Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de dados que indicam a alta mortalidade infantil e o difícil acesso à saúde pública no Brasil, especialmente no Amapá.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Registro de dados que indicam a alta mortalidade infantil e o difícil acesso à saúde pública no Brasil, especialmente no Amapá.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2015 - Página 140
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), PUBLICAÇÃO, PERIODICO, EXAME, ASSUNTO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, COMENTARIO, MORTALIDADE INFANTIL, QUANTIDADE, LEITO HOSPITALAR, ENFASE, AMAPA (AP).

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ricardo Ferraço, senhoras e senhores, eu quero trazer, aqui, uma organização de dados do IBGE, do DATASUS, sobre a situação da saúde no Brasil, feita pela revista Exame.

    É verdade, Sr. Presidente, que há de se destacar que, nos últimos anos, boa parte dos números relativos à saúde brasileira tem avançado, mas ainda retrata um quadro totalmente preocupante. Os dados disponíveis sobre a saúde mostram que as nossas taxas de mortalidade infantil continuam altas. A expectativa de vida ao nascer é muito mais baixa do que a de outros países irmãos sul-americanos, como é o caso do Chile, do Uruguai e da Argentina, que têm mortalidade infantil bem menor que a nossa e expectativa de vida bem maior, sem citar que perdemos, e muito, comparados, por exemplo, aos mesmos números relativos a Cuba, a México e a outros países da América Latina. O acesso à saúde, também segundo essa pesquisa, não vai bem. Há muito menos médicos e leitos hospitalares do que alemães e japoneses, só para dar um exemplo.

    Sr. Presidente, se o quadro nacional já é preocupante, se o quadro nacional já necessita de atenção, há uma enorme discrepância em nosso País quando se comparam os dados de saúde do Sul e do Sudeste com os do Nordeste e da Amazônia. Em todo o País, a cada 1.000 bebês nascidos vivos, 15 morrem antes de completar 12 meses de vida. Esse dado já é alto, mas, se considerarmos a situação por Estados, ele se agrava ainda mais. A situação, por exemplo, é muito mais grave no Maranhão, que é o último do ranking. Lá, no Maranhão, o número de bebês mortos a cada 1.000 nascidos vivos é de 24,7, padrão quase africano; em Alagoas, de 24; e, no meu Estado do Amapá, de 23,9, tecnicamente empatado com Maranhão e Alagoas. Enquanto isso, na outra ponta, em Santa Catarina, para cada grupo de 1.000 bebês nascidos vivos, a mortalidade é de 10,1.

    Quando o assunto é o acesso à saúde, isso se repete. No Brasil, há 2,35 leitos hospitalares para cada 1.000 habitantes; na Alemanha, só para se ter uma comparação, o dado é de 8,3 leitos hospitalares para cada 1.000 habitantes; no Japão, os pacientes contam com 13,4 leitos para cada 1.000 habitantes. O acesso à saúde, mais uma vez, é mais complicado e mais difícil, principalmente, nos Estados do Nordeste e da Amazônia.

    Sr. Presidente, eu aqui quero detalhar a situação da saúde no meu Estado do Amapá. Esses dados nacionais e essa pesquisa só retrataram uma situação de caos público que temos visto na saúde amapaense. Recentemente, um conjunto de programas de noticiários nacionais, de diferentes redes de televisão, constatou essa situação de caos na saúde pública amapaense. Só para ficar mais ilustrado, houve o caso recente em que uma mãe não pôde sequer enterrar o corpo do seu filho, visto que o corpo do seu filho foi incinerado e depositado no lixo hospitalar. Esse caso lamentável, triste e dramático, ocorrido no meu Estado, foi noticiado amplamente recentemente. A rede pública de saúde do meu Estado sofre das condições mais precárias dentre todos os Estados do País.

