Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao Dia das Crianças e considerações sobre a importância do Marco Legal da Primeira Infância.

Autor
José Medeiros (PPS - CIDADANIA/MT)
Nome completo: José Antônio Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Homenagem ao Dia das Crianças e considerações sobre a importância do Marco Legal da Primeira Infância.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2015 - Página 18
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, CRIANÇA, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, ATENÇÃO, PERIODO, DESENVOLVIMENTO.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço as palavras.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumprimento todos os que nos acompanham pela Rádio Senado e pela TV Senado e que nos acompanham também pelas redes sociais, os que nos visitam e estão nas galerias da Casa - sejam bem-vindos! - e toda a imprensa que está aqui.

    Sr. Presidente, eu lhe agradeço as palavras de carinho e, mais uma vez, parabenizo V. Exª por ter sido um dos agraciados, por ter ficado entre os dez melhores Senadores na votação do Congresso em Foco. Creio que essa é mais que uma medida de justiça pelo trabalho que V. Exª apresenta aqui.

    Segunda-feira é o Dia das Crianças. No dia 12, como todo mundo conhece e sabe, é comemorado o Dia das Crianças.

    Eu já contei esta história aqui, mas quero novamente relembrar. Eu nasci no Sertão de Caicó, Senador Paulo Paim, numa região muito pobre do Rio Grande do Norte. A região de Caicó, o Município de Caicó e os Municípios vizinhos, é considerada como o Sertão do Seridó.

    Aliás, é uma região que, neste momento, padece com uma das maiores secas da história do Nordeste. Algumas pessoas têm de ir buscar água a 70 quilômetros de distância.

    Eu nasci justamente em um período de muita seca, na década de 70, eu e meus irmãos. E ali havia, naquela época, uma mortalidade infantil imensa. Minha avó, por exemplo, teve 23 filhos, dos quais apenas 13 acabaram escapando, vamos dizer assim, devido à grande mortalidade infantil.

    Na minha casa...

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Medeiros, sem querer interrompê-lo, quero dizer que tem tudo a ver o seu pronunciamento com essa moçada que se encontra nas galerias. É um movimento. Estão passando o Dia das Crianças com um funcionário do Senado. Hoje, vão circular por aqui cerca de 150 crianças.

    Sejam todos bem-vindos! S. Exª está fazendo um discurso homenageando vocês, as crianças! (Palmas.)

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT.) - Sejam muito bem-vindos!

    Mas, Senador Paim, como eu dizia há pouco, nasci justamente nessa região do Brasil tão seca e tão pobre. Inclusive, dois dos meus cinco irmãos acabaram falecendo devido à desnutrição infantil, que ali era imensa. A mortalidade infantil no Nordeste, na década de 70, era uma coisa gigantesca!

    Mas, justamente fazendo esse link com o Dia das Crianças, era disto que eu queria falar, do período da minha infância. Faltava tudo! Venho de uma família... Não falo isso para fazer cara nem perfil de coitadinho, mas para dizer da importância de uma infância com um lar estruturado, com um lar em que há carinho. Acho que é impossível ser mais pobre do que meus pais eram. No Nordeste, as pessoas lutavam para ter alguma coisa para comer, tanto que nossa família acabou indo para Mato Grosso, buscando outras oportunidades e uma forma de fugir daquelas dificuldades.

    Mas eu queria ressaltar aqui a forma como foi a minha infância. Neste Dia das Crianças, vejo que há uma corrida desenfreada pelo brinquedo mais caro, pelo brinquedo mais tecnológico. Eu me lembro de que, lá em casa, meu pai fazia brinquedos com ossos de cabra e de gado. Boa parte dos nordestinos, naquela época, dormia em rede, mas, antes de dormir, minha mãe sempre contava uma história.

