Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro, por ocasião do Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, de estatísticas sobre o tema e da necessidade de avanço na legislação e na execução de políticas públicas.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Registro, por ocasião do Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, de estatísticas sobre o tema e da necessidade de avanço na legislação e na execução de políticas públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2015 - Página 307
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRAFICO, VITIMA, MULHER, CRIANÇA, COMENTARIO, ESTATISTICA, MATERIA, DEFESA, NECESSIDADE, EMPENHO, LUTA, ELIMINAÇÃO, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, PROGRESSO, DISCUSSÃO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PUNIÇÃO, CRIME.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, hoje é o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças - 23 de setembro é o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças -, que representa a oportunidade para relembrarmos a vileza e a covardia daqueles que compram e vendem outros seres humanos como se fossem mercadorias.

            Como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, não tinha como, no dia de hoje - e agradeço ao Senador Walter Pinheiro, que me permitiu voltar à tribuna -, deixar de falar deste tema.

            Enfim, mais do que isso, a data nos convida à reflexão e ao debate sobre os caminhos para aperfeiçoarmos a nossa legislação quanto à prevenção dessa prática delituosa, o atendimento às suas vítimas e a repressão a seus agentes.

            Essa forma moderna de escravidão constitui, com certeza, uma grave violação dos direitos humanos e reflete profundas contradições históricas e sociais, com atos de covardia.

            Seus determinantes encontram-se não apenas na violência criminal, mas também na desigualdade social e em outras formas de opressão, como a discriminação por raça, pela cor, por etnia, por orientação sexual, identidade de gênero e a precarização do trabalho.

            Sobretudo, Sr. Presidente, esse tipo de violência é viabilizado pelas deficiências da ação do Estado no cumprimento de suas responsabilidades no que tange à garantia e ao fortalecimento de direitos, gestão de políticas públicas universais, punição dos responsáveis, atualização do arcabouço normativo, capacitação de profissionais da área jurídico-policial no enfrentamento desta questão e promoção do protagonismo infanto-juvenil.

            Trata-se, sabidamente, de um fenômeno complexo, multidimensional, multifacetado e transnacional. Assim, de qualquer maneira, a repugnante prática comprova que, em pleno século XXI, a humanidade ainda não conseguiu se desvencilhar da lógica da mercantilização da vida.

            Motivadas pela insaciável ganância, que induz à busca desenfreada pelo acúmulo de bens materiais, muitas pessoas ignoram qualquer limite ético, admitindo até mesmo a comercialização de seres humanos.

            Com efeito, sob a ótica da ideologia neoliberal hoje imperante, o culto ao dinheiro, ao prazer e ao poder coloca-se acima do respeito à própria criatura humana.

            O Papa Francisco, em uma de suas tantas falas contra essa chaga do mundo, afirmou que não tem cabimento - disse ele - “ficar impassível sabendo que existem seres humanos tratados como mercadorias! Pense-se em adoções de crianças para remoção de órgãos, em mulheres enganadas e obrigadas a prostituir-se, em trabalhadores explorados, sem direitos a viver com dignidade e sem direito à voz."

            Sr. Presidente, e, de fato, as vítimas da exploração sexual e do tráfico de pessoas são tratadas, repito, como mercadorias, o que traz consequências irreparáveis, tanto do ponto de vista físico como também do psicológico.

            No Brasil, as vítimas são, predominantemente, mulheres e garotas negras ou morenas, embora seja crescente a inclusão de meninos entre o alvo desses bandidos.

            A faixa etária é variável, predominando a idade entre 12 e 18 anos. E os estudos apontam que a maioria dessas mulheres, crianças e adolescentes já sofreu algum tipo de violência intrafamiliar - como abuso sexual, estupro, sedução, negligência, abandono, maus tratos, violência física e psicológica - e extrafamiliar - seja na rua, na escola, em abrigos ou em qualquer outro local.

            Sr. Presidente, no dia 30 de julho último, foi lançado o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas.

            Naquela oportunidade, o Secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, disse que o Governo espera ver aprovado, até o final deste ano, o projeto de lei em tramitação no Congresso que tipifica o crime de tráfico de pessoas, o qual deverá, além de contribuir para a prevenção e repressão desse tipo de delito, qualificar as medidas de atenção às vítimas.

