Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do centenário dos políticos baianos Fernando Sant`Anna e Salvador da Matta.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Registro do centenário dos políticos baianos Fernando Sant`Anna e Salvador da Matta.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2015 - Página 446
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO, CENTENARIO, NASCIMENTO, MEDICO, POLITICO, MUNICIPIO, IPIAU (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), FERNANDO SANTANA, EX-DEPUTADO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Presidente.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e todos aqueles que nos acompanham pelos canais de comunicação do Senado, escrito e televisivo, pela Rádio e internet, quero dizer que passei a semana passada fora do Brasil. Fui, a convite da Embaixada do Reino Unido, visitar Londres, onde tive a oportunidade de ir a duas instituições de ensino de nível superior, a duas universidades, com visita ao Parlamento e uma série de atividades relacionadas a essa busca de entrosamento entre o Brasil e o Reino Unido.

    Posteriormente, terei oportunidade de relatar um pouco mais sobre essa importante experiência que pude viver na semana passada.

    Como não estive aqui, naquele período, fiquei devendo ao povo da Bahia o registro - e a homenagem - que tenho buscado fazer da nossa história, dos homens e mulheres que contribuíram para a vida do povo baiano.

    E não pude participar de homenagens importantíssimas que ocorreram a duas grandes figuras, a dois homens públicos que, apesar de pensamentos político-ideológicos opostos, tiveram o mesmo compromisso de cuidado com os recursos públicos, com a coisa pública, e o mesmo compromisso com a honestidade e a dignidade à frente das atividades públicas do Brasil e, no caso particular de um deles, da Bahia e do seu Município.

    Refiro-me, portanto, a dois homens cujos centenários foram comemorados agora em outubro, na Bahia.

    O primeiro deles, o ex-Deputado Federal e Constituinte Fernando Sant'Anna, uma legenda da política baiana, que nos deixou, em março de 2012, aos 97 anos, depois de quase um século, portanto, dedicado às causas do povo brasileiro.

    Ele teve seu nome lembrado, na semana passada, em sessão solene na Câmara dos Deputados e em sessão solene da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

    E o segundo é o Dr. Salvador da Mata, médico, educador, político, um dos mais importantes homens públicos da história do pequeno Município baiano de Ipiaú, ao sul do nosso Estado, que também recebeu as devidas e merecidas homenagens do povo de sua cidade, através da Câmara de Vereadores e da prefeitura municipal, que se manifestaram com uma bela sessão solene.

    No fim de semana, no sábado passado, tive a oportunidade de participar, com sua família e também com representantes do Município de Ipiaú, de uma das homenagens, uma missa na capela do Colégio Salesiano, onde estudou.

    Para relembrar Fernando Sant'Anna, tomo emprestado sua biografia, escrita por Antonio Risério, esse grande intelectual e escritor baiano. Adorável Comunista é o nome do livro de Risério sobre Fernando, um comunista convicto, que atravessou o século XX e chegou ao século XXI, sem jamais afastar-se de suas convicções, mas com a leveza evidenciada na alegria e no amor pela vida, testemunhada por seus muitos amigos e registrada em vários depoimentos dos quais extraí subsídios para esta homenagem, depoimentos que foram feitos por amigos e lembranças que vivi com Fernando Sant'Anna.

    Nascido em Irará, região de Feira de Santana, na Bahia, Fernando, embora de família rica, negou essa determinação de classe e se tornou comunista. Em Irará, cursou o primário e lá permaneceu, trabalhando com seu pai. Em 1932, a exemplo de outros jovens da época que residiam no interior, foi para Salvador estudar. Em 1933, ingressou no ginásio da Bahia, Colégio Central, um dos grandes colégios públicos do nosso Estado em que tive a honra de também estudar.

    Foi nesse espaço - outro Fernando, o Fernando Bezerra entra no plenário neste momento - de efervescência política que se tornou militante do PCB, indignado com as desigualdades sociais e com a miséria, desencantado com a Revolução de 1930 e sempre pregando uma educação voltada à fraternidade e à igualdade recebida em sua formação, de seus pais Pompílio e Genésia. Fernando destacou-se de forma intensa no movimento estudantil e, ao ingressar na Escola Politécnica, em 1940, tornou-se uma liderança. Foi presidente da Associação dos Universitários da Bahia, em 1941, e figura predominante na organização da UNE, sendo, inclusive, o relator dos estatutos da UNE no Congresso de 1942.

    Em 1944, formou-se engenheiro. Atuou como engenheiro chefe na Bahia e Sergipe. E, depois, foi chamado a trabalhar como assessor direto do educador Anísio Teixeira, no governo de Octávio Mangabeira, encarregado da planificação e construção de escolas públicas.