    Esse caso gravíssimo, envolvendo a incineração do corpo de uma criança, é um dentre muitos episódios que demonstram o grau de atraso em que está a saúde pública no meu Estado. Isso, obviamente, é retratado nos números dessa recente sistematização feita pela pesquisa da revista Exame. Repito: no Brasil, 15 bebês a cada 1.000 bebês nascidos vivos morrem antes de completar 12 meses de vida; no meu Estado, o Amapá, são 24 mortos a cada 1.000 bebês nascidos vivos, a antepenúltima colocação. A taxa de mortalidade infantil no Amapá, que está tecnicamente empatado com Alagoas e com o Maranhão, Senador Cristovam, é 60% maior do que a constatada no restante do País. Só para citar um exemplo desse drama da mortalidade infantil no nosso País, vamos fazer uma comparação com dados das Nações Unidas. Cuba, essa pequena ilha do Caribe tão criticada, tem uma taxa de 5,1 bebês mortos a cada 1.000 nascidos vivos, ou seja, Cuba tem um índice de mortalidade infantil duas vezes menor do que o índice brasileiro e três vezes menor do que o da maioria dos Estados do Nordeste e do que o da maioria dos Estados da Amazônia. Costa Rica tem um índice de 9,8 bebês. E veja, Sr. Presidente e Senador Cristovam, Sri Lanka, um dos países mais pobres do mundo, localizado na África, tem um índice de mortalidade infantil de 12,4 bebês por 1.000 nascidos, ou seja, um dos países mais pobres do mundo tem um índice de mortalidade infantil menor do que o do nosso País. Alguns Estados do nosso País, como é o caso do meu Estado, o Amapá, tem duas vezes mais crianças que morrem ao nascer do que um dos países mais pobres do mundo, o que ilustra a dramaticidade desses dados.

    Senador Cristovam, eu tenho prazer em ouvi-lo.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Isso ilustra também, Senador, o déficit de atenção das elites dirigentes desses Estados e do Brasil inteiro em relação às crianças. Esses Estados estão piores, mas 15 é muito, três vezes mais...

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - E 15 é o do Brasil.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O do Brasil.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Nesses Estados, é 24.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É isso. Então veja o do Brasil, três vezes mais do que Cuba, mais do que Sri Lanka. É uma questão, não é de dinheiro; é uma questão de déficit de atenção. Nossas elites sofrem de déficit de atenção em relação aos problemas do povo. Aliás, déficit de atenção é o que é usado no Brasil para milhões de crianças que não prestam atenção nas salas de aula, Senador Randolfe. O que não percebem é que o déficit de atenção não está dentro, nas crianças da sala de aula, está do lado de fora da escola. É de quem não cuida das escolas. O déficit de atenção das crianças no Brasil é porque tem duas turmas na mesma sala, porque a cadeira é desconfortável, porque em vez de usar lousa inteligente para as crianças de hoje se usa quadro negro, porque os professores com os baixos salários não são motivados, nem preparados. Então as crianças sofrem de déficit de atenção não por um problema psíquico, neurológico ou biológico que tentam curar com remédio. As crianças sofrem de déficit de atenção, porque os governos sofrem de déficit de atenção em relação à educação. E sofrem de déficit de atenção em relação às crianças na primeira infância. E déficit de atenção em relação à saúde pública. E déficit de atenção em tudo aquilo que é público e do interesse comum da sociedade pobre deste País. Nossos governos sofrem de déficit de atenção. E aí está a causa da alta mortalidade infantil na primeira infância: falta de atenção, de cuidado. Eu nunca esqueço que, ali, em pé, a Senadora Heloisa Helena um dia disse: se nós adotarmos uma geração de brasileiros, essa geração adotará o Brasil. Mas nós não adotamos as nossas crianças, não adotamos até antes mesmo de elas nascerem. Não temos a atenção devida. Essa frase da Heloisa Helena merece ser repetida, repetida e repetida. Se o Brasil um dia adotar uma geração, desde o nascimento até a idade adulta, essa geração adotará o Brasil. E o Brasil será diferente. A taxa de mortalidade infantil do Brasil é alta, de 15%, e a desses Estados é muito pior por falta de atenção dos governos. Não é falta de dinheiro. É falta de vergonha na cara, como se diz, e de atenção necessária para os problemas do povo. É nesse sentido que eu queria dar a minha contribuição à sua fala.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Muitíssimo obrigado, Senador Cristovam.