    Dessa forma, a dificuldade financeira era muito grande, faltava tudo, mas uma coisa não faltava: a união familiar, o carinho. E isso guardo como se fosse hoje. Guardo as pequenas coisas que aconteceram. O único presente que me lembro de ter ganhado foi um chapeuzinho de couro. Esse é o único presente que me lembro de ter ganhado na vida. Nem o ganhei dos meus pais, porque eles não tinham condições. Mas isso não me traumatizou, não me deixou aleijado para o resto da vida, porque uma coisa existia: o carinho dos pais.

    Isso foi, inclusive, motivo de muito choro depois, Senador Paulo Paim. Fui para Mato Grosso aos nove anos de idade. Obviamente, na zona rural, não havia onde estudar, e um tio meu, visitando a casa dos meus pais, disse: "Esse menino, já com nove anos, tem de estudar". Enfim, decidiram que eu tinha de estudar. Agora, você imagina tirar uma criança de nove anos de perto da mãe! O nordestino tem muito a característica de tratar os filhos como a galinha trata os pintinhos. A dificuldade é muita, mas repartem o que têm e vivem todos ali debaixo da asa. Eu era muito apegado. Quando fui para a cidade, não havia uma noite em que não chorava com saudade dos pais.

    Fui morar na casa dos tios, e a dificuldade também era grande. Mas pude estudar, acabei fazendo duas faculdades, entrando depois em concurso para servidor público. Trabalhei por 20 anos na Polícia Rodoviária Federal. O resto da história não interessa tanto, porque estou falando mesmo sobre a infância. O que quero com isso é fazer um link com o discurso que V. Exª fez aqui sobre os traumas da primeira infância.

    Na verdade, às vezes, as pessoas pensam que o que vai fazer com que um cidadão tenha estrutura para enfrentar a vida depois é o quanto de brinquedo ele teve na infância, o quanto de conforto ele teve, com o melhor videogame ou, talvez, com a melhor TV de plasma ou com qualquer tecnologia que seja. Mas não é isso! Digo, com a certeza de quem viveu, que aquilo de que uma criança precisa é um lar estruturado. Uma criança precisa não ter estresse na sua vida. Não sou eu quem está dizendo isso. O Senador Paim trouxe aqui estudos, e eu quero complementá-los.

    No mês passado, através do Senado, fui fazer um curso na Universidade de Harvard, Senador Paim, um curso sobre a primeiríssima infância.

    Ali tratei com a nata do Centro de Estudos Avançados de Harvard, com médicos neurologistas, com pedagogos, com os mais gabaritados profissionais, com o top, vamos dizer assim, da cadeia da educação mundial. Eles chegaram, alguns anos atrás, à conclusão de que é o estresse crônico na primeira infância que acaba trazendo transtornos ao longo da vida da criança.

    Foi feito um estudo, Senador Paim, muito interessante. Aqui, cabe ressaltar o que é a primeira infância. Algumas pessoas não têm ideia do que seja. Qual é o marco temporal que divide isso? Os estudiosos dizem que a primeira infância é aquela compreendida entre 0 e 6 anos de idade - a primeiríssima infância é de 0 a 6 anos - e que o cérebro da criança se estrutura nesse período. É quase como uma programação de um computador. Ou seja, as estruturas, a personalidade, o caráter, tudo é formado ali. Os estudiosos dizem que, se nesse período esse processo não conseguir acontecer dentro da normalidade, a criança fica com o aprendizado comprometido, fica com a parte emocional comprometida, e que há grandes possibilidades de ela ser um adulto problemático.

    Eles chegaram a fazer um estudo, pegando um espaço amostral de crianças em vulnerabilidade. Fizeram dois estudos paralelos, Sr. Presidente.

