Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Crítica ao suposto caráter político e partidário, em detrimento de critérios técnicos, da rejeição das contas da Presidente da República.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Crítica ao suposto caráter político e partidário, em detrimento de critérios técnicos, da rejeição das contas da Presidente da República.
Aparteantes
Donizeti Nogueira, Roberto Requião, Telmário Mota.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2015 - Página 211
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), REJEIÇÃO, CONTAS, GOVERNO FEDERAL, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENFASE, DECISÃO, MOTIVO, NATUREZA POLITICA, DISCORDANCIA, MODELO POLITICO, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, COMENTARIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), EDUARDO CUNHA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, TENTATIVA, IMPEACHMENT.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, primeiro, quero dizer que eu assinaria, na íntegra, o discurso do Senador Requião, feito há pouco aqui.

    É interessante observar o Plenário do Senado no dia de hoje, porque a grande maioria das intervenções foi questionando a decisão do TCU, que, na verdade, não foi uma decisão meramente técnica, Sr. Presidente, mas, infelizmente, uma decisão política e partidária, que se deu num contexto político específico e bem definido.

    E que contexto político é este? Em primeiro lugar, é o contexto político-partidário do terceiro turno, do golpe.

    O ano de 2014 foi um ano duro e desafiador, um ano de disputa política extremamente renhida. Não imaginávamos, contudo, que o ano de 2014 se prolongaria até hoje. Foi-se o Natal, o Ano Novo, mas parte da oposição não percebeu sequer que fora derrotada legitimamente nas urnas.

    Num processo suicida, de ataque aos fundamentos da democracia, tentaram até mesmo deslegitimar o voto de eleitores pobres nordestinos. Questionaram a lisura de um sistema de votação elogiado em todo o mundo. Contestaram intempestivamente contas de campanha previamente aprovadas pela Justiça Eleitoral.

    A tentativa de criminalizar práticas orçamentárias decorrentes de crise fiscal e comprovadamente já adotadas em outros governos, iniciada ontem pelo TCU, se insere dentro desse contexto de busca canhestra de um terceiro turno, de um maldisfarçado golpe, o golpe paraguaio.

    Tragicamente, vivemos um vale-tudo sem limites, um vale-tudo assentado na hipocrisia e no uso desmesurado de dois pesos e duas medidas. Práticas que antes eram toleradas e aprovadas se tornam, sem critérios técnicos e jurídicos sólidos, em crimes a serem condenados com veemência.

    Nesse vale-tudo, não percebem que ameaçam tornar a democracia um "vale-nada". Não percebem que essa busca incongruente e hipócrita pela condenação do Governo e pelo golpe acabará por retirar legitimidade de nossas instituições democráticas, que deveriam ter sempre um caráter republicano e isento.

    Foi o caso da decisão do TCU de ontem. Ela foi um ponto inteiramente fora da curva. O TCU não aprovou práticas contábeis que antes aprovava, em todos os governos. Eu disse aqui que havia começado no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas o Senador Requião fez alusão ao artigo de Delfim Netto, que diz que vinha de há muito tempo.

    O TCU poderia ter tomado uma outra decisão, o TCU poderia até ter modulado tecnicamente a sua decisão, ter feito restrições a determinados procedimentos, ter feito recomendações para procedimentos futuros. Mas não, preferiu a condenação política pura e simples.

    A História, tenho certeza, não registrará bem essa decisão do TCU. Será uma mácula polêmica em uma tradição de equilíbrio e isenção. O próprio mise-en-scène político midiático do Relator, que antecipou repetidamente o seu voto à opinião pública, contrariando a lei, articulou-se nitidamente com políticos de oposição, demonstra sem pudores o caráter desequilibrado e partidarizado da decisão.

    Com muitos pontos fora da curva como esse, a democracia brasileira sairá definitivamente dos trilhos. Mas não é apenas a democracia brasileira que está em perigo com esse processo político-partidário do golpe; é preciso considerar, em segundo lugar, o contexto político maior, no qual essas decisões e esses processos se inserem. A árvore do golpe e do terceiro turno está inserida na floresta da restauração neoliberal, ou, como melhor define o sociólogo Domenico de Masi, da vendeta neoliberal.

