consolidar a sua agenda neoliberal, aplicando uma política de choque baseada na Escola de Chicago de Milton Friedman e de George Stigler. Em pouco tempo, 2% das empresas do país controlavam mais de 70% das ações de todas as sociedades anônimas, enquanto os três bancos mais importantes conseguiram deter metade das ações dos bancos comerciais. A agenda de “modernizações” - entre aspas - baseada na Escola de Chicago levou o Chile a privatizar a previdência social, a saúde, a educação, o sistema de infraestrutura e a entregar o controle de praticamente todo o seu capital a grupos estrangeiros.

            Passadas quase quatro décadas, o país, Srª Presidente, ainda sente as consequências dessas ações, porque, até os dias de hoje, ainda não conseguiu se desvencilhar totalmente desse amplo processo de privatizações ocorrido nos anos 70 e 80. Desse modo, a educação pública no Chile ainda não é gratuita, assim como a saúde daquele país; os pedágios nas autovias e o preço do transporte público oscilam de acordo com os horários de pico, de forma que as tarifas ficam mais altas nesses períodos. Além disso, a Constituição vigente ainda é a implementada por Pinochet durante os anos 80.

            No Brasil, eu creio que a situação, em alguns aspectos, pode ser comparada à situação vivida pelo Chile, principalmente pelo fato de que o que move a direita conservadora de nosso País é articular, tramar um golpe contra uma Presidente democraticamente eleita. Não é só o fato de o governo Lula e de o Governo da própria Presidente Dilma terem elevado a qualidade de vida dos trabalhadores, do povo brasileiro, e feito com que a educação pública no Brasil se expandisse como nunca se expandiu em nosso País, ou o próprio ódio que nutre das esquerdas brasileiras, mas, sim, Srª Presidente, o interesse de implementar, novamente, a agenda neoliberal, que já levou o País a uma série de privatizações nos anos 90 e abriu a economia nacional ao capital estrangeiro, de uma forma completamente atabalhoada.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Vejam que nós vimos muitas de nossas empresas serem privatizadas. Um exemplo de que essa agenda continua a assombrar o nosso País foi a publicação de um artigo do economista Armínio Fraga, que, em uma eventual vitória do PSDB nas eleições presidenciais passadas, deveria ser o Ministro da Fazenda, como o próprio candidato havia anunciado. Ele dá o tom do que seria a economia brasileira num governo tucano.

            Aliás, o Instituto Teotônio Vilela e o PSDB realizaram, semana passada, aqui, no Senado Federal, um seminário denominado “Caminhos para o Brasil”, em que participaram, além de vários Parlamentares filiados, Armínio Fraga e Gustavo Franco, que textualizaram exatamente tudo isso que coloco aqui, o receituário econômico caso estivessem no poder. Portanto, aqueles que criticam o ajuste hoje estão preparados e querem o poder para fazer um ajuste muito maior que esse, um ajuste que ataque frontalmente o direito dos trabalhadores, o direito dos brasileiros e das brasileiras, e que volte a promover o amplo processo de privatização que eles já promoveram no passado.´Vejam que bastou o início de uma crise econômica e política para reavivarem projetos como aquele que muda o marco regulatório da Petrobras, acabando com a partilha e voltando para o sistema de concessão, ou seja, o objetivo é entregar para as grandes multinacionais as maiores riquezas que têm o nosso País.

            O economista Armínio Fraga descreve em seu artigo, tendo falado também nesse tal seminário “Caminhos para o Brasil”, a situação do País como a mais calamitosa.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Eu abro aspas: “quadro fiscal gravíssimo, combinado com uma profunda crise econômica” - fecho aspas -, para o qual ele diz ter a salvação em suas mãos. Segundo o economista, seria necessário adotar uma série de medidas conjunturais de prazo mais longo e no plano macro. Ele aponta, como causa de todos os males, a presença do Estado na nossa economia, diz ele ser o Estado brasileiro muito grande, um Estado agigantado.

            Eu quero dizer, Srª Presidente - eu peço apenas uns minutinhos para concluir, já encaminho para a conclusão -, que não sou economista, mas me valho da nossa história e dos dados da nossa realidade, do nosso passado mais distante, do nosso passado mais recente e do nosso presente, para questionar esse receituário neoliberal que os tucanos querem no nosso Brasil.

            Não foi graças ao investimento, por acaso, do Estado que o Brasil foi um dos países que mais rapidamente se desenvolveu no mundo entre os anos de 1930 e 1980? Foi com o viés nacional desenvolvimentista que o País se industrializou, deixou de ser um país agrário. As empresas públicas, quer da esfera produtiva ou da esfera financeira, tiveram um papel fundamental no episódio do desenvolvimento, sobretudo, do parque produtivo nacional: Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica, Vale do Rio Doce e outras siderúrgicas, o sistema Eletrobras, Telebras, entre muitas outras, foram as protagonistas dessa visão desenvolvimentista.