    Eles pegaram algumas crianças vindas de uma comunidade muito pobre, em que as políticas públicas eram quase zero, em que o saneamento básico era ruim. Eles começaram a acompanhá-las, não com recursos financeiros, mas com políticas públicas. Fizeram o acompanhamento de crianças de 0 a 6 anos em um grupo. Para lá ia uma assistente social toda semana, para observar como estava a família, como estava a vida daquela criança, se ela estava indo à escola. Enfim, acompanhava como estava a saúde emocional da criança, como estava o desenvolvimento da criança. Verificava se ela estava num local propício a muito estresse.

    Quando se diz do estresse, não é que a criança não vá ficar estressada. Não se trata de dizer que a criança chorou e já está estressada, já está comprometida. Não é isso. Os estudiosos dizem isso da criança que está em um lar onde haja violência todos os dias, onde ela seja abusada de que forma for, psicologicamente ou sexualmente.

    Enfim, é esse tipo de estresse que os estudiosos dizem que, reiteradamente, compromete o desenvolvimento da criança.

    Então, esse estudo foi feito. Esse grupo de crianças de 0 a 6 anos de idade foi acompanhado. Eles fizeram aquele acompanhamento, de modo que a criança pudesse se desenvolver sem estresse, sem obstáculos.

    Outro grupo também foi observado, mas eles não interagiram, o Estado não fez nada naquele grupo, simplesmente deixou a vida seguir.

    O certo é que eles acompanharam por 37 anos os dois grupos. O gráfico que, depois, eles apresentaram é estarrecedor: simplesmente parecia uma boca de jacaré. Naquele grupo que foi acompanhado e monitorado com assistente social, com políticas públicas, as crianças tiveram um melhor aprendizado e acabaram galgando melhores posições, socialmente falando. Houve um índice muito pequeno de criminalidade.

    Eles fizeram todo um estudo sobre esses dois grupos e chegaram à conclusão de que cada dólar investido no primeiro grupo significou uma economia de US$7, porque, no outro grupo em que nada foi investido, eles acabaram tendo de gastar US$7 a mais. Ou seja, a conta é de US$1 para US$7. Então, chegaram à conclusão de que o investimento na primeiríssima infância é muito rentável para o Estado.

    Obviamente, não estamos falando aqui de uma questão monetária, mas, como geralmente quem conduz a gestão do Estado a conduz sob a ótica de quem paga a conta, ou seja, sob a ótica do planejamento, do orçamento, então, é bom que se ressalte o dado de que investir na primeira infância é um ganho para o Estado.

    Então, Sr. Presidente, fiz esse registro aqui para dizer que faremos também no Senado Federal um grande debate sobre esse tema, sobre o tema da criança, sobre o tema do investimento na primeira infância. Inclusive, nesta Casa, está para ser aprovado - espero que assim seja - o Marco Legal da Primeira Infância. Esse projeto nasceu justamente desse estudo desses profissionais na Universidade de Harvard.

    A partir desse primeiro estudo - aliás, esse estudo que não foi feito na Universidade de Harvard, foi feito por outra universidade, mas todos esses profissionais começaram um trabalho em Harvard -, começaram a ver que só havia uma forma de mudar esse quadro que era convencendo os gestores, os formuladores de políticas públicas, para que pudessem mudar a situação do mundo. E eles fazem todo ano um curso na Universidade de Harvard, chamando parlamentares e gestores do mundo inteiro - governadores, prefeitos, secretários de saúde. E tive a honra de participar desse curso.

    A partir desses estudos, surgiu ali, por iniciativa do Deputado Osmar Terra e também com a parceria da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, uma fundação brasileira, do Luiz, da Isabela e de tantos outros que ombrearam essa luta e começaram a gestar ali um projeto de formar o marco legal da primeira infância. E foi, então, aprovado, na Câmara dos Deputados, esse projeto, que caminhou aqui para o Senado e está agora na Agenda Brasil. E estamos, inclusive, conversando com o Presidente Renan, para que seja mandado, em regime de urgência, para o Plenário, até porque é um projeto que já está maduro para ser votado, porque foi discutido por mais de um ano, lá na Câmara dos Deputados, foi discutido com audiência nos Estados, então, é um projeto que já passou pela Comissão de Educação, com a relatoria da Senadora Fátima Bezerra, inclusive, e está maduro para ser votado aqui.