    Na campanha "O petróleo é nosso", desencadeada a partir de 1948, Fernando, na condição de presidente do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, foi referência na articulação, formulação, aproximação com diversos setores nacionais e mobilização da sociedade, em um momento de debates intensos de teses sobre a importância estratégica do petróleo para o desenvolvimento nacional. Com o PCB na ilegalidade, filiou-se ao PTB e foi eleito Deputado em 1958, porém deixando clara a sua militância comunista. Integrou-se à esquerda do PTB no chamado Grupo Compacto; destacou-se na organização da Frente Parlamentar Nacionalista; e, ao mesmo tempo, defendeu a viabilização da mudança da Capital para Brasília.

    Reeleito Deputado Federal em 1962, desta vez pelo PSD, já que na Bahia o PTB apoiava a candidatura de Lomanto Júnior ao governo, e seu Partido, na ilegalidade, o PCB, estava com Waldir Pires. Teve seu mandato cassado com o golpe militar de 1964, com o Ato Institucional n° 1. E, na hora da cassação, dirigindo-se aos colegas no Parlamento, disse:

Fiquem tranquilos, porque de minha parte não dirigirei a nenhum um pedido sequer, mesmo na defesa dos mandatos ameaçados. Se isto acontecer, cada um dos senhores que decida de acordo com a sua consciência! Vote ou não pela cassação, mas, particularmente, como um dos incluídos na relação dos condenados, posso garantir a todos os meus amigos, porque nunca tive, nesta Casa, inimigos, a não ser aqueles que se constituíram livremente, meus inimigos, posso deixar tranquilos a todos não irei solicitar a ninguém o beneplácito ou a misericórdia desse mandato.

    Com o mandato cassado, Fernando se abriga na casa de amigos e posteriormente tem que se asilar na Embaixada da Iugoslávia, para, depois, se exilar naquele país. Ao retornar ao Brasil, em 1965, foi preso e ficou incomunicável durante meses. Após recuperar direitos políticos, voltou ao Congresso Nacional elegendo-se Deputado em 1982, pelo PMDB, que era o grande guarda-chuva dos partidos de esquerda.

    Mais uma vez no centro das decisões políticas, contribuiu na luta pelas Diretas e foi um dos construtores do processo da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Com o PCB legalizado em 1985, da tribuna manifesta sua condição de comunista e de militante do Partidão. Em 1986, reelege-se Deputado, desta feita Constituinte, e integra uma minúscula bancada de três Deputados eleitos pelo PCB.

    Tive o privilégio, Sr. Presidente, Srs. Senadores, de atuar e conviver com Fernando Sant'Anna na Constituinte e presenciar sua ampla contribuição na discussão dos principais temas nacionais, notadamente os que se referiam à reforma agrária, ao desenvolvimento nacional, aos interesses do povo brasileiro, nas discussões sobre o conceito de empresa nacional e o debate de fortalecimento da Petrobras, a importância e a amplitude necessária da Assembleia Nacional Constituinte e das liberdades políticas em nosso País.

    Dos seus muitos amigos, não posso deixar de citar Luiz Contreiras, engenheiro e comunista como ele. Conheceram-se no Ginásio da Bahia. Companheiro de muitas lutas, recorda Fernando Sant'Anna como uma pessoa atenciosa e verdadeira, um estudioso extremamente preparado: "Apesar de comunista, era bem aceito na aristocracia baiana e se relacionava bem com todos, inclusive com os governadores, mas nunca deixava de falar o que pensava."

    Quem, como eu, conviveu com Fernando Sant'Anna sabe de sua intensa militância política em defesa dos interesses da Nação. Tive a oportunidade de conviver com Fernando Sant'Anna como amigo de meu pai. Mais e muito mais do que nessa condição, recebi Fernando durante mais de um mês, período em que meu pai passou comigo aqui em Brasília, durante a Constituinte, e, todas as noites, recebia a visita de Fernando Sant'Anna, que só saia da minha casa na madrugada, trocando ideias políticas, na inquietação de um homem já maduro, mas que nunca renunciou aos seus posicionamentos ideológicos.

    Fernando Sant'Anna era um homem, por outro lado, extremamente amplo em suas relações políticas, conhecido até por sua vestimenta. Sempre de terno de linho branco, sempre falando muito alto, sempre dizendo o que pensava. Nossas homenagens a ele, portanto, já que não pude participar das homenagens da semana passada.

    Quero deixar o meu abraço aos seus filhos, aos seus netos, a toda a sua família, a sua esposa. Quero deixar meu reconhecimento a essa adorável figura política que marcou a vida da política baiana na oposição, na conquista do Governo de Waldir. Foi um adorável comunista que deixou grande contribuição política e tão belo exemplo de vida.

