Discurso durante a 188ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque à necessidade de o Brasil reformular sua estratégia de inserção no comércio internacional.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Destaque à necessidade de o Brasil reformular sua estratégia de inserção no comércio internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2015 - Página 129
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, POLITICA EXTERNA, MOTIVO, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, CRIAÇÃO, PARCERIA, ACORDO INTERNACIONAL, COMERCIO, RESULTADO, PREJUIZO, COMPETITIVIDADE, EXPORTAÇÃO, PAIS.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos assistindo ao desenho de um novo panorama econômico e político global que ameaça deixar o Brasil inteiramente à margem dos núcleos mais dinâmicos da economia internacional, com a consolidação de enormes espaços de liberalização comercial.

    Acordo histórico com desdobramentos que ultrapassam a área comercial teve suas negociações finalizadas no dia 5 de outubro. Englobando os Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Cingapura, Brunei, Vietnã, México, Chile e Peru, a Transpacific Partnership - ou Parceria Transpacífico - influirá substancialmente nas relações de poder do cenário internacional dos próximos anos.

    Trata-se de ambicioso tratado de liberalização comercial entre países que representam 40% da economia internacional, e que, por si só, mostra sua dimensão e potencial. Seu alcance, no entanto, transcende o campo meramente tarifário de intercâmbio entre os estados-membros, pois as provisões da nova parceria dão destaque a uma regulamentação abrangente das atividades comerciais e chegam aos aspectos produtivos.

    O acordo estabelece regras na área de propriedade intelectual, como períodos de duração de patentes de medicamentos, padrões de exigência ambiental, de maior proteção da mão-de-obra e de promoção e proteção de investimentos.

    Na verdade, a Parceria Transpacífico coloca em vigor normas amplas e profundas que regerão as relações entre seus participantes, mas que, pela dimensão e importância dos países-membros, deverão ser seguidas em escala global. Ou seja, o que se vislumbra é que as regras de comércio internacional passem a ser ditadas por acordos internacionais e não mais por organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio. Assim, lamentavelmente a OMC corre o risco de, daqui em diante, enfraquecer-se progressivamente, como uma vítima do novo concerto mundial de megablocos comerciais.

    Com o novo espaço comercial, Sr. Presidente, o Brasil será forçado a obedecer a normas comerciais em cuja elaboração não terá tido nem participação nem opinião. Na verdade, tendo em vista o sigilo com que foram conduzidas as negociações do tratado de Parceria Transpacífico, o Brasil ainda não tem conhecimento das normas a que se submeterá quando o acordo começar a funcionar, após os trâmites legislativos de aprovação dos seus países integrantes.

    De outra parte, registre-se que as empresas dos países membros da nova parceria, mesmo antes de sua entrada em vigor, deverão conformar suas operações, adaptando-se velozmente à nova realidade normativa do comércio internacional. Já as empresas brasileiras terão condições cada vez mais difíceis para concorrer nos espaços comerciais mais livres para os membros do novo acordo, dadas as barreiras que se verificarão aos chamados outsiders. Mesmo a recente melhora no câmbio, com desvalorização mais acelerada do Real, não será suficiente para aumentar a competitividade do Brasil nas novas condições mundiais.

    O Governo dos Estados Unidos, que teve a iniciativa de lançar a Parceria, e cujas negociações foram longas e difíceis, deverá fazer grande esforço para a aprovação do acordo pelo Congresso americano. O Presidente Barack Obama obteve a concessão do chamado fast track, ou seja, a possibilidade de o Parlamento, depois de discutir o ato internacional, aprová-lo sem emendas, a exemplo do que prevê a legislação brasileira sobre atos internacionais.

    O presidente norte-americano, em seu período final de mandato dedica-se a colocar a Transpacific Partnership como legado de estadista, mas o acordo conta com a oposição de setores fortes, tanto no campo democrata quanto no republicano. A aprovação do tratado é peça vital para a estratégia de política externa dos Estados Unidos, que estão negociando outro abrangente acordo de liberalização, a o Transatlantic Initiative, com a Europa.

