Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Desaprovação a projeto de lei antiterrorista em tramitação no Congresso, em função de possibilitar a criminalização das ações de movimentos sociais.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Desaprovação a projeto de lei antiterrorista em tramitação no Congresso, em função de possibilitar a criminalização das ações de movimentos sociais.
Aparteantes
José Serra, João Capiberibe, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2015 - Página 400
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETO, COMBATE, TERRORISMO, CRITICA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO, MOTIVO, POSSIBILIDADE, TIPICIDADE, CRIME, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Os mapuches são um povo indígena do centro-sul do Chile. Desde a colonização, lutaram muito para tentar manter suas terras. Penaram bastante e em vão. Hoje, a maioria dos mapuches vive marginalizada nas cidades. Trata-se de uma longa história de muitos capítulos escritos com horror e sangue.

    Mas o último capítulo dessa saga trágica foi escrito com a tinta obscura das leis antiterroristas. Já em plena democracia, o governo de Ricardo Lagos, com o intuito de acabar com a rebelião mapuche, que usava o incêndio dos equipamentos das grandes madeireiras como método de sua luta desesperada para recuperar terras, o Chile modificou e usou a lei antiterrorista de Pinochet para enquadrar os rebeldes mapuches. Assim, líderes e ativistas mapuches foram presos e julgados em tribunais militares. Alguns ficaram em prisão preventiva por quase um ano, para depois serem liberados sem julgamento.

    A rebelião acabou em 2002, mas os mapuches ficaram com o estigma de terroristas e a democracia chilena ficou com marca da intolerância herdada de Pinochet.

    Os membros da Câmara dos Lordes do Reino Unido são bem diferentes dos mapuches. Nunca perderam suas terras e estão muito longe de serem marginalizados. Embora tenham perdido muito prestígio e poder, os lordes tinham, até 2005, a prerrogativa de revisar judicialmente leis já promulgadas.

    Pois bem, foi o que se atreveram a fazer com a Lei de Segurança e Antiterrorismo, que havia sido promulgada, no Reino Unido, logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York. Tal lei permitia, em sua Seção 23, a detenção, por tempo indeterminado, sem processo legal, de suspeitos estrangeiros de terrorismo.

    Dito e feito. Começaram a se acumular em prisões britânicas, principalmente na de Belmarsh, detentos sem processo legal e sem julgamento.

    Os lordes não gostaram. No julgamento que foi considerado o mais importante dos últimos 50 anos na Grã-Bretanha, os lordes decidiram, em 2004, que a Seção 23 da lei em questão violava a Convenção Europeia de Direitos Humanos, assinada pelo Reino Unido.

    Lorde Hoffman disse em seu voto: "A verdadeira ameaça à vida da Nação, no sentido de o povo poder viver de acordo com suas leis tradicionais e seus valores políticos, não vem do terrorismo, mas de leis como essa."

    Contudo, o resultado do julgamento não foi suficiente para debelar na totalidade essa ameaça. Hoje, os detidos podem ainda ficar incomunicáveis e sem o devido processo legal por 28 dias e as autoridades ainda têm grande poder discricionário de atuação.

    Guantánamo, por sua vez, é bem diferente da Câmara dos Lordes. As pessoas que por lá passam e ficam não têm nenhum prestígio, riquezas ou poder. Não têm sequer o direito de serem submetidas a julgamento. São habitantes permanentes de um campo de concentração localizado num conveniente limbo jurídico, numa conveniente base militar. Lá, como havia na britânica Belmarsh, não há seres humanos, há suspeitos de terrorismo.

    Como Belmarsh, Guantánamo é um produto direto das leis antiterroristas promulgadas após o 11 de setembro. Não que os crimes daqueles atentados não pudessem ser devidamente enquadrados em leis anteriores. Sequestro de aviões, assassinatos, destruição do patrimônio, etc., tudo isso já estava previsto como crime, com penas muito severas, nas leis internas dos EUA e mesmo em convenções específicas da ONU. Não! As leis antiterroristas norte-americanas não foram concebidas para tipificar crimes não previstos, sequer foram concebidas para enrijecer penas. Elas foram concebidas, isto sim, para dar ao Estado poderes discricionários que ele não tinha, sob a desculpa de poder enfrentar a "guerra contra o terrorismo".

    Concedo um aparte ao Senador Capiberibe.

