Pronunciamento de José Serra em 29/10/2015
Discurso durante a 195ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Manifestação contrária ao projeto de lei que aumenta os limites de faturamento das empresas enquadradas no Simples Nacional, em decorrência de suas repercussões na arrecadação fiscal do País.
- Autor
- José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
- Nome completo: José Serra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ECONOMIA:
- Manifestação contrária ao projeto de lei que aumenta os limites de faturamento das empresas enquadradas no Simples Nacional, em decorrência de suas repercussões na arrecadação fiscal do País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/10/2015 - Página 132
- Assunto
- Outros > ECONOMIA
- Indexação
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- COMENTARIO, SITUAÇÃO, AFUNDAMENTO, ECONOMIA NACIONAL, RESULTADO, REDUÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), CONSUMO, CRESCIMENTO, DESEMPREGO, DETERIORAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, SAUDE, TENTATIVA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OCULTAÇÃO, CIRCUNSTANCIAS, TRANSFERENCIA, CULPA, OPOSIÇÃO, REGISTRO, LIDERANÇA, GOVERNO FEDERAL, LOCAL, CONGRESSO NACIONAL, APOIO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, AMPLIAÇÃO, LIMITAÇÃO, FATURAMENTO, EMPRESA, CONDICIONAMENTO, TRIBUTAÇÃO, SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (SIMPLES), PROMOÇÃO, PREJUIZO, ARRECADAÇÃO, TESOURO NACIONAL, CONTRADIÇÃO, INTERESSE, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP. Com revisão do orador.) - Meu caro Senador Medeiros, que preside esta sessão, tenho muito prazer em falar com V. Exª estando na Presidência da Mesa.
Venho aqui para um breve comunicado, uma análise bastante breve, a respeito de um fato que é muito significativo, hoje, para a política e para a vida nacional. Nós sabemos que o País está atravessando uma das piores crises da sua história, do ponto de vista econômico, do ponto de vista político, do ponto de vista moral. Isso é indiscutível. Pode-se pegar quaisquer indicadores. Todos eles vão apontar nessa direção.
No que se refere à economia, o processo já não poderia mais ser chamado, a meu ver, de recessão. Nós estamos verdadeiramente em uma depressão econômica. Quando o PIB cai 3% e a perspectiva para o ano seguinte é de não recuperação, claramente, nós estamos em uma situação que eu chamaria de depressão. A depressão tem uma característica muito especial e perversa: é que ela se autoalimenta, ou seja, com tudo mais constante, nada especial se fazendo, ela continua se aprofundando. O fato é que nós temos aí um desemprego galopante, as taxas de desemprego aumentando, os rendimentos das famílias em declínio. O declínio só não foi pior porque as pessoas que perdem emprego têm a contrapartida das compensações sociais que elas recebem - seguro desemprego, fundo de garantia, a multa do fundo de garantia, o aviso prévio -, uma série de rendimentos que vêm para as famílias de uma vez por todas, e que permitem que elas suportem a situação por seis meses.
Mas, posteriormente, elas vão ter que fazer face à dura realidade da queda da renda, do desemprego, da contração do seu consumo, que será mais forte do que eventualmente poderiam ter previsto. Paralelamente, temos uma deterioração clara dos serviços sociais, entre os quais, à frente, a saúde. E acabei de ouvir declarações de autoridades governamentais a respeito da saúde de que, neste ano, apenas considerando as despesas normais do setor, há uma carência de cerca de R$ 8 bilhões no orçamento. E as despesas normais são, por si só, insuficientes.
Portanto, é uma situação crítica, que se projeta por todos os Municípios de todos os Estados brasileiros, uma vez que Estados e Municípios não têm condições de cobrir o déficit que vem da área federal, da área da saúde. E, mais ainda, eles não têm condições, muitas vezes, de cumprir a sua parte, exatamente porque suas receitas estão caindo. Não preciso dizer que as receitas estaduais, tendem a cair cerca de 10% em termos reais neste ano. É essa a situação do Brasil.
