Pela Liderança durante a 201ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a situação do povo Saharauí, habitantes originários do Sahara Ocidental, e apelo ao Ministério das Relações Exteriores pelo reconhecimento da República Árabe Saharauí Democrática (RASD) como país.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Preocupação com a situação do povo Saharauí, habitantes originários do Sahara Ocidental, e apelo ao Ministério das Relações Exteriores pelo reconhecimento da República Árabe Saharauí Democrática (RASD) como país.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2015 - Página 311
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POVO, HABITAÇÃO, LOCAL, REGIÃO ARIDA, AFRICA, MOTIVO, COLONIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA, MARROCOS, MAURITANIA, DEFESA, IMPORTANCIA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), SENADO, APROVAÇÃO, INDICAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, RECONHECIMENTO, INDEPENDENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Esclarecida a sequência das falas.

    Eu venho a esta tribuna, Sr. Presidente, para lhes falar da saga do povo saharauí. Talvez raros brasileiros saibam onde vive esse povo. Vou falar do sofrimento desse povo, que luta desde 1885, quando invasores estrangeiros invadiram seu território, mantendo-o até hoje sob condição de opressão, de violência e extrema perseguição política. O povo saharauí vive no Deserto do Saara. Eu vou relatar um pouco a luta e a resistência desse povo.

     Antes, gostaria de lembrar que, no ano passado, precisamente no dia 13 de dezembro do ano passado, nós fizemos uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos para tomar conhecimento da luta do povo saharauí. Ali estiveram representantes desse povo que vive no deserto cercado por dois países: Marrocos e Mauritânia.

    O Saara Ocidental tem 265 mil quilômetros quadrados e está localizado na África Setentrional. Limita-se ao norte com o Marrocos, a leste com a Argélia, ao sul com a Mauritânia e, a oeste, com o Oceano Atlântico, por onde faz fronteira marítima com a região autônoma espanhola das Ilhas Canárias. Sua capital é El Aaiún.

    O Saara Ocidental está na lista das Nações Unidas de territórios não autônomos desde a década de 1960 - vejam o que faz o colonialismo! As potências coloniais invadiram a Ásia, a África e, depois, o processo de descolonização deixou um rastro de destruição, opressão e morte.

    O controle do território é disputado pelo Reino de Marrocos e pelo movimento independente Frente Polisário, que luta em defesa do povo saharauí.

    Sua população é de aproximadamente 500 mil habitantes. E aqui eu tenho algumas dúvidas. Fala-se em um milhão de habitantes, até porque é um Estado sem território. Logo, não tem uma estrutura organizada capaz de nos oferecer estatísticas precisas sobre sua população. De toda forma, calcula-se que pode ter de 500 mil a um milhão de habitantes.

    Metade dessa população é composta por colonos marroquinos, e a outra parte, pelo povo saharauí, população local que reivindica sua independência - antes, da Espanha, porque a Espanha invadiu o Saara Ocidental; com a descolonização, do Marrocos, que tomou o lugar dos colonialistas espanhóis.

    Em 1885, após a Conferência de Berlim, a zona do Saara Ocidental se tornou colônia espanhola. Os espanhóis invadiram o Saara, que fica muito próximo da Península Ibérica, no Mar Mediterrâneo.

    É uma viagem muito curta de Portugal e Espanha até o Marrocos; e, de lá, até o Saara.

    Na primeira metade do século XX, a condição de colônia se manteve. Após a entrada da Espanha na ONU, a opção não foi pela independência, que deveria ser, como fez Portugal com Moçambique, Angola, Cabo Verde e Guiné Bissau, mas, sim, em fazer do Saara Ocidental a 53ª província espanhola. Eles insistiram na presença colonial.

    Em 1975, o último ano do franquismo, uma ditadura que durou décadas depois da revolução, da guerra civil espanhola, a Espanha, para fazer frente à invasão marroquina, conhecida como "Marcha Verde" - imagine, Sr. Presidente, cerca de 350 mil marroquinos marcharam em direção ao território saharauí -, não resistiu - é claro - e abriu mão do território saharauí. Mas abriu mão de forma desastrosa, abandonando aquele povo à sua própria sorte. E, com base no Acordo Tripartite de Madri, assinado no dia 14 de novembro de 1975, entregou o território ao Marrocos e à Mauritânia, dividiu o território saharauí e entregou aos dois países.

    Teve início, então, uma guerra entre o povo saharauí - e imagine uma guerra de um povo nômade - e o Marrocos e a Mauritânia, que são grandes países da Costa Atlântica africana.

    Com a invasão, a maior parte da população local exilou-se no deserto argelino. Foram criados grandes acampamentos de refugiados, existentes até hoje, localizados no sul da Argélia, próximo à fronteira com o Saara Ocidental e bem próximo à fronteira do território do Saara, mas do lado argelino. Conhecidos os acampamentos pelo nome de Tinduf, que é uma cidade quase na fronteira do Saara Ocidental, cidade argelina, e Tifariti, onde vivem aproximadamente entre 100 e 150 mil saharauís, em tendas de campanha. Já há quarenta anos que existe esse acampamento de refugiados saharauí na Argélia.

    O governo no exílio do Saara Ocidental tem o nome de República Árabe Saharauí Democrática (RASD). Foi proclamado pela Frente Polisário, em 27 de fevereiro de 1976. Em fevereiro do ano que vem, faz quarenta anos que foi proclamada a independência do Saara Ocidental.

    A RASD (República Saharauí Democrática) é reconhecida internacionalmente por 80 estados e mantém embaixadas em muitos deles, sendo membro da União Africana desde 1984, carecendo, no entanto, de representação da ONU.