            Já durante os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas, instalada em 2011, alertava-se para o completo descompasso de nossa legislação, não apenas com o Protocolo Adicional da Convenção de Palermo da ONU sobre tráfico de pessoas, mas também com a realidade social do nosso País.

            Ocorre que os arts. 231 e 231-A do Código Penal Brasileiro, que tratam, respectivamente, do tráfico internacional e do tráfico interno de pessoas, cuidam apenas do tráfico "para fins de exploração sexual". No entanto, como é notório, o tráfico de pessoas serve também a outras finalidades, trabalho forçado, ou escravo, ou mesmo muitos são mortos para a remoção de órgãos.

            Assim, a CPI sobre o Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas propugnava, já naquele ano de 2011, pela harmonização de nossa legislação penal com a realidade social e com a Convenção de Palermo.

            De fato, é imprescindível que a tipificação dos crimes de tráfico internacional e interno de pessoas abarque também as modalidades desses crimes que tenham por finalidade o trabalho forçado, a remoção de órgãos ou qualquer outro fim que acarrete ofensa relevante à dignidade da pessoa ou à sua integridade física.

            Também, por ocasião, Sr. Presidente, do lançamento do Relatório Nacional sobre o Tráfico de Pessoas, em julho, foram divulgados dados do último relatório global das Nações Unidas sobre essa prática criminosa, correspondente, ali no caso, ao ano que havia passado.

            Esse documento dá conta de que o tráfico para fins de exploração sexual é a modalidade mais comum, atingindo 53% das vítimas, seguido do tráfico para o trabalho escravo, com 40%.

            Além desses e da remoção de órgãos, ocorre também o tráfico de crianças e adolescentes para adoção ilegal, para mendicância forçada e mesmo o tráfico de pessoas vinculado ao tráfico de drogas.

            Vale lembrar, aqui, o caso, que teve grande repercussão em 2012, das crianças baianas traficadas para adoção por casais paulistas. Foram cinco crianças retiradas da posse dos pais biológicos, na cidade de Monte Santo, sertão da Bahia, entregues a quatro casais paulistas em apenas 24 horas. Sem que os pais biológicos houvessem consentido com a adoção, as crianças foram retiradas da casa pela própria polícia.

            Para entregar as crianças à adoção, o então juiz da comarca destituiu os pais do pátrio poder em tempo recorde, sem que qualquer pessoa da família ou o representante do Ministério Público estivesse presente, em flagrante afronta à legislação.

            O episódio evidencia que uma quadrilha atuava no tráfico de crianças, lamentavelmente com o apoio dentro - vejam bem, senhoras e senhores - do próprio Poder Judiciário.

            Além da deficiência ainda não sanada na legislação penal, outra dificuldade para o enfrentamento da odiosa prática do tráfico de pessoas é a falta de informações sistematizadas que permitam a elaboração de diagnósticos e o planejamento de políticas públicas. Aliás, o aperfeiçoamento da legislação vai também possibilitar a qualificação dos dados.

            Entre as informações, Sr. Presidente, constantes do Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas divulgado em julho, está o levantamento feito nas delegacias das polícias civis de 18 Estados, segundo o qual 254 pessoas teriam sido traficadas no Brasil somente em 2013. Sr. Presidente, esse número está muito distante da realidade, pois é certo que o número de vítimas é, no mínimo, o dobro.

            Dados da Polícia Rodoviária Federal revelam que 590 crianças foram resgatadas só das rodovias brasileiras em 2013, por estarem em situação de vulnerabilidade e de exploração sexual.

            É digno de nota, também, o aumento significativo do número de denúncias ao Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e ao Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).

            De 2011 para 2013, o número de denúncias ao Disque 100 saltou de 26 para 218, e as denúncias ao Ligue 180 passaram de 35 para 340.

            O mais comum sempre foi que os crimes de exploração sexual e de tráfico de pessoas sequer chegassem ao conhecimento das autoridades, em virtude do constrangimento das vítimas e do medo das testemunhas, ou até por a pessoa desconhecer que ela está em condição de vítima.

            A experiência recente mostra que, quando se criam canais e campanhas, quando se realiza um esforço para sensibilizar e informar a sociedade sobre a realidade do tráfico, as pessoas passam a ter maior confiança nas instituições governamentais, e as denúncias se multiplicam.