    E, para completar o que V. Exª disse... Aliás, o que V. Exª disse é com conhecimento de causa. Os números confirmam. Vou me reportar ao caso do Amapá, que é o meu Estado. Repito: taxa de mortalidade infantil, 23,9 por nascidos vivos. O 25º do País, atrás de... Maranhão e Alagoas são ainda piores. Então, é uma situação dramática. É superior aos países mais pobres do mundo, como Sri Lanka, e superior a países da África.

    Esperança de vida ao nascer, 73 anos. É o 14º no ranking nacional. Médicos por mil habitantes, 0,75, ou seja, menos de um médico para cada grupo de mil habitantes. É o penúltimo Estado do País. Menos de um médico para mil habitantes, muitos países da África não têm esse número. Leitos por mil habitantes, 1,6. Não se totalizam dois leitos por cada grupo de mil habitantes. Esse índice é o cruel, o mais dramático e o que mais envergonha o meu Estado do Amapá. O Amapá é o último colocado em número de leitos por habitantes.

    Agora, Senador Cristovam, o meu Estado do Amapá é o terceiro do País em mortalidade infantil. O meu Estado do Amapá é o terceiro maior em mortalidade infantil; é o segundo pior no acesso a médicos por habitantes; é o último no número de leitos por habitantes. Agora, sabe qual é a classificação do Amapá em despesa per capita, ou seja, transferência de recursos que vai para o Estado para atender a saúde? É o sexto.

    Isso ilustra o que V. Exª acabou de dizer. Realmente não é falta de dinheiro. Veja, o Amapá é o sexto em despesa per capita. Isso significa a quantidade de recursos que é transferida para o Estado para cuidar da saúde. É o sexto do País. Mas, em mortalidade infantil, é o último ou o antepenúltimo ou, pior ainda, o terceiro pior. Em acesso de leitos é o pior. Em acesso de médicos é o segundo pior. Ou seja, não é a falta de dinheiro. É a falta, de fato, de prioridade da elite.

    No exemplo que eu estou dando agora, do meu Estado, duas semanas atrás o Governo do Estado transferiu R$18 milhões para a Assembleia Legislativa, para garantir a chamada governabilidade, enquanto crianças não só morrem nos hospitais, como seus corpos são incinerados logo em seguida.

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - É uma crueldade. E eu concordo, Senador Cristovam, com V. Exª. É uma crueldade produzida pela elite brasileira. V. Exª, reiteradas vezes, ao falar aqui da educação, fala do abandono de gerações, o abandono que ocorre principalmente na educação básica.

    Então imagine a situação que nós temos hoje no País, na maioria do País: aqueles que são mais pobres não têm o direito de nascer. E, se escaparem - se escaparem - da possibilidade de nascer, não têm direito a acesso à educação básica de qualidade, porque uma proposta de V. Exª, que tramita aqui, no Congresso Nacional, sequer o Governo Federal admite analisá-la.

    Então, a reflexão a ser feita no País é sobre os recursos que vão para a saúde pública e o tratamento que é dado para a saúde pública. Esses números não devem servir de reflexão para os governos e para a elite brasileira. Têm que, no mínimo, servir de vergonha, porque esses números ilustram que o princípio fundamental da Constituição, de que saúde tem que ser direito de todos e dever do Estado, tem sido, retiradas vezes, descumprido.

    Vejam, o Ministério da Saúde, em ação divulgada em 22 de setembro deste ano, destinou R$96 milhões para custeio das ações de média e alta complexidade em 20 Estados brasileiros. A pergunta a ser feita é como, em um Estado como o meu Estado do Amapá, este recurso foi tratado?

    Repito, o sexto colocado em transferência per capita e o último nos índices de mortalidade infantil, na expectativa de vida ao nascer, no número de médicos por habitantes e em leitos hospitalares. Não existe nenhuma explicação técnica que justifique esses números que ocorrem no País, nos Estados mais pobres, principalmente no Nordeste e na Amazônia.

    Só há uma justificativa, Senador Cristovam, e é a que o senhor disse: é muita ausência de vergonha na cara da nossa elite e dos governantes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2015 - Página 140