Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de projeto de lei relatado por S. Exª que viabiliza a decretação de prisão por crimes graves a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeito a recurso .

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa de projeto de lei relatado por S. Exª que viabiliza a decretação de prisão por crimes graves a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeito a recurso .
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2015 - Página 109
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, AUTORIZAÇÃO, DECRETAÇÃO, PRISÃO, AUTOR, CRIME, AMEAÇA GRAVE, REFERENCIA, ACORDÃO, CONDENAÇÃO, SEGUNDO GRAU, JURISDIÇÃO, COMENTARIO, BENEFICIO, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado.

            Presidente desta sessão, Senadora Ana Amélia; Srªs e Srs. Senadores, brasileiros que nos acompanham pela TV Senado, capixabas do meu querido Espírito Santo, em nome de quem nós estamos aqui trabalhando no Senado da República, eu sempre digo que são dois os objetivos nossos aqui no Senado.

            O primeiro deles é defender o nosso Estado - portanto, assim como o objetivo de V. Exª, Senadora Ana Amélia, é defender o Estado do Rio Grande do Sul, o meu é defender o Espírito Santo.

            O segundo é participar ativamente do debate nacional, trazendo e dando a nossa contribuição, até porque, para que qualquer das nossas unidades federadas tenha sucesso, seja bem-sucedida, possa lograr êxito e prosperidade compartilhada com os nossos irmãos, é necessário que o nosso País vá bem, porque nenhum dos nossos Estados é uma ilha. Portanto, é necessário que o País vá bem.

            Daí por que a necessidade imperativa de nós participarmos ativamente do debate nacional, sobretudo naquilo que diz respeito ao aperfeiçoamento, ao aprimoramento institucional para que o nosso País possa, primeiro, revelar-se aos seus cidadãos como um Estado que se justifica na sua existência, produzindo políticas e ações que possam melhorar a condição de vida da nossa gente e do nosso povo.

            É um desses temas que nós estamos trazendo para debate na tarde desta quinta-feira, aqui no Senado da República. Em meio a um mergulho em diversas crises que se apresentam sob diversas faces - a crise política, a crise econômica e efetivamente a crise moral -, estamos precisando, evidentemente, pensar e refletir sobre os caminhos objetivos e concretos que possam nos mover a outro ambiente.

            Em meio a essa crise toda, existem boas iniciativas, boas ações, e eu quero me referir aqui à implacável ação dos agentes da lei como os da Procuradoria- Geral da República, os da Polícia Federal, os da Justiça Federal, que estão atuando de forma integrada, dia após dia, revelando fatos, apurando escândalos como nunca se viu na história do nosso País, que, lamentavelmente, vive mergulhado em meio a uma delinquência jamais vista na história da República brasileira.

            E uma dessas ações é coordenada pelo juiz federal Dr. Sérgio Moro, a Operação Lava Jato, momento único, sob todos os aspectos, a consagrar as instituições e a importância de se lutar, no dia a dia, contra as agressões ao patrimônio do cidadão e contra os abusos cometidos pelos donos do poder político e do poder econômico, além, evidentemente, de defender o aspecto republicano das leis, que devem ser aplicadas a todo e qualquer cidadão, indistintamente, independentemente da sua posição política, da sua posição econômica, da sua posição social, e assim por diante.

            É nesse contexto que se faz necessário darmos um passo adiante no rumo da construção de um novo marco jurídico, de uma nova ordem jurídica capaz de honrar as conquistas atuais e pavimentar novos e importantes avanços. Tudo sem riscos às garantias individuais, evidentemente, e ao amplo direito de defesa.

            Uma Justiça mais ágil, mais eficaz e preservada das armadilhas criadas pelas brechas da própria lei é um desejo ardente de toda a coletividade brasileira. Sem condenações decididas e aplicadas em tempo razoável, as boas ações e intenções acabam perdendo muito do efeito esperado e transformam, seguramente, as expectativas em frustrações.

            Por mais que estejamos assistindo a grandes momentos contra a criminalidade e a delinquência contra o patrimônio público em nosso País, o sentimento da impunidade ainda pesa no coração do brasileiro.