    Há uma grande ofensiva política em todo o mundo, mas com maior intensidade na América do Sul e no Brasil, contra regimes políticos progressistas que implantaram o modelo social desenvolvimentista que destoa, até certo ponto, da ortodoxia econômica. Esses regimes foram até tolerados, num contexto de crescimento econômico, turbinado pelo boom das commodities. Entretanto, no novo contexto de grave crise mundial, o fim do superciclo das commodities e a redução do crescimento econômico dos países emergentes, pelo quinto ano consecutivo, como demonstra o FMI, esse modelo tornou-se o grande alvo da vendeta neoliberal.

    É necessário recompor as taxas de lucro. Isso impõe a destruição desse modelo. Voltamos, sub-repticiamente, à antiga pauta da desigualdade e da exclusão como condição para a retomada do crescimento.

    Estamos voltando - só um segundo, Senador Telmário; quando eu entrar no tema, passo para V. Exª - à pauta que nos regulou por mais de 500 anos. É necessário, sobretudo, inviabilizar definitivamente políticas anticíclicas que destoem da restauração triunfante da mais rígida ortodoxia econômica.

    É isso que está em jogo, não apenas o mandato legítimo da Presidenta. O que está em jogo, na realidade, é o rumo que teremos daqui para frente: se o rumo do crescimento com distribuição de renda, inclusão social e eliminação da pobreza ou se voltaremos ao velho modelo da Belíndia, do país que contém em si uma Bélgica dinâmica e uma Índia de exclusão.

    Voltando à questão das chamadas pedaladas fiscais, por que elas ocorreram? Ora, elas ocorreram no Governo Dilma, assim como ocorreram no governo FHC, para evitar que a crise invadisse a casa dos brasileiros. Elas ocorreram no contexto de uma política anticíclica para combater a crise, contexto que exige certa flexibilidade fiscal para evitar o agravamento das condições econômicas e condições sociais.

    O que queriam eles? Que não pagássemos o Bolsa Família? Que não executássemos o Minha Casa, Minha Vida? E é exatamente isso que se quer evitar, que se quer destruir nessa ofensiva pela restauração neoliberal.

    Querem manietar definitivamente o Governo, impor uma disciplina fiscal extremamente rígida e socialmente regressiva. A disciplina que restaurará taxas de lucro e, também, a desigualdade como fator indutor de um crescimento econômico excludente.

    Nós somos daqueles que defendemos o equilíbrio fiscal. Achamos que em período de crescimento econômico o Governo tem, sim, que fazer superávits, mas achamos, sim, que o Governo tem que ter a possibilidade de fazer política fiscal anticíclica num momento de recessão para colocar a economia novamente no rumo de dinamismo.

    Aqui nesta Casa, Senador Requião, há vários projetos tramitando que fazem coro a esse discurso do engessamento fiscal. Nesta semana, tivemos um debate sobre Instituição Fiscal Independente; e há um outro projeto, do Senador Serra, que coloca limites ao endividamento público.

    Falei sobre a situação da Grécia, porque o que está acontecendo na Europa, e é muito grave, é que os países não têm política monetária - quem faz a política monetária é o Banco Central Europeu - e não têm política fiscal, porque há uma série de restrições.

    Quem manda na Europa? Quem manda é a troica: o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia. Aqui, no Brasil, estão querendo fazer a mesma coisa. Chega a ser ridículo que um Tribunal de Contas queira rejeitar as contas de uma Presidente em cima de um fato como esse.

    O Sr. Roberto Requião (Bloco Maioria/PMDB - PR) - E quem manda no Banco Central europeu é a Alemanha.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Requião. E vou passar também para o Senador Telmário, que aqui está.

    Por conseguinte, a decisão do TCU não foi uma decisão meramente técnica, destinada a impor responsabilidade orçamentária, foi uma decisão política com dois sentidos: primeiro, tentar preparar terreno para o golpe contra uma presidenta honesta e responsável; segundo, contribuir politicamente para a restauração neoliberal e a inviabilização das políticas anticíclicas e do modelo social desenvolvimentista iniciado pelos governos PT. O resto é blá, blá, blá, sem fundamento jurídico e técnico.

