Discurso durante a 200ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o aumento da violência contra as mulheres no Brasil, de acordo com dados divulgados pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Preocupação com o aumento da violência contra as mulheres no Brasil, de acordo com dados divulgados pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2015 - Página 177
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, AUTORIA, FACULDADE LATINO-AMERICANA DE CIENCIAS SOCIAIS (FLACSO), ASSUNTO, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, APREENSÃO, AUMENTO, OCORRENCIA, AGRESSÃO, ENFASE, NEGRO.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, nós todos recebemos, com muita preocupação, os recentes dados divulgados pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, que atestam uma assustadora escalada de violência contra as mulheres no Brasil.

    O chamado Mapa da Violência 2015 externa principalmente que o homicídio contra as mulheres negras aumentou em mais de 50%, somente no intervalo de uma década, em nosso País. Isso é aterrador.

    Todas as ações tomadas ao longo desse período, todas as discussões empreendidas nos últimos 10 anos não foram suficientemente eficazes para frear esse processo de dizimação das mulheres brasileiras, que está em curso. Esse não é um assunto de governos, esse é um assunto que deve ser objeto de reflexão profunda de toda a sociedade, porque são nossas mães, nossas irmãs, nossas filhas, nossas mulheres, enfim, que vem sendo exterminadas diariamente, e esse é um tema que diz respeito a todos nós.

    A análise do Mapa da Violência revela que 50,3% das mortes violentas de mulheres são cometidos por seus próprios familiares e 33,2% por parceiros ou ex-parceiros. Ou seja, os agressores estão dentro de casa e, muitas vezes, dividem a mesma cama com as vítimas. Então, não adianta querer observar essa tragédia apenas pelo prisma policial, porque não há como colocar polícia em cada lar brasileiro para prevenir a violência. Essa é, fundamentalmente, uma questão cultural de desrespeito à condição das mulheres, que precisa ser enfrentada e mudada se quisermos alterar esse quadro dantesco da realidade brasileira.

    De 1980 a 2013, mais de 106 mil mulheres foram assassinadas neste País. Somente em 2013, foram quase 5 mil. São 4,8 homicídios registrados para cada 100 mil mulheres, o que nos coloca como a quinta pior nação do mundo, entre 83 avaliadas. Subimos duas posições nesse ranking nefasto, tendo em conta que, em 2013, nós ocupávamos a sétima posição, e isso nos coloca numa situação muito pior, por exemplo, do que a Síria, um país há 4 anos em uma sangrenta guerra civil, mas que ocupa a 64ª posição em morte de mulheres nesse levantamento elaborado.

    Chama a atenção o fato de esse avanço dos homicídios ocorrer, com mais virulência, justamente sobre uma das faixas populacionais mais vulneráveis da nossa sociedade: a das mulheres negras.

    Enquanto, de 2003 a 2013, houve uma alentadora queda de 9,8% na quantidade anual de homicídios de mulheres brancas, é desolador observar que os assassinatos de mulheres negras subiram 54% no mesmo período. Quando comparamos brancas e negras, a elevação de mortes das segundas em relação às primeiras foi superior a 190% em dez anos.

    Esses tristes dados evidenciam uma perversa combinação entre sexismo e racismo na nossa sociedade. Eles expõem uma tragédia na trajetória das nossas mulheres negras, que sofrem violência direta, originada de suas relações afetivas, e indireta, em razão de seus filhos e pessoas próximas também serem atingidos.

    Não é possível mais convivermos numa sociedade em que, entre um nascer e um pôr do sol, 13 mulheres sejam assassinadas.

    A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, e a Lei do Feminicídio, sancionada este ano, ajudaram, sem dúvida nenhuma, a judicializar o problema, ao criminalizar, de maneira muito específica, a violência contra as mulheres e também contribuíram - para além da letra da lei - em consolidar estruturas específicas, a partir das quais tem sido possível punir os agressores e proteger as vítimas.

    Nesse sentido, aliás, tenho um projeto de lei que concede benefício eventual às mulheres vítimas de violência doméstica enquanto persistir a sua situação de vulnerabilidade. É um projeto que este Senado já aprovou e que, agora, aguarda apreciação pela Câmara dos Deputados.

    Será mais um instrumento em defesa das vítimas, que virá se somar à tolerância zero com que o Governo da Presidenta Dilma tem tratado a violência contra as mulheres ao investir fortemente em políticas públicas nessa área. Mas, precisamos de muito mais. Não é natural convivermos com mais de 4,7 mil cadáveres femininos anualmente; em alguns Estados, como Paraíba e Roraima, vendo triplicar e até quadruplicar suas taxas de homicídios de mulheres.

    Portanto, não posso aqui deixar de responsabilizar, por parte dessa tragédia social que vivemos, essa pauta conservadora em curso atualmente no País, que tenho constantemente denunciado desta tribuna. É uma pauta obscurantista e medieval. É uma pauta que defende o armamento dos cidadãos, o encarceramento de menores, que reduz o papel da mulher na nossa sociedade, submetendo-a a leis de cunho notadamente machista, como a que humilha as vítimas de estupro com um atroz exame de corpo de delito para interromper a gravidez eventualmente havida da violência sexual, conforme aprovou recentemente comissão da Câmara dos Deputados.

    Essa é uma marcha rumo ao atraso que temos imediatamente que estancar. Quando observamos neste País que, de um total de 3,7 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que sofreram agressão de alguém conhecido, dois terços são de mulheres, isso diz muito da nossa sociedade.

    Há uma violência de gênero. E quero repetir aqui, por mais que isso incomode meia dúzia de obscurantistas que existem nesta sociedade, é uma violência de gênero, de gênero e de raça imperando no Brasil, que não condiz com aquilo que almejamos como projeto de país para nós.

    De maneira que o combate a essa violência deve ser assumido por todos, diariamente, em todos os nossos atos, deve ser ensinado às nossas crianças, especialmente aos nossos meninos, que não merecem crescer sob a marca infamante do preconceito e da discriminação de gênero e de raça.

    A violência, Sr. Presidente, especialmente a perpetrada contra os mais fracos, é um ato que nada tem de coragem. Antes de tudo, é um exercício claro de covardia, que tira vidas, que destrói famílias e que elimina as possibilidades de futuro de uma sociedade. Portanto, Sr. Presidente, espero que este Senado, diferentemente do que tem sido a Câmara, não seja um espaço de proliferação dessas ideias obscurantistas, machistas e racistas.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2015 - Página 177