    Temos tido reuniões com o Presidente Renan, porque é um projeto da maior importância e que, com certeza, vai mudar a forma como os Estados, como os Municípios e como a União encaram as políticas para as crianças. Na verdade, hoje, o que existem são políticas esparsas, políticas públicas em que as crianças são atendidas de forma transversa, mas não existe um olhar ainda do Estado para essas crianças, para esses novos cidadãos, ou seja, não existe um olhar do Estado brasileiro, da União, para o futuro do Brasil. Se não investirmos, se está provado cientificamente que, ao não cuidar, não regar essa plantinha no início da sua existência, ela fica comprometida depois, é certo que, se não estamos olhando assim, estamos virando as costas para o futuro deste País.

    Falando sobre o Dia das Crianças, Sr. Presidente, este ano não será um ano tão bom quanto o ano passado. As associações comerciais preveem uma queda de 10% nas vendas. E eu estava falando justamente da primeiríssima infância e falei que não são os brinquedos que fazem uma boa infância, mas as crianças também gostam de brinquedo. Eu disse que eles não são primordiais, não fazem parte da estrutura, mas isso não significa que as crianças não gostem de ganhar um brinquedo.

    Como eu estava falando, segundo os dados das associações comerciais, as contratações de mão de obra temporária, ao que tudo indica, serão bastante prejudicadas.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Medeiros, vou tomar a liberdade...

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Por favor.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Estamos recebendo aqui o Senador Mozarildo, um grande Senador da República, que deu uma grande contribuição ao País. Agora ele é Secretário do Governo de Roraima, respondendo por Brasília. Ele estava comentando: "Esse Senador é bom!" Sim, é um jovem Senador. Ontem fomos premiados no Congresso em Foco, estive com ele lá.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Seja muito bem-vindo, Senador Mozarildo! Já assisti muito V. Exª na TV Senado.

    Visitei o seu Estado recentemente, a bonita cidade de Boa Vista, que é uma cidade, Senador Paim, que não é vertical, mas é incrível como você se sente bem quando chega ali. Pude ter a grata satisfação de caminhar pelas ruas, de sentir aquele clima agradável, o quanto as pessoas são receptivas. De forma que é uma honra recebê-lo aqui, Senador.

    Sr. Presidente, se levarmos em conta o desaquecimento de nossa economia, com o perdão do eufemismo, essa realidade já estava contratada. Mas não é sobre isso que quero falar. Quero falar hoje sobre o significado do chamado Dia das Crianças.

    O vínculo entre a compra de presentes e o Dia das Crianças, como sabemos, e já repeti aqui hoje, é resultado de uma astuta manobra de marketing para turbinar as vendas de brinquedos e produtos infantis. Algumas empresas, ainda na década de 60, tiveram a brilhante ideia de estabelecer essa associação. Hoje em dia é impossível desassociar o Dia das Crianças da compra de presentes.

    Isso não é só com o Dia das Crianças. Estamos chegando a dezembro, e é difícil desassociar hoje também o Natal da compra de presentes. Aliás, a figura de Cristo já praticamente desapareceu do Natal: hoje, quando se pergunta para alguns o que representa o Natal para você, ele vai lembrar do presente e da ceia. E é isso que aconteceu, é o marketing que acaba fazendo.

    Mas, como disse, Sr. Presidente, hoje pobre do pai ou da mãe que tentar convencer seus pequenos de que o Dia da Criança foi criado para que pudéssemos refletir sobre os direitos da criança - como recomendam a ONU e a Unicef -, e não para que eles pudessem ganhar presentes e brinquedos. É claro que as crianças têm o direito de ganhar presentes. Afinal de contas, ser criança é brincar, e é brincando que ela domina as ferramentas necessárias para a vida adulta, mas elas têm direito a muito mais do que isso.