    Sr. Presidente, impressiona-me, e quero denunciar, a posição do PSDB nesse episódio. Ontem, logo depois do resultado do Tribunal de Contas da União, o PSDB, junto com o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, começou a tratar da estratégia para tentar começar um processo de impeachment contra a Presidenta da República. O PSDB está em conluio com o Presidente Eduardo Cunha. No momento em que são reveladas, denunciadas contas do Presidente da Câmara na Suíça, o que vimos é que o PSDB está blindando o Presidente da Câmara para começar um processo contra uma Presidente sobre a qual não há nenhuma acusação direta. Mas é engraçado, pois em relação a Eduardo Cunha eles dizem: "Não, temos que ter presunção de inocência!". Já com a Presidenta Dilma, eles querem começar um processo. Volto a dizer: em crime de responsabilidade, tem que haver a participação direta da Presidenta da República. E não há nada que toque diretamente na Presidenta da República.

    Antes de conceder o aparte ao Senador Telmário, quero apenas ler aqui o artigo de Dalmo Dallari falando sobre o julgamento de ontem do Tribunal de Contas da União.

Acho profundamente lamentável que o julgamento do TCU seja político, e não jurídico. A despeito disso, acredito que o resultado é indiferente para a discussão sobre impeachment porque a presidente não pode ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício do mandato. As ‘pedaladas’ são atos formais e administrativos da equipe econômica, feitos sem interferência da presidente. Questões formais não caracterizam ato de má-fé, não ensejam crime de responsabilidade. Além disso, as ‘pedaladas’ não ferem a lei orçamentária porque não desviaram recursos do orçamento para atividades não autorizadas e não há qualquer vantagem pessoal que Dilma tenha levado com as contas do governo.

    Isto é fundamental: não há qualquer vantagem pessoal que Dilma tenha levado com as contas do Governo. Esses dois elementos são pressupostos para impeachment e não estão presentes nesse caso.

    A tese do impeachment, com ou sem condenação das contas do Governo pelo TCU, não tem apoio na Constituição. A verdade é que a Carta Magna está sendo ignorada. A reprovação das contas apenas contribui para o jogo político, que tem objetivos eleitorais, mas carece de embasamento jurídico. É preciso colocar o resultado em perspectiva.

    Eu concedo um aparte ao Senador Telmário.

    O Sr. Telmário Mota (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Lindbergh, V. Exª traz a essa tribuna uma nova contribuição de informações. E é isso que eu acho que esta Casa hoje tem que passar à Nação brasileira para tranquilizá-la, porque ontem a vimos a Oposição tentando - no Nordeste usamos muito esta expressão, Senador Raimundo Lira - "fazer uma fogueira com um pedaço de lenha". Na verdade, sem nenhuma dúvida - e aí está bem colocado -, foi uma decisão política e não técnica. O Tribunal de Contas da União, como órgão auxiliar do Congresso brasileiro, tem, na sua análise de contas do Executivo, três alternativas: ele pode aprovar; ele pode aprovar com ressalva; e pode reprovar. Aprovar significa que quase 100% de todos os procedimentos do Executivo foram dentro da legalidade, dentro da normalidade, dentro dos conceitos técnicos. A aprovação com ressalva é exatamente aquela onde não houve o dano, não houve o dolo, não houve o crime. No máximo, no máximo, a penalidade maior que poderiam receber essas contas da Presidente Dilma seria uma aprovação com ressalva, até porque o Tribunal de Contas da União aprovou outras contas de Presidentes com esse mesmo procedimento contábil. Ora, bem disse V. Exª: dois pesos e duas medidas. Se ele quer mudar esse procedimento contábil, se ele entende que é um mecanismo que não deva mais funcionar, que aprovasse essas contas com ressalva. Mas não: eles mudaram totalmente o jogo porque saíram do campo técnico e foram para o campo político. Sem nenhuma dúvida, a Oposição, que já se afogava no discurso vazio, tentou encontrar aí um fio de cabelo para buscar uma musculação para gritar para a Nação que havia a necessidade de um impeachment. Uma barbaridade, uma falta de compromisso com a Nação brasileira, uma falta de seriedade, de responsabilidade! Todos sabem que não é razão e não há nenhum motivo para se falar em impeachment. No entanto, eles dão guarida ao Presidente da Câmara, em torno do qual - esse, sim - há fortes indícios de ter faltado com o decoro, além de ter sido apontado - indiciado ou não indiciado - como alguém que cometeu atos ilícitos. E ele está recebendo a proteção do PSDB, que está em todos os jornais. Então V. Exª vem mais uma vez a essa tribuna, entre vários oradores que já passaram aqui - mais de 20 hoje, em uma quinta-feira -, expressar a sua preocupação com a Nação brasileira, a sua preocupação de fazer o verdadeiro esclarecimento à população. Eu saúdo V. Exª.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - V. Exª colocou muito bem, Senador Telmário. Inclusive, quando outros governos fizeram... Eu tenho ouvido algumas pessoas dizerem o seguinte: "Não, mas desta vez foi mais". Só que não existe isso, delito é delito; se está errado, está errado, independentemente da quantidade. É um argumento extremamente frágil.