Mas, o fato é que, em torno dela, o governo do PT, o próprio Partido dos Trabalhadores, a todo tempo, desenvolve ou tenta implantar mitos na consciência nacional. Um deles é o de que a situação econômica é ruim por causa da desestabilização promovida, no Congresso, pelas oposições. É uma afirmação falsa, que a muitos pode parecer plausível, mas ela é falsa. Isso não é o que tem acontecido. O determinante para explicar a situação atual não foi a atuação do Congresso ao longo deste ano. Poderia até ter sido. As bombas fiscais existem - todos nós sabemos que a propensão, aqui no Congresso para votar aumento de despesas, é muito forte -, mas isso não teve, até agora, um efeito concreto nas contas. Inclusive, no caso das chamadas "bombas", o veto a elas não foi ainda examinado - o que adia seus efeitos - e elas têm efeito de médio e longo prazo. O que me leva sempre a argumentar, para aqueles que são da oposição e que acreditam estar votando no "quanto pior, melhor", que isso não deve ser feito, porque isso compromete, não o Governo Dilma - porque mais comprometido do que ele está parece impossível - mas o País. É um governo que tem o apoio, de fato, de menos de 10% da população brasileira.
Mas, as bombas fiscais potencialmente comprometem o nosso futuro, comprometem os próximos governos do país, até porque muitas delas estão inseridas em emendas constitucionais e, nesse sentido, são irreversíveis.
Mas queria trazer essa análise e sublinhar a falsidade desse mito - de que a desestabilização vem da atuação da oposição no Congresso - em função de algo atual, que está para acontecer, mas ainda não aconteceu.
Refiro-me ao projeto que amplia os limites de faturamento do Simples Federal para efeito da tributação já no próximo ano ou, possivelmente, para 2017, caso seja incluída a cláusula que adia por um ano a vigência da medida, pela Relatora, Marta Suplicy, aqui no Senado.
Refiro-me ao Projeto nº 125, de 2015, que altera uma lei complementar que vem de 2006. Pois bem, o projeto aumenta os limites do Simples, os limites de faturamento das empresas enquadradas no Simples, que passarão dos atuais R$ 3,6 milhões para R$ 14,4 milhões. É uma ampliação realmente considerável do Simples Nacional.
É evidente que isso gera, isso promove, queda de arrecadação. É evidente, também, que vai aumentar a concorrência para as pequenas empresas, aquelas que têm menos de R$ 3,6 milhões de faturamento, que hoje estão no Simples. Com relação às empresas maiores, isso é óbvio, porque passa a haver uma equanimidade tributária entre as menores empresas e as médias. E é evidente, também, que isto terá um impacto grande, como eu disse, nas finanças públicas, na arrecadação.
Segundo a expectativa do Governo, a perda de receita é da ordem de R$16 bilhões, ou seja, esse é o custo da mudança do teto do simples de R$ 3,6 milhões de faturamento para mais de R$14 milhões. Essa elevação do faturamento admissível para enquadramento, o aumento das possibilidades de adesão ao Simples, vai provocar uma queda na receita, meu caro Senador Medeiros, estimado em R$16 bilhões.
Isto foi avaliado por minha assessoria, mas eu tive o cuidado de ligar para o Secretário da Receita, Dr. Rachid, que me confirmou essa avaliação, ou seja, a redução anual de receita tributária para o Governo Federal será da ordem de R$16 bilhões. Para que se tenha uma ideia, esses R$ 16 bilhões equivalem a pouco menos de um terço - um terço - do déficit primário estimado para este ano.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Serra, permita-me...?
O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - V. Exª falou que o Secretário de Receita Nacional está dizendo que haverá perdas.
Eu recebi a visita do Prefeito de Cuiabá, que é a capital do Mato Grosso, em meu gabinete, extremamente preocupado. Ele e outros prefeitos externaram que haverá perdas também. E, aproveitando - eu estou falando isso para os nossos telespectadores, aproveitando a oportunidade, porque o Senador Serra é um experto no assunto -, eu queria que V. Exª, se pudesse, esclarecesse até para esses prefeitos, que estão extremamente preocupados, se essas perdas também são reais para essas prefeituras. No caso, ele me trouxe um cenário desolador para a cidade de Cuiabá.
