Discurso durante a 26ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear o centenário de nascimento de Djalma Maranhão.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene destinada a homenagear o centenário de nascimento de Djalma Maranhão.
Publicação
Publicação no DCN de 17/11/2015 - Página 10
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, POLITICO, PROFESSOR, JORNALISTA, EMPRESARIO, ORIGEM, MUNICIPIO, NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

     O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a cada uma e a cada um.

     Senadora Fátima Bezerra, querida amiga; Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça; Ministro Emmanoel Pereira, que representa o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Sr. Antonio José de Barros Levenhagen; Sra. Ana Maria Cavalcanti Maranhão Fagundes; Sr. Haroldo Maranhão Bezerra

Cabral; Sr. Roberto de Oliveira Monte, Presidente da Comissão do Centenário de Djalma Maranhão; Prof. José Willington Germano, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autor do livro Lendo e Aprendendo -- A Campanha de Pé no Chão; e Sra. Clara Raíssa Pinto de Goés, filha de Moacyr de Góes, bom dia.

     Senadora Fátima Bezerra, quando V.Exa. me falou desta homenagem, é claro que eu pensei que não poderia estar fora dela, por diversas razões.

     A primeira, porque sou recifense e, na época em que Djalma Maranhão foi Prefeito de Natal -- eu já era adulto, embora muito jovem --, eu acompanhei. Ele, Arraes, Pelópidas da Silveira, Jango, Brizola faziam parte dessa constelação de heróis brasileiros que, para nós, representavam a Esquerda no Brasil. Eu os acompanhei

e sofri, quando ele, assim como Arraes, Brizola, Pelópidas, Jango, todos foram obrigados a deixar o País depois do golpe de 64. Eu tinha que vir aqui, como recifense daquela geração.

     Mas eu também tinha que vir aqui prestar homenagem a esse homem nordestino que é símbolo de alguns fatos, e vou citar cinco deles.

     O primeiro é o compromisso com a educação, especialmente a alfabetização. Isso é algo muito especial. Não há tantos assim no Brasil. Até temos diversos defensores da educação, mas esses acham que a alfabetização é um detalhe para as crianças. Eles nem consideram a alfabetização de adultos algo fundamental. Muitos

dizem -- são pessoas que eu respeito muito e, do ponto de vista lógico, eles até têm razão: “Concentremo-nos na alfabetização das crianças. A biologia cuidará de erradicar o analfabetismo, porque, a longo prazo, todos os analfabetos adultos estarão mortos, e os que vierem da nova geração serão alfabetizados”.

     Isso tem sentido lógico, mas não faz sentido do ponto de vista dos direitos humanos. Alfabetizar é uma questão de direitos humanos, não só de educação, quando se trata de adultos. Mesmo que uma pessoa não vá mais ter nem meses de vida, nós temos que tentar alfabetizá-la, por uma questão de direito humano. Não ser

alfabetizado, no mundo letrado, é uma forma de tortura. Alfabetizar o adulto é cumprir o princípio do Tortura Nunca Mais. O analfabetismo, no adulto, é uma forma de tortura: para uma mãe, porque ela não é capaz de ler a carta do filho ou de escrever-lhe uma carta; para o trabalhador, porque ele não é capaz de ler o nome do ônibus.

     Quando eu fui Ministro do Presidente Lula, fiz o que nós chamávamos de Labirinto do Analfabetismo. Era um galpão grande, um trailer onde a pessoa entrava -- qualquer um de nós -- e ali ficava por 1 hora como se fosse analfabeta. A pessoa circulava pelas ruas de uma cidade sem saber onde estava; sentava-se numa lanchonete sem saber o que pedir para comer, porque não lia o menu; pedia um remédio e o tomava, sem saber se o remédio que estava tomando era aquele mesmo, porque não lia o nome dele -- eu nem falo da bula. Lembro que andei por esse labirinto com o Presidente Lula e D. Marisa. Ela saiu chorando no final. Aquele que conseguisse percorrer tudo, no final, via uma placa que dizia: “Você conseguiu chegar aqui, mesmo sem ler o nome do ônibus, mesmo sem saber o nome das ruas. Agora você tem o direito de colocar sua assinatura”. Aí, uma luz acendia e aparecia uma impressão digital. Era a hora em que alguns choravam.