    Agora, eu quero entrar aqui, Senador - vou passar para o Senador Donizeti -, em uma argumentação do Dalmo Dallari e depois em uma entrevista do Marcelo Lavenère, também falando sobre o impeachment. Eu estou convencido de que, nessa grande armação, nessa empreitada, PSDB e Eduardo Cunha são sócios. E os tucanos estão sendo protegidos pela imprensa, porque, na verdade, estão fazendo o jogo sujo junto com o Eduardo Cunha, é um trabalho feito em conjunto.

    E esse Presidente da Câmara não tem autoridade moral para começar um processo desse contra uma Presidenta como Dilma Rousseff. Pode-se ter as maiores críticas e os maiores questionamentos, mas de uma coisa todo mundo sabe: ela é uma mulher honesta e honrada. Pode-se até dizer que está fazendo um governo ruim - discordo disso -, mas, para afastamento de Presidente - eu vou mostrar aqui -, é preciso ter havido crime de responsabilidade, tem que ter envolvimento direto do Presidente em atos. Não é assim! Então, isso é uma grande forçação de barra.

    Concedo um aparte ao Senador Donizeti.

    O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Senador Lindbergh, eu estava no meu gabinete quando V. Exª começou o seu pronunciamento, e eu vim para cá porque reconheço, ao longo desses nove meses que estou aqui, a qualidade com que V. Exª tem se posicionado.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado.

    O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - E a consistência de seus pronunciamentos, às vezes até com crítica ao nosso Governo, de uma forma muito responsável. Mas há um dado interessante que saiu numa matéria no Portal 247: no Governo Fernando Henrique, foi de 6,23% essa movimentação; no Governo Dilma, agora, foi de 6,97%. É uma pequena diferença. E o Sr. Nardes - não está dando nem para chamar de ministro - diz no relatório dele que o outro tinha sido pequeno - como V. Exª acabou de afirmar - e que agora era muito. É preciso esclarecer os números e mostrar que 6,23% da movimentação e 6,97% é praticamente o mesmo tamanho. E aí, Senador Lindbergh, eu quero parabenizá-lo e dizer que hoje eu saio aqui do Senado para ir para casa muito alimentado pela capacidade que tivemos...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Donizeti Nogueira (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - ... aqui hoje de dar a resposta à sociedade brasileira, a essa farsa montada no TCU, que devia ser um lugar de homens e mulheres responsáveis - não podem entrar nessa jogatina do quanto pior melhor, da farsa, da construção do submundo da política, de tentar construir as condições do que aconteceu 1964 para dar o golpe. Meus parabéns! Saio daqui hoje muito alimentado para continuar o combate consistente em defesa da democracia e deste Governo, que tem, como objetivo, emancipar o povo brasileiro.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu agradeço a V. Exª, Senador Donizeti, inclusive, pelos argumentos trazidos - esses números de comparação entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e o governo da Dilma.

    Vou entrar aqui - esse debate vai existir e vai tomar corpo, e volto a dizer que essa articulação na Câmara dos Deputados já está se formando para tentar, a partir daí, começar um processo de impeachment - com Dalmo Dallari. Em cima de algumas questões que foram levantadas, ele construiu um parecer sobre a questão do impeachment. E ele começa dizendo o seguinte:

Em primeiro lugar, quanto à responsabilidade, pergunta-se qual o alcance do artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição Federal. Indaga-se, especificamente, se, para fins de eventual responsabilização por impedimento, em hipótese, se reeleição presidencial, pode-se cogitar da continuidade de mandato ou se são mandatos autônomos. Em síntese, a indagação é se pode haver responsabilização no segundo mandato por conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.

O artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição, tem redação muito clara quando dispõe: “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Aí está mais do óbvio que a intenção do legislador constituinte foi excluir a hipótese de responsabilização do Presidente por atos que não tenham sido praticados no exercício do mandato corrente, ou seja, na vigência do mandato que esteja exercendo.