    E acaba de chegar aqui uma comitiva nas galerias do Senado. Com certeza, o nosso Presidente vai dar as boas-vindas. Sejam muito bem-vindos!

    A criança, como já disse, Sr. Presidente, é o pai dos homens. Se quisermos saber como será o Brasil daqui a 15 ou 20 anos, não é com os especialistas e futurólogos de plantão que devemos conversar. Não!

    Basta parar um pouco, respirar fundo e olhar para as nossas crianças. Basta parar e descobrir que tipo de escolas elas estão frequentando. Basta parar e descobrir que tipo de assistência médica elas estão recebendo. Basta parar e ver até onde se estende o braço forte do Estado no cumprimento do dever de proteção integral à infância.

    Se pararmos e olharmos para as nossas crianças, para esses milhões de brasileirinhos e brasileirinhas, o que veremos? Eu sei o que vejo e devo dizer que a imagem a mim não me agrada, como disse Albert Einstein. Ou, pelo menos, como dizem que ele disse, abro aspas: "A palavra progresso não faz nenhum sentido enquanto ainda houver crianças infelizes", fecho aspas.

    Boa vontade não falta e não faltam declarações, convenções, estatutos e leis. Em 20 de novembro de 1959, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, adotou a Declaração dos Direitos da Criança, refletindo os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança, considerada a Carta Magna das crianças, deu status legal a esses direitos e instituiu um instrumento jurídico considerado lei internacional, ratificado por 193 países.

    No Brasil, a Constituição de 1988 já ordenava que déssemos prioridade absoluta para as crianças. Seu art. 227 disse que elas devem ter - e enfatizo a expressão - prioridade absoluta no que se refere ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Além disso, o Estado também tem a obrigação de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão. É isso o que nos diz o texto constitucional.

    E aí vocês, de repente, perguntam-me: "Senador, mas você está defendendo aqui a criação de mais uma lei? Isso, porque, se for cumprido o que está dizendo a Constituição, está perfeito." Mas é justamente para isso que nós temos que fazer aqui o marco legal.

    E eu explico: algumas leis, algumas diretrizes, alguns princípios que foram colocadas na Constituição precisam justamente serem regulamentados, para que tenham eficácia - é o que se chama de longa manus, a mão longa do Estado -, para que cheguem lá na ponta. E é justamente por isso que nós estamos lutando aqui, ou seja, para especificar, para dizer o que tem que ser feito, o que cada Secretário de Educação, o que cada Secretário lá no Município o ou no Estado tem que fazer, para que esse comando normativo da Constituição possa chegar onde deve chegar, para que não fique simplesmente como uma retórica, como uma coisa bonita, e como uma letra morta.

    No rastro do modelo da prioridade absoluta, surgiu, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, a despeito pequenas imperfeições é um marco indiscutível no reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente em nosso País. Em suma, já reconhecemos aqui e alhures que as crianças são sujeitos de direitos, que esses direitos são inalienáveis e que não é possível tratá-las de outra forma que não seja como prioridade absoluta na formulação e na execução das políticas públicas. Acredito que ninguém, em sã consciência, discordaria da ênfase que a legislação brasileira dá às crianças, mas a pergunta que faço é: Conseguiremos transformar essa ênfase de papel em ênfase real, feita de ações? Será que nossas crianças estão recebendo o tratamento que merecem, sem o qual não há esperança de um Brasil melhor daqui a 15, 20 anos?

    Como disse Nelson Mandela - e, hoje, faço questão de recorrer a alguns iluminados da História, porque muitas vezes pequenas frases dizem mais do que longos discursos -, abro aspas: "Não há revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata as suas crianças." Como estaremos tratando as nossas crianças? Como estaremos revelando a nossa alma?