O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Originalmente, sim. Ou seja, o projeto que foi para a Câmara, que foi apresentado na Câmara, implicava perdas para Estados e Municípios. Inclusive, mexia no esquema da substituição tributária nos Estados. Substituição tributária é um método de cobrança de impostos segundo o qual se cobra, por exemplo, o ICMS totalmente na origem. Começou com automóvel, bebida e cigarro. Em vez de a Receita estadual arrecadar em cada etapa - um automóvel sai da fábrica, depois vai para a empresa de comércio, depois vai para uma outra menor, isto é, em cada etapa vai-se cobrando o ICMS - cobra-se tudo na origem. Esse sistema de cobrança em cada ponto da cadeia valia também para bebidas, para cigarros... Até um bar, uma biboca da periferia de uma grande cidade, recolhia o ICMS.
Há muitos anos, quanto eu estava no governo Montoro, nós implantamos a substituição tributária. Você faz uma estimativa do valor adicionado em cada etapa, mas cobra tudo na origem. Isso significou um combate muito eficaz da sonegação. Quanto menos etapas para cobrar o imposto, quanto mais concentrada a cobrança na origem, mais se economiza nos custos de cobrança e menos se sonega.
Pois o projeto, originalmente, quando estava na Câmara, mexia com isso. Ocorre que os Estados, as secretarias estaduais de Fazenda se mexeram e alteraram o projeto, de maneira que o que vem para o Senado, hoje, só gera perdas para o Governo Federal, não mais para Estados e Municípios.
Nesse sentido, se se referir a esse Projeto nº 125, que veio da Câmara, não há perdas para Estados e Municípios. V. Exª pode tranquilizar os seus prefeitos.
Queria também acrescentar e tornar mais claro o que eu vinha dizendo sobre a meta de superávit primário para esse ano, a meta original do Governo Federal, que era de cerca de R$ 55,3 bilhões. O que é o superávit primário? É o superávit antes de serem pagos os juros, ou seja, receita menos despesa, sem pagar juros, que daria algo da ordem de R$ 55 bilhões. É incrível isso, mas é verdadeiro. A meta era essa, mas qual é o resultado projetado para esse item - superávit primário - até o fim deste ano? É menos R$51,1 bilhões, ou seja, de um superávit de mais de R$50 bilhões, tem-se um déficit maior do que R$50 bilhões!
Pois bem, o que eu queria dizer é que a perda de arrecadação por conta de projeto de lei do Simples equivale praticamente a um terço do déficit primário deste ano - para que se tenha uma ideia do tamanho dessa medida, do impacto que terá - isso é equivalente ao que o governo espera obter no próximo leilão de concessão de energia hidrelétrica. Não estou entrando no mérito, ninguém é contra reduzir imposto. Adoraríamos viver numa sociedade em que os impostos fossem muito menores do que no Brasil, adoraríamos, a cada mês, aqui, aprovar medidas que reduzissem tributos e tudo mais, mas temos de atentar para a situação atual. Na situação atual, esse projeto implica em R$16 bilhões de perdas. Para se ter uma ideia do tamanho, é quase um terço do buraco deste ano; e isso será permanente, começa a partir de 2016, ou 2017, e será permanente nos anos subsequentes.
Há um argumento que sempre se dá, no caso tributário, e que quase nunca é verdadeiro, de que, à medida que se reduz imposto, à medida que se aumentam limites de isenção, o pessoal mais - pelo aumento da produção ou do faturamento - e isso compensa a queda da alíquota ou a isenção. Isso não existe!
Quando decidi estudar economia, levei muito em conta uma recomendação de uma professora inglesa, de Cambridge, na Inglaterra, Joan Robinson, que disse, na abertura de um livro dela: "Quando os alunos me perguntam se vale a pena estudar economia, eu respondo que sim, mas vale a pena estudar para aprender a não ser enganado pelos economistas e não para aprender receitas prontas a respeito da realidade."
Na verdade, aprender a não ser enganado pelos economistas é uma grande arte, e, modéstia à parte, eu tenho desenvolvido isso desde que comecei no exterior, ainda no exílio, a estudar economia, porque, no Brasil, eu estudava engenharia.