    O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Senador Lindbergh, eu sempre tenho muitas dúvidas em qual momento que o Estado deve legislar para regular a convivência da sociedade. É uma dúvida que me assalta com muita permanência. Mas, nesse caso, eu não tenho a menor dúvida. Não há por que, neste momento, o Estado legislar sobre algo que não existe na sociedade. Não há! Nós não temos notícias de práticas terroristas na sociedade brasileira. O que nós temos é uma violência urbana desenfreada, assustadora. Aí, sim, cabe o Estado entrar, para tentar... E V. Exª tem uma proposta em relação a isso, e que avança pouco, de uma mudança importante no aparelho de segurança pública. As nossas Polícias Militares veem o cidadão como um inimigo. Se prevalecer aqui na Casa, no Senado - porque já foi votada na Câmara -, essa lei vai servir como munição nessa guerra contra os pobres. São os pobres que vão ser mais uma vez sacrificados por uma legislação pela qual nós vamos ser responsabilizados. E eu não quero sujar minhas mãos no sangue da pobreza brasileira mais. Portanto, eu acho que V. Exª tem razão. Esse é um projeto delicadíssimo, que está tramitando aqui na Casa, e a gente não pode cometer um equívoco como esse. Muito obrigado.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu é que agradeço seu aparte, Senador Capiberibe. Nós, na verdade, vamos votar esse projeto, pelo que eu sei, no dia de amanhã. Já está aqui o Senador Aloysio, que é o Relator. Ele está disponibilizando o seu parecer. E eu já conversava com S. Exª, aqui, que nós vamos estudar o seu relatório, para tentar abrir um processo de negociação antes, para que possamos votar esse projeto no dia de amanhã. Eu vou dar continuidade e vou falar de outras preocupações, Senador Capiberibe.

    Eu encerro essa primeira parte, dizendo que a voga internacional das leis antiterroristas nasceu dessa "necessidade". Da "necessidade" do Estado norte-americano e de outros Estados aliados de poderem atuar de forma livre, sem respeitar os tradicionais limites impostos pela democracia no combate a tudo que for considerado ameaça. Assim, as leis antiterroristas nasceram de uma "necessidade" política, não de uma real necessidade jurídica. Além dessa atuação estatal - assim, digamos - desinibida, tais leis também permitem, em geral, algo muito importante: a estigmatização de qualquer grupo ou movimento social...

    O Sr. Waldemir Moka (PMDB - MS) - V. Exª me concede um aparte, Senador Lindbergh?

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... considerado ameaçador ou mesmo inconveniente.

    Concedo um aparte ao Senador Moka.

    O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador Lindbergh, eu não tenho a permissão do Senador Aloysio Nunes, mas o que mais me tranquiliza neste momento é saber que o Relator desse projeto é um homem com a estatura...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - ... e com o passado de Aloysio Nunes, passado demonstrado nas lutas mais difíceis nos anos de chumbo, e um homem que sempre se manteve ao lado da defesa exatamente das minorias e da democracia. Então, a segurança que eu tenho de votar um projeto relatado por um Senador da estatura do Senador Aloysio é que me tranquiliza. Certamente que haverá negociações, porque esta Casa é uma casa de negociações, mas me tranquiliza muito saber que o Relator dessa matéria é o eminente Senador Aloysio Nunes de Oliveira.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Só para concluir, Sr. Presidente, eu agradeço o aparte do Senador Moka.

    O Sr. José Serra (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Permite-me Senador, só um apartezinho.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Permito, concedo um aparte ao Senador José Serra.

    O Sr. José Serra (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Endosso literalmente as palavras do Senador Moka, acrescentando então que nós temos dois seres, como ele qualifica aqui, de preparo excepcional: o Aloysio Nunes de Oliveira e o Aloysio Nunes Ferreira.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador José Serra.

    E eu queria só dizer o seguinte: a pressão que existia aqui para o Parlamento votar é porque diziam que havia uma recomendação do GAFI. E o que é o GAFI? É um grupo que reúne 36 países e que discute lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo. Primeiro vale dizer que, dos 36 países que fazem parte do GAFI, só cinco têm leis antiterroristas: Estados Unidos, por questões óbvias; Israel, por questões óbvias; Reino Unido; Espanha e Colômbia. Só cinco.

    Outra coisa: não é verdade que o GAFI pedia a tipificação do terrorismo. O que eles pediam era a discussão sobre financiamento ao terrorismo. Mas fizeram um terrorismo aqui dizendo o seguinte: se o Brasil não fizesse logo essa tipificação penal, o GAFI ia recomendar às agências de classificação de risco o rebaixamento da nota do Brasil. O GAFI nunca fez isso, Sr. Presidente, e nem se propõe a fazer isso. Então, há um exagero nesse debate todo.

    Eu falei há pouco com o Senador Aloysio Nunes Ferreira, eu não conheço o relatório que nós vamos votar amanhã, vou ter acesso agora, ele já mandou publicar, quero estudar com minha equipe, quero procurá-lo para buscar o entendimento.

    O fato é que o projeto, do jeito que vinha da Câmara dos Deputados, criava uma zona cinzenta, pela qual você abria caminho, sim, para criminalizar ações de movimentos sociais, e essa era a nossa grande preocupação.

    Então, espero, Senador Aloysio, agora, a partir da publicação do seu texto, que a gente tenha tempo até amanhã para tentar costurar negociações, para que a gente tenha a possibilidade de avançar, mas preservando os direitos individuais, as liberdades individuais e preservando o direito das pessoas se manifestarem de forma livre em nosso País.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Obrigado, Senador Aloysio.

 

    


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2015 - Página 400