Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Insatisfação com a suposta postura do Advogado-Geral da União de promover a defesa pessoal da Presidente da República e defesa da PEC 125, de 2015, que propõe alteração do rito de escolha do titular da AGU.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Insatisfação com a suposta postura do Advogado-Geral da União de promover a defesa pessoal da Presidente da República e defesa da PEC 125, de 2015, que propõe alteração do rito de escolha do titular da AGU.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2015 - Página 133
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, LUIS INACIO ADAMS, ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, CARGO, DEFESA, MANDATO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, PROCEDIMENTO, ESCOLHA, MINISTRO DE ESTADO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU).

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Randolfe Rodrigues; Srªs Senadoras; Srs. Senadores; Senador Cristovam Buarque, tempos estranhos estes que estamos vivendo, tempos carregados de incertezas e de ambiguidades e carregados também de uma deterioração, Senador Reguffe, sem precedentes dos valores e dos princípios que devem mover e presidir qualquer República.

    Dentro dessa coleção de retrocessos que estamos identificando nos últimos tempos, mais especificamente nos últimos dias, quero falar aqui sobre a deterioração do exercício do papel da Advocacia-Geral da União, que tem um dos papeis mais relevantes de uma República, papel expresso e consagrado no art. 131 da Constituição Federal. Cabe à Advocacia-Geral da República representar a União - repito: a União - judicial e extrajudicialmente, interpretar leis, tratados e atos normativos, devendo seus pareceres ser seguidos por todos os órgãos e entidades da administração federal, Senador Randolfe.

    A União é a compreensão dos Poderes constituídos, e não a defesa pessoal de quem quer que seja que eventualmente esteja presidindo ou coordenando um desses Poderes constituídos. A AGU não pode ser e não deve ser trincheira de política partidária.

    O que temos visto, especialmente nesses últimos dias, é a mais absoluta distorção e a banalização completa desses princípios, o que apequena e estreita o papel e a missão da Advocacia-Geral da União, não do conjunto de seus advogados, mas o exercício do Advogado-Geral da União, Dr. Luís Inácio Adams, com quem não tenho qualquer tipo de intimidade, com quem tenho uma relação institucional cordial, a partir da postura do Advogado-Geral da União.

    O aparelhamento político que tomou a máquina pública levou o titular da Advocacia-Geral da União a extrapolar sua missão e a se tornar um mero advogado da Presidente em questões relativas ao mandato da Presidente Dilma, colocando demandas do Governo acima das demandas do Estado.

    Ora, ele ensaia que não é mais o Advogado-Geral da União, mas, especificamente, coloca-se como advogado da Presidente. Então, o caminho adequado para esse diagnóstico, para essa realidade, é que, naturalmente, ele se distancie, que ele abra mão de exercer o papel da Advocacia-Geral da União, de Advogado-Geral da União, para assumir a advocacia privativa da Presidente da República, defendendo a Presidente nos tribunais, que não são poucos. O mais recente foi o Tribunal de Contas da União, mas há o Tribunal Superior Eleitoral e tantos outros tribunais, em função das delinquências que temos observado, dia após dia, no Governo da Presidente Dilma.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Deputado Evair de Melo, que nos honra com sua presença no plenário do Senado, o que acontece quando um prefeito ou um governador é questionado pelos seus atos em razão de seus eventuais erros administrativos? Ele contrata um advogado privado. Por simetria, a Presidente da República deveria fazer o mesmo para se defender das acusações que pesam contra ela e contra seu Governo, acusações que não são individuais, mas coletivas, haja vista a manifestação unânime do Tribunal de Contas da União em relação à violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que não é uma lei menor, que não é uma lei qualquer.

    Num passado recente, sem que houvesse limite e disciplina fiscal, o Estado brasileiro, os Governos brasileiros subordinaram a sociedade brasileira a viver crises sem precedentes. Chegamos a ter uma inflação superior a 80% em um mês, chegamos a estar mergulhados em taxas de desemprego sem precedentes, tudo isso fruto da desorganização fiscal do Estado brasileiro!