            Segundo o representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime no Brasil, Rafael Franzini, há estimativas de que 20 milhões de pessoas são traficadas por ano no mundo já que, a cada vítima identificada, existem cerca de 20 sendo exploradas.

            Ressaltando a importância de se conhecerem as especificidades, Sr. Presidente, do crime e de disponibilizar canais de denúncia para a população, Franzini disse: “A expectativa é de que os números atualmente divulgados cresçam nos próximos anos em função dos esforços desenvolvidos em nível mundial no combate ao tráfico e à exploração sexual.”

            É fundamental ter sempre em mente que o enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de pessoas não se resume à punição do bandido que comete esse tipo de crime, mas, sim, de uma campanha muito bem articulada em nível nacional.

            Idêntica prioridade tem de ser concedida à proteção das vítimas e à própria mudança cultural, Sr. Presidente. É preciso que a legislação e as políticas públicas abordem os múltiplos aspectos envolvidos no tráfico covarde de pessoas.

            O Estado e a sociedade precisam se qualificar adequadamente para o tratamento das diversas situações onde isso acontece.

            Tanto as leis quanto a execução das políticas públicas devem combinar mecanismos adequados de imigração com a escuta das vítimas que desejam ser protegidas. Do contrário, nem chegaremos a tomar conhecimento de sua existência.

            Lembrando que o Brasil é também receptor de pessoas traficadas, originárias principalmente de países vizinhos e asiáticos, precisamos ter claro que não se podem tratar as vítimas com, simplesmente, a deportação.

            Sem tratamento humanitário, sem escuta, sem respeito, ou seja, sem uma metodologia adequada para abordagem de vítimas em situação de vulnerabilidade, estaremos fadados ao fracasso nesse importante combate.

            O alicerce de qualquer política para o enfrentamento de questões como essa é a compreensão de que ela tem que ser abordada a partir de uma perspectiva de direitos humanos, segundo a qual a proteção e a assistência às vítimas sejam independentes do processo legal de investigação e responsabilização dos explorados.

            É indispensável que se dê atenção humanizada às populações vulneráveis, garantindo-lhes um serviço de qualidade que integre assistência social, atendimento jurídico, regularização de documentos, atendimento psicológico e educacional, diagnóstico de situação migratória ou de vitimização, inserção social e também econômica, buscando a reintegração familiar.

            Ao registrar esta data de mais um Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, conclamamos a todos, a toda a sociedade brasileira a cerrarmos fileiras contra essa prática abjeta, que reduz o ser humano à condição, repito, de mera mercadoria, a ser usada e depois descartada.

            Termino, Sr. Presidente, dizendo que a construção de um país melhor para todos somente será possível se formos capazes de assegurar o primado dos direitos humanos em toda a sua extensão.

            Sr. Presidente, a Comissão de Direitos Humanos também recebe denúncias, quase toda semana, de violência contra mulheres, crianças, adolescentes, contra meninos e meninas. 

            E, Sr. Presidente, a orientação que nós podemos, naquela Comissão, dar é, primeiro, que a denúncia seja feita. Não tenham medo de fazer a denúncia. E, ao mesmo tempo,  entendemos que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República deve, cada vez mais, fazer campanhas educando, instruindo, alertando para que grande parte do nosso povo não sofra questões elementares, mas graves, que marcam para toda a vida, como essas que eu aqui relatei.

            Sr. Presidente, nós mesmos já pensamos em aumentar a penalidade, por exemplo, da própria Lei Maria da Penha.

            Porque fizemos a lei, aprovamos a lei e a violência contra as mulheres continua aumentando de forma covarde.

(Soa a campainha.)

             O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E não podemos, Sr. Presidente, continuar calados. É preciso agir. Por isso aproveitamos este dia para falar sobre a exploração sexual, o tráfico de mulheres, o tráfico de crianças, o trabalho escravo e a agressão covarde que, infelizmente, é feita por aqueles bandidos que exploram pessoas para faturar, para lucrar e que as tratam como mercadorias.

            Vamos torcer, Sr. Presidente, para que, no ano que vem, nesta data, em 23 de setembro, eu possa vir à Tribuna, se assim o mestre maior lá de cima quiser, e possa apresentar outros números, números que digam que os direitos humanos são respeitados e que a vida humana, que a vida do Planeta, realmente ficará para sempre em primeiro lugar.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2015 - Página 307