    Então, Senador Delcídio, a conclusão é: "Não pode haver responsabilização no segundo mandato por conduta eventualmente ocorrida no mandato anterior". Está na Constituição de forma clara.

    O segundo ponto. Há gente dizendo que, para começar um processo na Câmara, é preciso maioria simples. Só é preciso de maioria qualificada, dos dois terços, na hora de votar a admissibilidade. Diz o Professor Dalmo Dallari que não:

Pergunta-se em seguida se, tendo em conta o disposto no artigo 86, “caput”, da Constituição, poder-se-ia admitir que o plenário da Câmara dos Deputados, por maioria simples, acolhesse recurso contra a decisão de arquivamento de denúncia, do Presidente da Casa. Indaga-se, também, se no caso de acusação da prática de eventual crime de responsabilidade o Presidente da República poderá responder tanto por conduta comissiva quanto omissiva e se o Presidente pode ser responsabilizado apenas por modalidade dolosa ou também por culposa.

    Responde ele:

Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de decisão por maioria simples da Câmara dos Deputados contrário ao arquivamento da denúncia a resposta é que, nos termos expressos do referido artigo 86, “caput”, as decisões admitindo a acusação devem ser adotadas por dois terços dos membros da Câmara, devendo, portanto, ser exigido o mesmo quórum qualificado para eventual recurso contra o arquivamento.

    Então, a interpretação do Presidente da Câmara Eduardo Cunha de que basta maioria simples não se sustenta à luz da Constituição. Qualquer pedido desses, com certeza, nós iremos entrar no Supremo Tribunal Federal questionando. 

    Continua Dalmo Dallari:

O segundo ponto é referente à possibilidade de responsabilização do Presidente da República por modalidade culposa. Isso foi suscitado porque houve quem emitisse parecer afirmando que a omissão do Presidente também daria base para o enquadramento por crime de responsabilidade. Para responder a esse ponto basta a leitura atenta e desapaixonada do artigo 84 da Constituição, no qual está expresso e claro que são crimes “os atos” do Presidente. Assim, para que se caracterize o crime é indispensável a intenção, a prática de um ato que configure um crime. Não havendo esse ato, essa intenção expressamente manifestada, não se caracteriza o crime.

    Eu queria passar agora, rapidamente - peço desculpas ao Presidente pelo tempo que estou tomando -, a uma parte de uma entrevista com Marcelo Lavenère, que é uma entrevista muitíssimo importante.

    Marcelo Lavenère foi presidente da OAB, foi quem assinou pedido do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Ele deu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo muito esclarecedora, porque tem gente que quer confundir situações diferentes. Eu vou falar aqui, bem rapidamente, sobre esse texto do Marcelo Lavenère.

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Perguntam a ele o seguinte: "Há diferenças entre o pedido do impeachment do senhor [naquele período de 1992] e os apresentados agora?". Ele, inclusive, foi muito questionado sobre isso: "Você defendia o impeachment e não defende mais?" E aqui falou o ex-Presidente da OAB, Marcelo Lavenère:

A aparência engana e eu mesmo encontro poucas semelhanças sobre o que havia em 1992 e hoje. O Collor foi eleito e a eleição foi aceita como legítima, não se questionava. Diferente do que acontece atualmente, em que, mesmo antes de Dilma tomar posse, já se dizia que sofreria o impeachment.

    Eles defendiam o impeachment antes, e estão atrás, agora, de uma justificativa, estão atrás de um fato. O impeachment, eles já estão defendendo há muito tempo.

    E continua:

[Naquele período] Collor teve praticamente dois anos em que fez uma série de medidas altamente questionáveis e ninguém falava em afastamento. Até o momento em que o irmão dele disse que havia uma quadrilha no governo e que ele era o chefe. Havia uma acusação pública, direta, consistente, contra o presidente, o que não é o caso agora. Diferente daquela época, as acusações que vemos primeiro não se dirigem à presidente, mas a pessoas do seu partido, ou da base do governo que estariam ou estão envolvidas em investigações feitas pela Justiça.

    E continua:

O impeachment é um processo penal constitucional. Falta de prestígio, governo fraco, crise na economia, dólar alto, orçamento deficitário, não se resolvem nas instâncias políticas do parlamento.