            Tribunais emperrados por diversos motivos e pelos desvios promovidos pelo labirinto das normas representam, sem dúvida, um obstáculo à própria justiça. Cabe então a nós, legisladores, ouvir esse clamor e promover a mudança em favor de mais segurança das decisões dos juízes e de coibir reveses no combate à delinquência.

            Com a colaboração de magistrados, entre os quais o combativo juiz Sérgio Moro, que capitaneia os processos relativos à Lava Jato e que recebe merecido apoio popular, chegou a esta Casa o PLS 402, de 2015, subscrito por um conjunto de Senadores, projeto que tramita na Comissão de Constituição e Justiça, projeto esse do qual tive o prazer e tenho o prazer de fazer a relatoria, uma vez que fui designado pelo Presidente da Comissão de Justiça, o eminente Senador José Maranhão.

            A proposta da qual sou Relator altera o Código de Processo Penal para viabilizar a decretação da prisão por crimes graves, como os crimes hediondos, a corrupção, o peculato e a lavagem de dinheiro, após a condenação em 2º grau, ainda que sujeita a recurso.

            O projeto visa coibir os recursos meramente protelatórios, ou seja, após a decisão do juiz de 1º grau, após o recurso de 2º grau em qualquer dos nossos tribunais de justiça dos nossos Estados, após uma decisão coletiva é que nós precisamos transformar em objeto de prática e de materialidade as decisões colegiadas, sob pena de vermos continuar essa percepção de impunidade que, lamentavelmente, subtrai a autoestima da população brasileira.

            Segundo o Supremo Tribunal Federal, a prisão preventiva é um instrumento processual que pode ser utilizado pelo juiz durante o inquérito policial ou na ação penal, devendo, em ambos os casos, estar preenchido um dos requisitos legais para a sua decretação, como a garantia da ordem pública e da ordem econômica.

            Pela proposta que estamos relatando e debatendo na Comissão de Constituição e Justiça, o réu poderá ser preso ou mantido preso, mesmo em caso de recurso, quando condenado à pena privativa de liberdade superior a quatro anos. A liberdade, então, se tornaria exceção só mediante a apresentação de garantias de que não haverá tentativa de fuga ou de novas infrações.

            Trata-se de inequívoco ganho em favor da efetividade da Justiça. Mais: as prisões viabilizadas pela nova lei mostram à sociedade que chicanas jurídicas e outras armações amparadas no sistema legal não poderão perdurar.

            Contra os argumentos de que o projeto agride o princípio da presunção de inocência, eu sustento, como sustentam tantos homens do Direito, da doutrina e da academia, que não proponho qualquer tipo violação do Texto Constitucional. Aliás, pelo mundo afora, a presunção da liberdade plena é uma exceção e não uma regra. Essa cultura de presunção plena da inocência é uma cultura brasileira, uma espécie de jabuticaba, como é uma jabuticaba brasileira essa infinidade de recursos, com a lei consagrando o duplo grau de jurisdição. Aliás, em nosso País, esse grau não é duplo, Presidente; esse grau se eleva à quarta potência, porque esses recursos vão ainda aos tribunais superiores. Essa procrastinação, essa indústria de recursos ofende profundamente a população brasileira pela percepção de impunidade que cria.

            Precisamos entender que a presunção de inocência não tem um peso incondicional durante todo o processo. A força da presunção da inocência é uma no início do processo e outra, evidentemente menor, no momento da sentença condenatória, sobretudo quando essa sentença condenatória é produto e resultado de uma decisão coletiva. Há uma diminuição gradual dessa presunção à medida que vai se estabelecendo a culpa.

            A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em seu art. 6º, diz que - abro aspas - “todo réu, num processo penal, é presumido inocente até que tenha a sua culpa estabelecida” - fecho aspas. De igual maneira, a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art. 8º, estabelece que - abro aspas - “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa” - fecho aspas.

            No Brasil, quem decide sobre a culpa é o juiz e o tribunal local, portanto, o primeiro e o segundo grau. Eventual recurso ao STJ ou mesmo ao Supremo Tribunal Federal, a mais elevada Corte da Justiça brasileira, serve para discussão de questões legais e de questões constitucionais. Não há produção ou reexame das provas que foram deliberadas nas instâncias anteriores. Também não há rediscussão do mérito da condenação. Com a condenação do tribunal de segunda instância, a culpa do réu é consolidada, afastada apenas em casos excepcionais.