     Djalma teve compromisso com a alfabetização de adultos como poucos neste País. Ele é um símbolo disso -- Paulo Freire é o símbolo teórico. Eu diria que ele é o maior símbolo político da luta pela erradicação do analfabetismo no Brasil. Há muitos outros que são símbolos da educação, inclusive Brizola e Arraes, que foram importantes, mas Djalma é símbolo específico da luta pela erradicação do analfabetismo.

     Djalma é símbolo também da Esquerda que luta por reformas, que não se contenta apenas com um salário maior para o trabalhador, que quer um sistema de saúde que funcione, um sistema educacional que funcione, um sistema bancário que sirva ao desenvolvimento do País, uma estrutura agrária que sirva não só à economia do Brasil, mas também ao bem-estar daquele que trabalha a terra. Por isso, ele lutou pela reforma agrária. Ele foi um político das reformas.

     Djalma é símbolo de métodos alternativos de governar. O modo petista de governar estava em Djalma em muitos aspectos, Senadora Fátima. Ele pensava! A campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler é uma dessas ideias. A ideia da austeridade nas políticas públicas é algo novo que ele simboliza.

     Djalma é também símbolo da luta pelo enfrentamento de ditadores e opressores. Pode-se dizer até que ele deu a própria vida nesse enfrentamento, porque morreu tão jovem, no exílio. Ele deu a própria vida, quando poderia tê-la conciliado com suas lutas, como alguns fizeram. Mas ele foi do time do Arraes, do time

do Gregório Bezerra, do time do Prestes, do time de um conjunto de heróis que não se curvaram, que enfrentaram, que brigaram.

     Finalmente, Djalma é símbolo também de algo que nos deve preocupar: desde a sua saída do Governo, há 55 anos, nós não fizemos aquilo que deveríamos fazer no Brasil e continuamos com 13,2 milhões de analfabetos adultos.

     Lembrar Djalma é lembrar o que nós não fizemos depois que Djalma passou. Nós não fizemos o dever de casa referente à erradicação do analfabetismo.

     A diminuição do analfabetismo tem sido tão lenta nos últimos anos, que eu temo -- nunca consegui comprovar ainda -- que tenhamos conseguido essa redução não por alfabetizar mais adultos, mas porque eles morreram. A diminuição foi por conta dos que morreram e não só porque nós alfabetizamos mais crianças hoje

do que antes. Ainda está aberta a torneirinha pela qual pingam analfabetos adultos, quando jovens completam 15 anos sem a escolaridade devida. Se fizermos uma comparação entre o número de adultos que pingam e o número de analfabetos que morrem, vamos ver que nesse último caso está o motivo da pequena diminuição

no número de analfabetos que conseguimos. Isso em termos proporcionais, porque, em números absolutos, hoje, é provável que haja mais analfabetos adultos do que naquela época. É provável, não sei. Vou olhar isso.

     Djalma é símbolo das reformas de base, e nós não fizemos até hoje todas as reformas de base necessárias, que este País queria fazer, que ansiava por fazer, que o Governo queria fazer, mas que os militares de 1964 impediram.

     Nós não podemos mais jogar a culpa nos militares. Já faz mais de 30 anos que eles nos passaram o poder, e não fizemos ainda as grandes e profundas reformas de base. Até temos hoje, com os pobres, gestos de generosidade que não existiam antes; até tivemos nos últimos anos algumas políticas educacionais positivas; até temos um Sistema Único de Saúde, o que não tínhamos. Mas não temos reformas estruturais que assegurem não apenas uma ajuda aos pobres, mas a sua saída de fato da pobreza, a emancipação do povo.

     Essa é a palavra que estava por trás daqueles homens, inclusive Djalma: emancipação. Alfabetização é um gesto de emancipação. Essa emancipação nós ainda não conseguimos fazer.

     Por isso, eu quero encerrar lembrando uma pequena frase da Senadora Fátima: “Quantos mais precisamos que sigam Djalma?” Esse é um evento que pode ajudar, ao ser transmitido para o Brasil, pela televisão, a

que muitos jovens descubram Djalma, entendam que houve um pensamento como o dele, uma ação política como a dele e queiram continuar o seu trabalho, que ficou incompleto.

     Creio que com 40 e poucos anos, ele saiu da Prefeitura. Não deixaram que ele completasse esse trabalho.

     Cabe a nós pelo menos inspirar os jovens para que eles o completem.

     Viva Djalma Maranhão! Vivam todos os seus feitos! E viva esse grande símbolo da educação brasileira!

     (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 17/11/2015 - Página 10