    Nesse mesmo caminho, Sr. Presidente, faço homenagens, como disse antes, a alguém que, embora contemporâneo de Fernando, pensava ideologicamente o seu oposto, mas não tenho como não homenageá-lo nesse centenário. Trata-se do Dr. Salvador da Matta, como era conhecido na cidade de Ipiaú e em todo o sul do Estado da Bahia. Foi Vereador, duas vezes Prefeito de Ipiaú, apresentando projetos importantes em benefício daquele Município, onde também exerceu a Medicina, além de se dedicar, como grande educador, deixando, talvez, a sua maior marca naquele Município.

    Nascido em 1915, na cidade de Catu, o mais velho de uma família de seis irmãos, aos 11 anos mudou-se de Salvador, ficando aos cuidados de parentes, de uma prima. Morou seis anos com o seu irmão, Gilberto da Matta, na casa desta prima. E, de 1927 a 1931, estudou em Salvador como aluno interno do Colégio Antônio Vieira.

    Em 1931, aos 16 anos, prestou vestibular para o curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia, graduando-se em 1937, aos 22 anos de idade. Ao longo de sua vida, atendeu em consultório na sua própria casa, como era da cultura daquele período, trabalhando como clínico, obstetra, sempre em partos normais, e na Fundação Hospitalar de Ipiaú, onde foi diretor algumas vezes. Clinicou no Sindicato Rural de Ipiaú e também exerceu a função de médico legista. Em 1948, aos 28 anos, após morar seis anos em Ipiaú, foi nomeado intendente para um mandato complementar de dez meses.

    No ano seguinte, ajudou a elaborar o Memorial do Povo de Ipiaú, dirigido ao Presidente Getúlio Vargas, fazendo uma histórica viagem de perua até Montes Claros e de trem até o Rio de Janeiro, para onde levou o memorial e ficou três meses tentando falar com o Presidente só para destacar a importância daquele Município, daquela região do Estado da Bahia. O memorial solicitava que o Presidente interviesse e não permitisse que o Termo de Ipiaú passasse da Comarca de Jequié para a Comarca de Ubaitaba, que estava sendo criada em 1944, cidade muito mais longe de Ipiaú do que Jequié, o que traria grandes dificuldades para o povo daquele Município.

    Em 1947, aos 32 anos de idade, casou-se com Zélia Maria Martins da Matta, com quem teve sete filhos que lhe deram onze netos. E, em 1949, liderou um grupo de abnegados iniciando reuniões com a comunidade e, na condição de Vereador, apresentou projeto de lei criando a Sociedade de Educação e Cultura de Rio Novo, entidade mantenedora do futuro ginásio de Rio Novo, culminando com a realização da sessão de fundação do ginásio no Auditório Voz de Rio Novo. O ginásio do Rio Novo foi, durante muitos anos, a única instituição de ensino médio daquele Município, por onde passaram, portanto, todos aqueles que naquela geração não tinham outro local para estudar.

    Sem dúvida nenhuma, a passagem de Salvador da Matta por aquela escola, por aquele colégio de Rio Novo, com toda a contribuição que deu a todos os alunos que passaram por ali... E eu pude ouvir o depoimento de uma das suas alunas, recentemente, no dia 17, na missa em sua homenagem, daquele que foi professor de latim, de francês, de biologia, de ciências naturais, de, como ela dizia, higiene e professor de vida para todos aqueles jovens que passaram naquela geração pelo colégio de Rio Novo, entre eles o Senador Waldeck Ornelas, que presente estava na missa em homenagem ao seu centenário.

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - E quero, em nome da família, agradecer sua presença naquele momento.

    Portanto, Sr. Presidente, eu cumpri aqui com a minha obrigação, como Senadora da Bahia, no registro do centenário dessas duas grandes figuras da política baiana, um deles, que tenho a honra dizer, meu tio, irmão mais velho de minha mãe. Justamente por ser sua sobrinha, certamente fui merecedora, pelo trabalho que ele desenvolveu naquele Município e naquela região, dos votos do povo de Ipiaú. Fui a Senadora mais votada para o Senado naquele Município...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... não pelos meus méritos próprios, Senador Fernando Bezerra, mas porque, quando chegava a Ipiaú, todos diziam pelo nome Lídice da Mata, embora eu seja sobrinha: "Ah, é a filha!" Outros que sabiam: "É a sobrinha de Salvador da Matta!" E eu creio que a minha votação, ter sido a mais votada daquele Município se deveu justamente a uma homenagem, a um reconhecimento do Município ao trabalho dedicado, como médico, como prefeito, como vereador e como educador, de Salvador da Matta.

    Por isso, viva aos centenários de Fernando Sant'Anna e Salvador da Matta, que, mesmo com pensamentos, como disse, ambos nacionalistas, um de esquerda e comunista, o outro que chegou, na sua juventude,...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... a ser simpatizante do integralismo, mas ambos, estes dois homens, honraram o voto, com dignidade, do povo da Bahia!

    Muito obrigado.

 

    


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2015 - Página 446