    O primeiro estado que reconheceu a RASD foi Madagáscar, em 28 de fevereiro de 1976. Em 2001, a África do Sul torna-se o 60º país a reconhecer a independência do Saara.

    Esclareço que o Brasil, até hoje, não só não reconheceu a independência como também não permite nem mesmo uma representação, um escritório desse país sem território aqui no Brasil, o que mostra que o País ainda tem um certo atavismo com o colonialismo. O Governo brasileiro não reconhece a independência do Saara Ocidental. Falo isso desde 1976, ou seja, há 40 anos. Mesmo com aquele enorme acampamento de refugiados na Argélia, mesmo com 80 países que já reconheceram - vários da América Latina, da América do Sul - o Estado Saharauí, o Brasil não reconhece. Acho isso uma falta de identidade com a liberdade e com a autodeterminação dos povos.

    Acompanho a luta do povo saharauí desde a época em que eu estava no exílio em Montreal, no Canadá. Eu os conheci, tomei contato com a luta deles logo depois que foi proclamada a independência da guerra contra a Mauritânia e o Marrocos...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... e nós nos posicionamos em defesa do povo saharauí.

    Em 1979, a Mauritânia deixou o conflito e também o território ocupado.

    Somente em 1991, após um cessar fogo promovido pela ONU, Marrocos, Organização para a União Africana e Frente Polisário assinaram um acordo de paz, que tinha como principal ponto a celebração de um referendum de autodeterminação para o povo saharauí, o que deveria ocorrer em 1992. Nós estamos em 2016, e até hoje isso não ocorreu.

    Entretanto, não houve essa consulta por um impasse entre a Frente Polisário e o Marrocos. Pelo interesse de outras nações nos recursos minerais, inclusive do Brasil, o impasse não é mediado pela ONU, que mantém na região uma missão especial, que não conta com um mandato de defesa dos direitos humanos, mas como testemunho cúmplice...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... da repressão marroquina frente à população local.

    Dessa forma, o território do Saara Ocidental continua até hoje uma zona pendente de descolonização. Com o tempo, o povo saharauí deixou de combater os invasores com violência, e os conflitos bélicos cessaram. Porém, eles não deixaram de lutar e reivindicar por seu território.

    Os acampamentos de refugiados de Tindouf e Tifariti, no deserto argelino, existem há décadas - como falei, há 40 anos - e hoje são o principal foco de resistência política saharauí, e onde vivem as principais lideranças da Frente Polisário.

    Em 2010, surgiu uma nova forma de resistência pacífica nos arredores de El Aaíun (capital do território saharauí), com a criação de um novo acampamento de membros da resistência saharauí, chamado Gdeim Izik, também conhecido por acampamento da dignidade, que reivindica o fim da exploração dos recursos naturais do Saara Ocidental por parte do Marrocos...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... e a autodeterminação do povo saharauí.

    O governo marroquino, a princípio, reconheceu a legitimidade do acampamento, mas provou a sua brutal repressão ao povo saharauí com a construção de um gigantesco muro. Imaginem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Fernando Bezerra, talvez seja o único caso da história, com exceção da Muralha da China. O Marrocos construiu um muro com 2.720km de extensão, conhecido como muro da vergonha, dividindo o território do Saara Ocidental e isolando a população no deserto, impedindo o acesso da população à costa atlântica.

    É hoje essa muralha, Sr. Presidente... Para nós, brasileiros, é difícil entender que haja uma muralha. Nós entendemos do Muro de Berlim, mas não acudimos a uma situação brutal...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... em que uma população é absolutamente isolada por uma barreira, um muro construído que, a cada 50km, tem um agrupamento militar para impedir que os saharauís entrem no território marroquino.

    O muro marroquino conta, a cada 5km, com uma base militar com cerca de cem soldados, além de radares e unidades móveis a cada 60km de muro. O gasto estimado com o muro é de aproximadamente US$2 milhões por dia.

    Outra ferramenta bastante utilizada pela repressão marroquina são as minas terrestres - vejam só! São as minas terrestres. Em todo o território ocupado são cerca de sete milhões de minas espalhadas, o que faz da região uma das zonas...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... com o maior número de minas terrestres do mundo. Até hoje, já são mais de 2.500 os mortos por conta de tais minas, além de outros milhares de feridos e mutilados.

    Os dois países que concentram o maior número de minas são exatamente o Saara Ocidental e Moçambique, com centenas de milhares de pessoas atingidas, mutiladas por essa agressão aos direitos humanos, por essa violência inusitada.

    Pelo aqui narrado, espero que, amanhã, a Comissão Direitos Humanos - aliás, hoje, aprove; na verdade, amanhã, a Comissão de Relações Exteriores - aprove uma indicação nossa, para que, finalmente, o Governo brasileiro reconheça a independência da república do povo saharauí. Reconheça a sua independência e abra a possibilidade de recebê-los. Os diplomatas do governo saharauí no exílio, para entrar no Brasil, entram com visto de turista, Sr. Presidente.

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Isso é uma situação vergonhosa, e o Brasil não pode continuar mais compactuando com isso.

    Por isso, eu peço que o Governo brasileiro, a Presidente Dilma, o Ministro de Relações Exteriores atendam ao nosso apelo. Nós vamos, amanhã, à Comissão de Relações Exteriores - e eu peço apoio dos Senadores - para que votemos essa indicação pelo reconhecimento, finalmente, da independência do povo saharauí.

    Era isso, Sr. Presidente. Espero contar com o apoio dos Senadores e das Senadoras para que demonstremos a nossa indignação diante da violência, da agressão e da falta de liberdade no Sahara Ocidental.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2015 - Página 311