    Uma das respostas a essa pergunta - e há muitas formas de respondê-la, apesar de só haver uma resposta honesta - eu li recentemente em um artigo, Sr. Presidente, do Senador Cristovam Buarque, que foi um dos premiados ontem, para o jornal O Globo. O Senador Cristovam nesse artigo conta uma história de triste beleza. Beleza de ver como seria fácil nos transformarmos num País que queremos ser e tristeza de constatar como tem sido difícil, politicamente falando, viabilizar um projeto que poderia transformar nosso destino em pouco mais de uma década.

    Há dez anos, nos idos de 2005, o helicóptero Super Puma, de prefixo FAB 8740, da Presidência da República, Senador Paim, fez um pouso forçado no interior de Pernambuco, próximo à cidade de Caruaru. Imaginem os senhores a festa que não fizeram as crianças do local. E aqui eu consigo imaginar um cenário, porque lembro o estado em que fiquei na primeira vez em que vi um carro, Senador Paim: era uma coisa do outro mundo, aquele motor funcionando, aquelas coisas vermelhas que eram as lanternas, e eu fiquei extasiado em ver aquilo.

    Hoje em dia, se se fala isso para uma criança, ela vai dizer: "Que otário!" (Risos.)

    Ela vai dizer isso, está acostumada com isso. Mas para uma criança lá do interior do Nordeste aquilo era uma maravilha, ver aquela coisa andando, parecendo que estava viva - essa foi a sensação que tive, na primeira vez em que vi um automóvel.

     Agora, imagine para as crianças, creio que seja a mesma realidade, lá do interior de Pernambuco, baixar de repente, no seu quintal, uma máquina, um helicóptero da FAB. E a festa e a surpresa não paravam por aí. Imagine para as crianças, para quem tudo é novidade, e não é toda hora que se pousa um helicóptero no quintal.

    Mas a maior novidade ainda estava por vir, Senador Paulo Paim. E veio, quando, do helicóptero, desembarcou, nada mais, nada menos, do que o Presidente Lula e sua comitiva. Esse fato talvez alguns se lembrem, foi um pouso forçado que o helicóptero oficial da Presidência da República fez.

    O fato ficou registrado em uma foto histórica. Do lado esquerdo de uma cerca de arame farpado, agachado e pensativo, está o Presidente e, do outro, dezenas de crianças, algumas sorridentes, e outras desconfiadas. Naquele momento... E, quanto ao termo desconfiadas, eu quero fazer um parênteses, Senador Paim. Menino de roça, não digo os de hoje, mas antigamente alguns de nós, quando víamos gente que chegava, corríamos para nos esconder, ou no mato, se não desse para chegar, ou então nos escondíamos atrás das portas e ficávamos olhando pelas frestas, desconfiados. Então, imagine essas crianças aqui.

    Naquele momento, aquelas crianças tiveram sobre si os olhos do poder. Naquele momento, elas se tornaram visíveis para o Brasil. Isso aconteceu há uma década.

    E uma década, convenhamos, é muito tempo na vida de uma criança. Depois que crescemos, Senador Paim, parece que as décadas passam na velocidade da luz, mas para uma criança dez anos é muito tempo. É o tempo que leva, Senador Paim, para se transformar no adulto que será pelo resto de sua vida.

    Pois bem, o que o Brasil fez com aquelas crianças ao longo desses dez anos? Em que o Brasil as transformou? O artigo do Senador Cristovam Buarque responde a essas perguntas de forma contundente.

    Taciana, que era uma das crianças, tinha 6 anos, deixou a escola aos 14 e engravidou aos 15. O seu irmão, conhecido como Cambiteiro, também deixou a escola e acabou assassinado. Rubinho, de 7 anos, não completou a quinta série e hoje já tem filhos. O irmão dele, que teria hoje 15 anos, já foi preso, jurado de morte, esfaqueado e acabou fugindo e desaparecendo. Jaques largou a escola com 13 anos. Jailson e Josivan não completaram a quarta série. Nego não foi à escola e hoje já tem dois filhos.