    A construção desses enormes espaços de liberdade comercial terá o efeito de uma política de containment em relação à China, em analogia com a política de contenção da antiga União Soviética liderada pelos Estados Unidos nos primórdios da Guerra Fria. Guardadas as diferenças, pois a Guerra Fria corresponde a um período histórico definido, existe uma ação que objetiva isolar a China, inclusive em sua própria região de influência, no caso, o continente asiático, e uma reafirmação da hegemonia das potências ocidentais.

    O acordo a que se chegou no último dia 5 deste mês, bem como o possível tratado com a Europa, cujas tratativas desenvolvem-se com rapidez, diminuirá muito a capacidade de atuação do Brasil no comércio internacional. Sem dúvida, se continuarmos com a concepção e a prática da atual política externa brasileira, nossas exportações perderão cada vez mais competitividade. E aí eu explico, Srª. Presidente.

    Já no começo da década de 2000, houve claramente um erro de avaliação da diplomacia brasileira. As análises que previam a construção de uma nova ordem econômica internacional, liderada pelo BRICS, ou seja, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, eram pelo menos açodadas. Também foram imprudentes ou um pouco precipitadas as considerações sobre as condições ou a decadência dos Estados Unidos e das economias industrializadas ocidentais. Os países do BRICS tiveram seu crescimento diminuído, perdendo o dinamismo que lhes daria liderança global. A China está crescendo menos, embora em índices - por volta de 7% - acima dos principais países industrializados. Com a diminuição da demanda por commodities, inclusive minerais, a opção brasileira por ênfase no consumo interno já prejudica nossa economia. Do BRICS, apenas a economia indiana está em fase melhor, embora tenha enormes problemas estruturais.

    Assim, a aposta da diplomacia brasileira no BRICS, como bloco de atuação internacional, terá escassos resultados, pois são países com situação muito assimétrica. Como exemplo, a China e a Rússia consideram-se naturalmente em patamar de grandes potências, que procuram tratar de igual para igual com os Estados Unidos. Não se colocam como economias emergentes como a nossa e têm peso estratégico próprio, o que não acontece com o Brasil. Outro agravante para nossas dificuldades é a concentração das exportações em alguns produtos de base, paralelamente à desindustrialização que tem ocorrido no país.

    Em outra vertente, a escolha da diplomacia brasileira a favor da rodada Doha, em detrimento de negociar acordos de livre comércio, deixou-nos em situação de isolamento que deve se agravar com essa implantação de grandes espaços econômicos. Enquanto a diplomacia do Brasil concentrava esforços no multilateralismo e na rodada Doha, parcela importante de protagonistas do comércio internacional buscava, com êxito, acordos de livre comércio. Dois integrantes da Parceria Transpacífico, o Chile e o Peru, situam-se na América do Sul, e no âmbito mais amplo da América Latina há a participação do México. O Chile, o Peru, o México e a Colômbia participam também, desde 2012, da área de liberalização comercial Aliança do Pacifico.

    Ademais, a opção brasileira por concentrar esforços comerciais na linha sul-sul não tem apresentado resultados importantes. Na América do Sul, parceiros como a Argentina e a Venezuela estão em profundas dificuldades econômicas e Paraguai, Uruguai e Bolívia não possuem mercados de dimensão que possa nos auxiliar.

    O investimento diplomático na África, com a grande ofensiva de abertura de representações também não deu frutos significativos e já depõe contra nosso país, na medida em que o Itamaraty não dispõe de recursos orçamentários para manter sua rede de postos. As novas representações geraram expectativas que se frustraram.

    Srª. Presidente, Sras. E Srs. Senadores, a verdade é que a Parceria Transpacífico nos deixará à margem do principal foco de dinamismo da economia mundial. O isolamento atinge também os nossos parceiros mais próximos do Mercosul. A participação no Mercado Comum do Sul coloca travas à negociação individual de acordos de livre comércio e as tratativas do bloco com a União Europeia ainda não chegaram a bom termo.

    Portanto, torna-se imprescindível que o Brasil reformule o quanto antes sua estratégia no comércio internacional e prepare-se para uma necessária reinserção de forma realista, pois o cenário de enormes espaços comerciais é irreversível. Para tanto, a primeira providência passa necessariamente por rever as bases do próprio Mercosul.

    Era o que tinha a dizer, Srª. Presidente, agradecendo a V.Exª a concessão desse tempo extra.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2015 - Página 129