E há uma enorme quantidade de juristas respeitados que dizem não haver possibilidade jurídica ou técnica para impeachment. O Congresso fez uma CPMI para apurar [no passado] se ele [o Presidente] tinha envolvimento e, quando veio o relatório, concluiu-se pela necessidade de um processo de impeachment, o que foi apoiado por praticamente a totalidade das entidades da sociedade. Não era partidário, político. Quem organizou?

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) -

Ninguém. A orquestra tocou afinada sem maestro. Não tinha alguém para reger as senhoras que iam apoiando a gente.

    Continua:

Ter uma base parlamentar fraca não é motivo para impeachment. Nem contas rejeitadas pelo TCU. Não está previsto na Constituição, assim como as contas da campanha rejeitadas. O processo de impeachment é um processo penal constitucional, não é político de oposição. Aplica uma pena e só pode ser aprovado se provar que o acusado cometeu algum dos crimes que estão previstos na Constituição. Por mais que a oposição pretenda desgastar o governo, e parece que é essa a intenção, nem mesmo eles parecem ter muita convicção de que esse processo vá adiante. Não tenho nenhuma vinculação política [diz Marcello Lavenère] nem nada, mas vejo que o que acontece no nosso país atualmente é uma insatisfação de quem perdeu as eleições por pouco.

    Ele acaba dizendo o seguinte:

Existe uma preocupação de desestabilizar um governo legalmente eleito. Preocupação de invalidar o resultado das eleições. Eu acho que, neste caso, sim, significa uma tentativa de golpe. Já se falava em impeachment antes das eleições. Trinta dias depois, um partido político encomendou um parecer de um grande jurista de São Paulo de mentalidade muito conservadora. Essa articulação dos partidos de oposição, movidos pela insatisfação e pelo chororô de quem perdeu eleição, a mim tem cheiro de golpe, sim.

    Acaba assim, Marcello Lavenère.

    Eu só queria, Sr. Presidente, para encerrar, dizer que nós estamos em um momento gravíssimo da história política brasileira, da nossa democracia. Eu acho que setores de oposição e o PSDB à frente com o Presidente da Câmara Eduardo Cunha estão sendo irresponsáveis com a nossa democracia, porque de uma coisa não esperem de nós: covardia. Não vai haver covardia.

    Nós temos bases sociais. Nós sabemos que existe desgaste no Governo. Nós sabemos que a Presidente Dilma enfrenta uma crise de popularidade. Agora, nós não vamos aceitar golpe, tirarem uma Presidente eleita legitimamente, sem nenhuma acusação direta.

    Olhem para onde eles estão levando este Brasil.

    São eles que estão entrando num processo de radicalização. Nós não vamos aceitar um processo como esse. O que querem eles? O que querem eles? Levar o Brasil a um clima de radicalização política extremada? Querem que viremos uma Venezuela?

    Aqui há uma diferença com o Collor também: nós temos bases sociais. Já disse que o Governo está desgastado, mas nós temos força. Nós não vamos aceitar esse tipo de maquinação assim, conduzida pelo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Pensem, senhores; pensem no dia depois. Imaginem se fazem esse golpe paraguaio e afastam a Presidenta Dilma num momento de crise econômica... Acham o quê? Que Michel Temer vai ter força política para fazer um ajuste dessa situação, conosco na rua, reclamando contra o golpe, lutando contra o ajuste?

    O que estão fazendo é de uma irresponsabilidade tamanha! Nós podemos estar entrando em uma quadra de extrema dificuldade para a nossa democracia. E, na verdade, não digam que fomos nós que radicalizamos! Quem está radicalizando é quem não aceita o resultado eleitoral. O Senador Aécio Neves devia se espelhar em Tancredo Neves, que sempre se posicionou contra golpes - Getúlio, Juscelino e Jango. Tancredo sempre teve uma posição firme contra golpe.

    Então, não pensem vocês, como aventureiros, que vão levar o Brasil para uma situação e que nós vamos assistir a tudo isso de uma forma passiva. Não! Nós não vamos aceitar um golpe contra uma Presidente eleita democraticamente e sem uma acusação diretamente dirigida a ela.

    Eu falo isso porque sei que tem gente, na próxima semana, querendo começar votações, processo na Câmara dos Deputados. E eu peço a esses setores responsabilidade e peço aos setores democráticos da oposição, de gente que tem respeito pela nossa história democrática do Brasil, que, neste momento, tenham muita lucidez e serenidade para que o Brasil não entre nessa quadra de acirramento da luta política em nosso País.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2015 - Página 211