             Já os governos de Fernando Henrique, dos quais Armínio Fraga participou, tinham, já àquela época, a mesma opinião. Por isso, “venderam” - entre aspas -, entregaram, a preço de banana, em processo muito questionado e pouquíssimo ou nada investigado, Senador Bezerra, uma boa fatia das empresas públicas brasileiras. E qual foi o resultado? O resultado foram várias crises cambiais, desemprego e uma dívida nas alturas, crescimento estagnado, País à mercê das grandes potências capitalistas.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Mesmo a inflação, em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique, ficou em mais de 12% ao ano.

            Portanto, o economista Fraga diz que é preciso superar o que ele considera as características do Estado atual, tal como a ineficiência e o agigantamento do gasto público, mas que há muito mais do que isso, porque são ainda características do atual modelo: “elevado grau de dirigismo, desprezo pelo mercado em particular, relativo isolamento no mundo...”.

            Segundo ele, seria necessário que se acabasse com toda e qualquer vinculação das verbas orçamentárias - vejam o que significa isso -, superando a rigidez nos gastos e adotando-se o que ele chama de “orçamento base zero”, sem qualquer vinculação de gastos para a educação e para a saúde. O que significa dizer que, em momentos de crise, seriam exatamente esses segmentos que mais sofreriam com os cortes.

            E mais, segue ele no seu pacote de maldades: a aposentadoria deveria ser, Senador Paim, completamente desvinculada...

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - ... desindexada dos reajustes do salário mínimo; não deveria nem haver o piso para aposentados no nosso Brasil; assim como deveria ser revista a cobertura da estabilidade dos servidores públicos.

            Mas essas não são novidades. Isso é parte do ideário tucano. Durante o seu governo - o próprio Fernando Henrique não lembra -, nós éramos Deputadas, a Senadora Ângela, eu, a Senadora Fátima, éramos Deputadas Federais, quando apareceu lá um projeto de lei muito pequenininho, que mudava o art. 618 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e colocava o negociado à frente do legislado. Ou seja, direito a férias, décimo terceiro, tudo isso poderia ser negociado, e o mínimo de direitos que o trabalhador e a trabalhadora têm, no País, que é a CLT, ficaria para as cucuias.

            Portanto, Sr. Presidente...

            A Srª Fátima Bezerra (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senadora Vanessa, muito rápido...

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Pois não.

            A Srª Fátima Bezerra (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Rapidamente, eu gostaria de parabenizá-la pelo brilhante pronunciamento que faz, uma reflexão tão consistente acerca da realidade do nosso País. Senadora Vanessa, eu já disse várias vezes que, se os tucanos tivessem voltado ao poder, o que eles teriam promovido não seriam apenas ajustes. Na verdade, as medidas que seriam adotadas - e agora a posição do Armínio Fraga...

(Soa a campainha.)

            A Srª Fátima Bezerra (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - ... corrobora mais ainda o que eu vou dizer. Se eles tivessem voltado ao poder, teriam apresentado medidas que não significariam apenas ajustes, mas um verdadeiro desmonte do papel do Estado e de retrocesso no que diz respeito aos direitos sociais dos trabalhadores.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Senadora, eu agradeço o aparte de V. Exª e o incluo ao meu pronunciamento.

            E concluo, Senadora Ângela Portela, que já me garantiu um tempo a mais significativo, dizendo que essas propostas que eles levantam a nós não surpreendem, mas é importante que a população tenha claro isso; é importante que o conjunto dos servidores públicos, dos trabalhadores e das trabalhadoras brasileiras, tenha claro o que é que eles querem. Por que tanto desejo de tirar a Presidente da República do poder? Por que, assim que acabaram as eleições, não reconheceram a vitória da Presidente Dilma? Porque, no fundo, eles querem aplicar o seu ideário da política neoliberal. E aí, como resumiu o economista Marcio Pochmann, essa medida patrocina...

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - ... a volta do patrimonialismo no Brasil.

            Por fim, Srª Presidente, quero destacar que a defesa da legalidade da democracia e do respeito ao resultado das urnas embute em si também a luta em defesa de nossas conquistas sociais, nossas conquistas econômicas e geopolíticas.

            O ataque diuturno à Presidente Dilma tem dentro de si o ovo da serpente do autoritarismo e do neoliberalismo, Senadora Fátima. Muitos dos que, de forma franca e honesta, embarcam na ode golpista não sabem que embalam também a possibilidade de levar o Brasil de volta...

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - ... ao século passado.

            Muitos chilenos deixaram-se levar pela cantilena moralista contra Allende, e a sua pátria até hoje sofre por isso.

            Então, neste momento, penso que precisamos fazer um alerta à sociedade brasileira. Primeiro, para que se mova na defesa do Estado democrático de direito; e, segundo, na defesa da manutenção dos avanços e das conquistas sociais e econômicas que tivemos nos últimos tempos, e que não foram poucas, Senadora.

            Muito obrigada pela paciência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2015 - Página 68