    A organização do Estado é mais ou menos como a organização da vida da gente. Quando um pai de família, em vez de escolher suas prioridades e de definir aquilo que é essencial para a sua família, gasta com o supérfluo e, só depois, vai observar o gasto com o aluguel, com a escola de seus filhos, com a farmácia, com o armazém, assim por diante, ele é obrigado a mergulhar no cheque especial e a pagar juros elevadíssimos, os juros mais estratosféricos do Planeta!

    Após a Carta Magna de 1988, após a Constituinte e a Constituição, a recém-criada Advocacia-Geral da União ficou com a atribuição de promover a representação judicial e extrajudicial da União, além de prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Isso não pode ser confundido com a defesa particular de quem quer que seja. É inimaginável, é difícil imaginar, aos olhos de hoje, que, anteriormente à Constituição de 1988, quem cumpria esse papel era a Procuradoria-Geral da República. A Constituinte evoluiu, dando esse papel à Advocacia-Geral da União.

    Há uma confusão estabelecida, e não é uma confusão ingênua, daquilo que vem a ser consultoria e assessoramento. Ou seja, a Presidência da República pode consultar, a Presidência da República pode se assessorar, mas não pode o Advogado-Geral da União se distanciar de seus limites constitucionais e exercer a advocacia privada. E é isso que ele está fazendo.

    Imagina comigo, Senador Randolfe: se ele pode advogar para a Presidente Dilma, ele também deverá advogar para o Deputado Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, em função das denúncias que vem sofrendo em relação a essas contas clandestinas não declaradas no Banco Central e na Receita Federal, como determina a lei, denúncia essa feita pelo Ministério Público da Suíça. Se ele pode advogar para a Presidente, ele também deve se oferecer para advogar para o Presidente da Câmara dos Deputados, uma vez que ele é advogado dos Poderes constituídos.

    É por isso inimaginável perceber que o Chefe da Advocacia-Geral da União tenha se afastado tanto dos princípios da organização. O resultado disso é o total descrédito do Ministro dentro e fora da instituição. Há manifestação de pelo menos 90% dos quase oito mil advogados da União em relação a esse exercício, perdoe-me, absolutamente deteriorado e afastado das responsabilidades originais do Advogado-Geral da União.

    Ao agir como advogado privado, ele, na prática, como se diz popularmente, está confundindo "Carolina de Sá Leitão" com "caçarolinha de assar leitão".

    Faz uma confusão sem precedentes quando se coloca, juntamente com ministros de Governo, para dar entrevistas coletivas afastando-se, distanciando-se daquela que é sua tarefa fundamental.

    O Ministro Adams que me perdoe, mas, durante a defesa engajada das pedaladas fiscais do Governo, chegou ao desplante de pedir publicamente a destituição do relator das contas do Governo no Tribunal de Contas da União e de justificar as manobras como práticas recorrentes de governos anteriores. Onde está a interpretação jurídica estrita de um Advogado-Geral da União? Ou seja, a perpetuação virou tese jurídica? Talvez. Para quem se coloca acima do bem e do mal, a lei ou o limite da lei é apenas um detalhe. Mas esse figurino não cabe na figura do Advogado-Geral da União.

    Repito: o Advogado-Geral da União é da União, e não da Presidente da República ou de quem quer que seja. O titular exorbita quando age de forma diferente. Isso é surreal. É bizarro que estejamos assistindo a isso nos dias atuais.

    Portanto, faz todo o sentido a reação indignada do conjunto majoritário e hegemônico dos funcionários, dos advogados da Advocacia-Geral da União. Eles têm toda a razão de se insurgir contra a postura do Ministro, que prefere agir em nome de um partido ou de uma causa política, e não em defesa das mais elevadas teses jurídicas.