Essa tese de que abaixar imposto aumenta a arrecadação - não vale em quase nenhum caso, precisa ser uma coisa muito excepcional para ocorrer a queda - e não será válida neste caso.
Agora, esse é um número que nós podemos debater aqui, é algo sobre o que podemos conversar, podemos trocar ideias, argumentar e contra-argumentar, mas o mais espantoso, meu caro Presidente Medeiros, é que a Liderança do Governo do PT no Congresso está apoiando essa medida, ou seja, está apoiando a redução da arrecadação tributária em R$16 bilhões, frontalmente contra aquilo que recomenda a área econômica do Governo Federal, particularmente do Ministério da Fazenda. Essa é uma coisa extraordinária. Ou seja, o trabalho de oposição não está sendo feito pela Oposição; o trabalho está sendo feito pelo PT dentro do Congresso.
E aqui eu chego, inclusive, a uma outra conclusão. Não digo que, quando o Líder do Governo nas duas Casas disse que está a favor do projeto, ele estivesse pensando em derrubar o Governo Dilma. Não estou insinuando isto - ele, pessoalmente -, mas a lógica da atuação do PT nessas matérias é a lógica de bombardear o Governo Dilma. Pode até estar certo. Não estou aqui fazendo juízo de valor a respeito de quem está certo ou errado nessa matéria tributária. Estou apenas dizendo que são R$16 bilhões de custos, que devem ser, provavelmente, aprovados, a menos que haja mudança, aqui no Senado - volta para a Câmara, mas será mantido, com toda a certeza -, e corroerá as receitas do Tesouro Federal em R$16 bilhões, uma quantia imensa. Podemos avaliar o seu tamanho, mostrando que é um terço do buraco fiscal deste ano. Mesmo que comece em 2017, a situação fiscal não estará confortável lá, muito pelo contrário.
E quem estiver a frente da economia lá vai ter de topar com esta queda brusca da receita, pois essa medida é um incentivo, é uma espécie de desoneração, chamemos assim, embora tecnicamente não seja. Mas é renúncia à arrecadação, como a desoneração fiscal feita a partir de 2012, e que deu um buraco que alguns estimam em 100 bilhões de reais, e que foi, em grande parte, responsável pela situação fiscal que se vive. E que não foi coisa da oposição.
A ideia, na época, era parecida: a desoneração iria ativar a atividade econômica e compensaria a queda da alíquota com maior produção. Coisa que evidentemente não aconteceu e não vai acontecer no caso desta ampliação do Simples a partir de 2016 ou de 2017.
Então, é para isso que eu quero chamar a atenção. Nós temos a Liderança do Governo no Congresso, o Partido do Governo, jogando contra o Governo em uma questão fiscal extremamente delicada.
Eu acho importante que os meus colegas no Senado, é muito importante que a opinião pública, tenham isso em mente independentemente da sua valoração. Muitas pessoas serão a favor, muitos parlamentares serão a favor, outros serão contra. Não é o ponto central da minha análise. O ponto central da minha análise é a contradição entre a política do Governo Dilma, a política econômico-financeira, e a orientação da Bancada do PT dentro do Congresso. E mais do que bancada do PT, porque, no caso, a orientação vem da liderança do Governo, envolve todos os partidos da base do Governo, que recebem a orientação para votar a favor de um projeto que retira 16 bilhões da arrecadação.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Parabéns Senador Serra, V. Exª sempre muito claro no sistema de economia e fez um pronunciamento de um assunto muito técnico, mas porém muito esclarecedor, principalmente esclarecedor para os Prefeitos do Estado de Mato Grosso que estavam extremamente preocupados com isso.
O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Se me permite, retomo. Quando iniciava a minha fala, o Presidente me perguntou a respeito dos efeitos dessa mudança, dessa ampliação do simples sobre estados e municípios. Eu disse: o efeito de perda direto foi eliminado na Câmara por trabalho dos Secretários Estaduais de Fazenda, porque mexia-se, no caso, na substituição tributária, que é um instrumento eficaz de arrecadação que os Estados utilizam, que significa arrecadar boa parte do ICMS na sua origem, e não nas diferentes etapas da comercialização, o que diminui a sonegação.