Discurso durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da violência obstétrica.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Considerações acerca da violência obstétrica.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2015 - Página 124
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, REFERENCIA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, PERIODO, REALIZAÇÃO, PARTO, ELOGIO, PROGRAMA DE GOVERNO, AUTORIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ASSUNTO, MELHORIA, TRATAMENTO MEDICO, ACOMPANHAMENTO, NASCIMENTO.

    A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo /PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em virtude da aproximação do Dia Internacional do Combate de Violência Contra às Mulheres (25/11) e da Audiência, de minha iniciativa, que será realizada na Comissão de Direitos Humanos, no dia 02/12, pronunciarei este discurso sobre violência obstétrica.

    A alegria em relembrar o nascimento de um filho pode ser ofuscada pela truculência que centenas de mulheres experimentam durante o parto. Trata-se da violência obstétrica! Um tipo de violência ainda pouco denunciada, muitas vezes por falta de informação, que vai desde o tratamento dado pela recepcionista das maternidades às imposições médicas.

    Mulheres são submetidas a procedimentos desnecessários, atendimento desrespeitoso e ficam com marcas não só no corpo, mas feridas profundas, que permeiam a lembrança. O direito garantido na Lei 11.108, de 07 de abril de 2005, que garante às parturientes o direito à presença de acompanhante, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, sequer é respeitado! Tornando, portanto, traumático, o momento que deveria ser de felicidade e plenitude!

    A propósito faz se oportuno destacar o que menciona a Constituição Federal, de 1988, acerca do SUS, nos Artigos 198 a 200: Ela estabelece como diretrizes do Sistema Único de Saúde a descentralização, com direção única em cada esfera de governo; o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e a participação da comunidade.

    No nosso atual cenário, onde 1 em cada 4 mulheres afirma ter sofrido abuso durante o parto (Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo - PT), o desafio está em combatê-lo nos mais variados níveis: físico, psicológico, institucional, sexual, material, midiático e, principalmente, sociocultural!

    No Brasil, o parto normal é associado a dor e sofrimento, o que gera conflitos de natureza emocional e expõe a fragilidade feminina! Algumas angustias e mitos, tais como: medo do trabalho de parto, medo do desempenho, medo de comprometer o bem-estar fetal e medo da anestesia, fornecem subsídios às usuárias dos planos de saúde a optarem pela cesárea em grandes escalas.

    Nesse processo sociocultural, onde o Brasil ocupa o ranking de cesáreas no mundo (segundo a Organização Mundial de Saúde), o parto deixou de ser um evento privativo da mulher, passando a ser um evento institucionalizado e direcionado a um cuidado técnico em que o médico é seu fiador. Perante a situação, precisamos lutar pelo fim do “business” do nascimento, que apressa partos e induz cesáreas sem respeitar a fisiologia da mulher.

    É primordial que busquemos soluções a partir das raízes do problema, que são: falta de políticas públicas adequadas, profissionais desqualificados, hospitais e maternidades sucateados e sem ferramentas essenciais ao parto!

    Repudiar veemente a violência obstétrica e qualquer outro tipo de agressão contra as mulheres é mais que um dever do Poder Público, dos profissionais de saúde e técnico-administrativos de instituições públicas e privadas! É, além de dever, um compromisso e missão de oferecer tratamento humanizado e respeitar a autonomia da mulher!

    Acompanhando a evolução da temática, verifica-se que, em 2014, a Organização Mundial da Saúde publicou um documento condenando a violência obstétrica, enquanto, nos anos 1990, já havia atenção ao assunto entre defensores de direitos das mulheres, mas a maior parte da comunidade médica não considerava o tema merecedor de debate.

    Atualmente, a referência é o Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento, instituído pelo Ministério da Saúde e executado em articulação com as Secretarias de Saúde dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, e tem por objetivo o desenvolvimento de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-nascidos, promovendo a ampliação do acesso a estas ações, o incremento da qualidade e da capacidade instalada da assistência obstétrica e neonatal bem como sua organização e regulação no âmbito do Sistema Único de Saúde.

    No Programa, destaco a humanização, que compreende, entre outros, dois aspectos fundamentais ao assunto debatido. O primeiro diz respeito à convicção de que é dever das unidades de saúde receber com dignidade a mulher. Isto requer atitude ética e solidariedade por parte dos profissionais de saúde, organização da instituição de modo a criar um ambiente acolhedor e adotar condutas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto à mulher. O segundo refere-se à adoção de medidas e procedimentos sabidamente benéficos para o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando práticas intervencionistas desnecessárias que, embora tradicionalmente realizadas, não beneficiam a mulher nem o recém-nascido, podendo acarretar maiores riscos para ambos.

    Nesse panorama, reitero que o nosso grande desafio está em combater práticas institucionalizadas no atendimento de saúde do país e em incentivar a humanização do parto! Inclusive, um dos meios de humanizá-lo far-se-ia pelo reconhecimento e apoio do SUS ao trabalho de parto realizado por parteiras tradicionais, tendo por base as especificidades de cada região.

    As parteiras tradicionais, geralmente mais velhas e sem formação acadêmica, são mulheres detentoras de conhecimentos acerca de costumes, técnicas e saberes “da arte de trazer gente ao mundo”.

    Embora a maioria dos partos ocorra em ambiente hospitalar, o parto e nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais estão presentes no País. Principalmente nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo nas áreas rurais, ribeirinhas, de floresta e em populações tradicionais quilombolas e indígenas.

    Contudo, a prática, por não estar incluída no SUS e nem mesmo ser reconhecida como uma ação de saúde que se desenvolve na comunidade, ocorre de forma precária e em situação de exclusão e isolamento, sem respaldo e apoio da rede de atenção integral à saúde da mulher e da criança.

    Por fim, apresento-lhes uma reflexão: “Para mudar o mundo é preciso primeiro mudar a forma de nascer”. A frase famosa é do médico obstetra e pesquisador Michel Odent, referência internacional do parto humanizado e cai como uma luva para o contexto brasileiro!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2015 - Página 124