    A quem se perguntou o que o Brasil fez com aquelas crianças essa é a resposta. Foi isso que o Brasil fez com aquelas crianças. Foi isso que nós fizemos.

    Às vezes, olhar para trás pode ser triste, mas o passado é o manual de instruções do futuro. E temos a obrigação de interpretá-lo. O nascimento de uma criança, segundo dizem, é como uma mensagem de que Deus não perdeu as esperanças e de que ele ainda acredita nos homens.

    Aquelas crianças, Sr. Presidente, nos oferecem hoje seus filhos. Taciana, Rubinho, Nego e tantas outras ex-crianças do Brasil nos oferecem hoje, por meio de seus filhos, a oportunidade da redenção, a oportunidade, como dizia Saramago, de não nos envergonharmos das crianças que fomos.

    Dentro de 10 ou 15 anos, quando olharmos para o dia de hoje, o que veremos, o que diremos, o que sentiremos? Tristeza, vergonha, desalento? Não, não há motivo, não há razão ou justificativa para que os sentimentos não sejam de alegria, de orgulho e de esperança. Basta que, em nossas opiniões, palavras e votos, demos de fato prioridade absoluta às meninas e meninos do Brasil. Basta isso!

(Soa a campainha.)

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - E já me encaminho para a conclusão, Sr. Presidente. Os brinquedos, neste dia 12 de outubro, eu digo aos pais, são importantes...

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Medeiros, fique à vontade para o seu pronunciamento, pelo tempo que for necessário! Eu irei a um Congresso em Alagoas, representando o Senado num Congresso de Aposentados, Pensionistas e Idosos de todo o Brasil, em que provavelmente o Presidente Warley vai ser reeleito, mas o meu voo só sai às 13 horas. Então, fique tranquilo!

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Agradeço, Sr. Presidente.

    E queria dizer aos pais que, na segunda-feira, dia 12, Dia das Crianças, os brinquedos são importantes. Não deixem de dar. Se puderem dar, deem!

    Eu fui criança e sei como isso é importante. Mas muito mais importante que isso é o carinho, é o apoio, é aquela coisa de o filho saber que tem segurança, que o pai e a mãe dele estão ali. Eu me lembro de uma música do Padre Zezinho, chamada Utopia, Senador Paim, em que ele dizia que lembrava-se dos seus tempos de criança, em que, ao fim do dia, via o seu pai:

Eu tantas vezes

Vi meu pai chegar cansado

Mas aquilo era sagrado

Um por um ele afagava

E perguntava

Quem fizera estripulia

A mamãe nos defendia

E tudo aos poucos se ajeitava

    E por aí vai, é uma música linda! No final, ele diz:

Correu o tempo

E hoje eu vejo a maravilha

De se ter uma família

Quando tantos não a tem

Agora falam

Do desquite ou do divórcio

O amor virou consórcio

Compromisso de ninguém

Há tantos filhos

Que bem mais do que um palácio

Gostariam de um abraço

E do carinho entre seus pais [...].

    E por aí vai, é uma música linda! E a síntese dessa música é justamente do que estamos falando: do que a criança precisa, na verdade, é de um lar saudável. As outras coisas se ajeitam.

    E aí, de repente, diz-se: "Olha, mas vocês estão falando de leis, de marco legal. Não é muito o Estado se inferir nessas coisas?" Não, o Estado pode fazer, porque, quando há políticas públicas, o Estado tem como ajudar, para que esse lar seja saudável, porque o amor é forte, mas, quando a necessidade é demais, corre-se o risco de ele sair pela janela.

    Então, dia 12 é o dia, na verdade, do futuro do Brasil, Senador Paim. E aqui fica este desafio do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Presidência da República, das Prefeituras, dos Estados, de lutar para que esse futuro não fique comprometido.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2015 - Página 18