            É claro que não podemos admitir processos sumários que violentem o direito de defesa, mas também é intolerável verificar a morosidade na confirmação de uma sentença em nosso País. O sistema recursal brasileiro joga contra o trâmite razoável, levando a um longo périplo, desde a primeira instância até o STF, com diversas, com infinitas possibilidades de contestação de cada decisão. Como disse certa vez o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, o honrado Ministro Cezar Peluso, esse sistema não é apenas custoso; ele é também danoso, ineficiente e até perverso.

            A demora ultrajante do trânsito em julgado de uma decisão judicial só favorece os criminosos. São tantas as vias de acesso ao STJ e ao STF que, em muitos casos, os beneficiários da decisão judicial, caso existam, serão os filhos ou os netos das pessoas que foram prejudicadas ou violentadas no seu direito. Ou, como já dizia, no século XVIII, o jurista italiano Cesare Beccaria - aspas -: “Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo” - fecho aspas.

            E o que dizer, na mão inversa, dos milhares de presos provisórios do País, que representam 45% dos encarcerados? Pela lei, só é possível manter suspeitos em prisão temporária quando há perigo para investigação ou para a sociedade ou quando o indiciado não tiver residência fixa. Muitos estão à espera de julgamento por anos a fio em condenações provisórias. São muitos os casos famosos de condenações que não produziram resultados, atolados, evidentemente, no cipoal de recursos. Há o caso do jornalista Pimenta Neves, por exemplo: um assassino confesso que foi condenado por ter matado a namorada em 2000 e preso apenas em 2011, mesmo sendo um criminoso confesso. Outra situação, evidentemente, é o caso do Banestado, cujos réus foram condenados pelo Juiz Sérgio Moro em 2004 e continuam em liberdade, apesar de a sentença ter sido mantida pelo Tribunal Regional Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Isso tudo, evidentemente, é devido aos infindáveis e intoleráveis recursos que acabam inviabilizando a efetividade da Justiça brasileira, perpetuando, portanto, a percepção da impunidade, de que já falei aqui por tantas vezes, anteriormente.

            Acredito que esse projeto de lei é mais um avanço para darmos eficácia à Justiça, bem como outro projeto que estamos debatendo na Comissão de Constituição e Justiça, que já foi alvo de debate por parte do Supremo Tribunal Federal e por parte do CNJ. Em muitos Estados, ele já se transformou em regra, em lei, em prática. Refiro-me ao projeto do Senador Antonio Carlos Valadares, que inclui no Código de Processo Penal a audiência de custódia, que já é praticada em muitos Estados. No meu Estado, no Estado do Espírito Santo, já há esforços louváveis e resultados muito, muito concretos nessa direção. Portanto, nessa proposta - que mereceu todo o apoio do Supremo Tribunal Federal e que tem merecido todo estímulo e motivação do Conselho Nacional de Justiça -, nessa nova regra, fica estabelecido o prazo de 24 horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após prisão em flagrante.

            São avanços que, a partir do Legislativo, podem ser materializados; que estão nas nossas comissões e que, portanto, precisam...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ... vencer a burocracia legislativa para que o Legislativo possa, enfim, se afirmar como poder útil à sociedade brasileira. Tenho certeza, Sr. Presidente, de que essa é a expectativa da população brasileira.

            E tenho certeza de que, pouco a pouco, à medida que esses projetos forem incorporados à realidade brasileira, estaremos mudando, e mudando para melhor. Na próxima quarta-feira, por exemplo, estaremos discutindo na Comissão de Constituição e Justiça - já me encaminho para o encerramento, Sr. Presidente - um outro projeto muito importante. É um projeto que, obrigatoriamente, traz o Ministério Público para que ele possa ser parte nos acordos de leniência. E por que trazer o Ministério Público, obrigatoriamente, para a mesa nos acordos de leniência? Porque, nos acordos de leniência sem o Ministério Público, o limite é via administrativa, ficando pendentes as questões criminais e penais. E, se essas questões ficam pendentes, o que acontece consequentemente? Nós estamos gerando insegurança jurídica. E é preciso dar segurança e estabilidade jurídica para que os acordos de leniência possam produzir os efeitos da sua criação, o que foi alvo de grandes debates aqui, no Senado, e no Congresso brasileiro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2015 - Página 109