    A condução da AGU em que o aspecto político prevalece sobre o jurídico, seguramente, apequena o papel da Advocacia-Geral da União. A União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe), com o apoio de outras entidades sindicais, veio a público lamentar pela visão distorcida da Constituição e do papel do seu Advogado-Geral da União, ao reduzir o importante papel ao de um órgão a serviço da defesa privada da Presidente da República.

    É importante, inclusive, alertar que o Advogado-Geral da União pode estar incorrendo no crime de advocacia administrativa, previsto no art. 321 do Código Penal brasileiro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

    Trata-se da utilização indevida das facilidades do cargo ou funções em favor de interesses privados, ou seja, a defesa pessoal de quem quer que seja, e não dos valores institucionais do Estado brasileiro.

    Diz o artigo que comete crime de advocacia administrativa quem "patrocinar direta ou indiretamente interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário". A pena prevista é de detenção de três meses a um ano, além de multa.

    Com o passar do tempo, se faz necessário promover um novo avanço para aperfeiçoar a instituição Advocacia-Geral da União. Hoje, esse instrumento - a nomeação do Advogado-Geral da União - é de livre indicação e demissão do Presidente da República.

    Em nome de uma inadiável correção de rumos e de colocar um fim nas distorções é que estamos apresentando ao Senado uma proposta de emenda à Constituição, a Proposta de Emenda à Constituição nº 125, que aguarda Relator na Comissão de Constituição e Justiça, que propõe a alteração do rito de escolha do titular da Advocacia-Geral da União para torná-lo similar ao da indicação do Procurador-Geral da República.

    Pela proposta encaminhada e apresentada para debate, o nome será escolhido pelo Presidente da República, a partir de uma lista tríplice, dentre os membros das carreiras que estruturam o órgão. O selecionado pelo Chefe do Executivo precisaria ser submetido à sabatina do Senado e à aprovação pela maioria absoluta da Casa para um mandato de dois anos.

    O texto estabelece ainda que cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Advogado-Geral da União, e a sua destituição pela Presidência da República precisa de autorização do Senado, considerando que ele precisa e deve ter um mandato autônomo, independente, para defender as questões que digam respeito, Senador Pimentel, estritamente às questões do Estado brasileiro. Porque nós vivemos em um tempo em que Estado e Governo se confundem, como no velho patrimonialismo, em que não há fronteira entre o limite do privado e do público. E a consequência disso é o que estamos assistindo, lamentavelmente, na conjuntura do nosso País.

    O Advogado-Geral da União precisa servir ao Estado, e não a um governo ou a um grupo político. A Advocacia-Geral da União, por sua vez, é um órgão essencialmente jurídico, e suas atividades devem ser regidas pela ética e pela valorização do interesse público.

    A qualidade de nossa democracia depende do funcionamento autônomo e independente das nossas instituições. Deve, ao fim e ao cabo, estar subordinada aos elevados interesses da sociedade brasileira, e não aos poderosos de plantão, que, pela razão natural da legitimidade de terem alcançado seus mandatos pelo voto popular e direto, não podem e não devem estar acima da lei. A lei é o limite civilizatório dos nossos procedimentos e da nossa conduta coletiva. Subestimar os limites da lei é retroceder no tempo de todos contra todos, deixando, enfim, de reconhecer que o ambiente civilizatório pressupõe o fortalecimento das nossas instituições.

    Por isso mesmo, Sr. Presidente, eu trago esta manifestação; por considerar que há um absoluto distanciamento daquilo que previu o Constituinte e consagra a nossa Constituição para o Advogado-Geral da União. Mas, para além das palavras, é preciso que encontremos mecanismos para evitar que esse tipo de coisa possa continuar acontecendo na República brasileira. Por isso mesmo é que nós apresentamos uma proposta de emenda à Constituição, para que a forma de indicação possa ser revista e nós possamos eliminar essa prática inadequada do dia a dia da República brasileira.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2015 - Página 133