Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque a artigo publicado no jornal O Globo intitulado “Saúde mete a colher!”, em defesa do direito das mulheres.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Destaque a artigo publicado no jornal O Globo intitulado “Saúde mete a colher!”, em defesa do direito das mulheres.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2015 - Página 94
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, NECESSIDADE, COMBATE, VIOLENCIA DOMESTICA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ASSUNTO, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.

    O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores que nos assistem em casa, senhores ouvintes da Rádio Senado e aqueles que também nos acompanham pela internet, hoje eu venho à tribuna desta Casa, Senador Paim, prestar uma homenagem singela, mas de muita significância, às mulheres brasileiras, em particular às mulheres do meu Estado.

    Eu gostaria de ler da tribuna um artigo que foi publicado no jornal O Globo de hoje na página 12. Ele foi escrito...

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco União e Força/PRB - RJ) - Obrigado.

    Ele foi escrito pela Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ligia Bahia.

    Houve um episódio lamentável no meu Estado, Senador Paim, em que a esposa de um quadro político registrou queixa de agressões. O prefeito, então, disse o seguinte: "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher!" Esse é um ditado popular.

    Mas a Professora hoje faz considerações no jornal O Globo dizendo o seguinte: "Saúde mete a colher!" E eu vou passar a ler para os telespectadores os argumentos, os pensamentos, a teoria da nossa Professora Ligia Bahia.

Violência contra as mulheres é um problema de saúde pública e clínico, de proporções epidêmicas, bem como uma brutal violação dos direitos humanos. Destaca-se a preocupação com as violências, de tipo doméstico, em geral perpetrada por parceiros íntimos. São, reconhecidamente, situações de longa duração e resultam em queixas de dor, perda de memória, tontura, transtornos mentais comuns, ideação suicida, abortamentos, doenças sexualmente transmissíveis, entre outros problemas. As crianças, além de testemunhar a violência, podem também ser agredidas pelos parceiros ou pelas próprias mulheres, que adotam a hostilidade como código para se relacionar com seus filhos. Imunização infantil incompleta, maior mortalidade até os 5 anos, comportamentos infantis afrontosos e baixo desempenho escolar costumam ser consequências de condições inseguras no âmbito familiar.

Vítimas de violência conjugal utilizam com maior frequência os serviços de saúde. É difícil lidar com problemas como a violência, quase sempre identificados aos contextos sociais, normas culturais ou opções pessoais. O que fazer? Determinadas crenças dos profissionais de saúde e fatores de ordem gerencial e das próprias experiências pessoais podem dificultar a abordagem da temática da violência entre parceiros íntimos durante os atendimentos. A mais nociva é a suposição que as mulheres merecem ou provocam o abuso, caso contrário, deixariam o parceiro. Acreditar que a violência doméstica é um problema social ou legal -- mas não um problema de saúde pública, ou que não acontece entre pessoas com situação estável de emprego ou famílias com maior poder aquisitivo -- também impede o reconhecimento e atendimento de casos nos serviços de saúde. A pressão para atender muitas pessoas não estimula questionar sobre possíveis violências, já que as consultas podem demorar muito. Outro obstáculo é o temor de quem experimentou agressões similares às das pacientes de não ter estrutura emocional para realizar um adequado direcionamento dos casos.

A pergunta -- por que as mulheres permanecem em relações conjugais violentas? -- deve ser substituída pela escuta, pela atenção às queixas vagas e compreensão das circunstâncias particulares. Mulheres que vivem ou viveram situações de violência física por parceiro não escolheram livremente o sofrimento. As pesquisas comprovam que a maioria procura apoio, pede ajuda seja à família e aos amigos, seja aos serviços formais como os de saúde ou às as delegacias de defesa da mulher. O sistema de saúde pode oferecer um ambiente seguro, que permita o relato confidencial de experiências de agressão e o apoio necessário para evitar o agravamento de traumas. É imprescindível organizar e reforçar o papel da saúde como parte das respostas multissetoriais à violência contra as mulheres. Mas não basta. Apesar das iniciativas legislativas e de serviços voltados especificamente à violência contra mulheres, existem lacunas e déficits de qualidade. As elevadíssimas e persistentes taxas de homicídios de mulheres (quase cinco mil assassinatos em 2013 e aumento entre negras) sugerem que a Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, ampliou direitos das mulheres relativos ao ônus da prova, mas não foi suficiente para impactar o padrão de desigualdade e marginalização de mulheres brasileiras.

Posicionamentos e protestos públicos e os julgamentos de episódios de violência contra mulheres são cruciais para deter, reverter problemas de saúde, pesares e mortes. Atletas e políticos eminentes como Mike Tyson, Ray Rice e Dominique Strauss-Kahn foram julgados e condenados por crimes contra a integridade de mulheres. Suas carreiras foram profundamente afetadas pela exposição pública de argumentos de defesa e acusação. A rejeição das variadas tentativas de minimizar as agressões, apelar para “o silêncio entre quatro paredes” ou conspiração política dos adversários, reafirmou a distinção entre excentricidade e livre-arbítrio e violência. Além das consequências diretas, é importante evitar as reações equivocadas provocadas pela violência, especialmente as que invertem os papéis de agressor e agredido e reiteram a bondade e temperamento pacifico dos acusados, fragilizando as convenções, normas e instituições existentes para coibir delitos contra as mulheres.

É atribuição dos governos desenvolver e aprimorar planos nacionais para combater a violência contra as mulheres, incluindo ações do sistema de saúde e seus respectivos orçamentos. Mulheres vítimas de violência necessitam de apoio para sua segurança e bem-estar e de seus filhos no curto, médio e longo prazo. Cuidados de saúde eficazes voltados a combater a violência contra as mulheres contribuem para a redução da mortalidade materna e infantil. Os custos econômicos e sociais da violência são imensamente superiores aos investimentos requeridos para preveni-la e atenuar suas sequelas. As políticas e ações voltadas à saúde da mulher, não apenas da mulher gestante, são reconhecidamente prioritárias. As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como qualquer ato de violência que resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou mental ou sofrimento, incluindo ameaças [...], [chantagens], coerção ou privação de liberdade, ocorrida em público ou na vida privada. O debate eleitoral para as eleições de prefeitos e vereadores de 2016 começará mal [muito mal] se obscurecer o fato de que, entre os maiores riscos à democracia, situam-se os crimes de morte, agressões, ameaças e restrição de autonomia das mulheres.

    Que beleza de artigo! Mais não se podia dizer, Sr. Presidente, mais não se podia dizer, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado.

    Nós, no Parlamento, não podemos nos calar, não podemos nos agachar nem recuar quando se trata de defender os direitos das mulheres - mulheres que, nos cinco séculos que marcam a nossa evolução econômica, social, política e cultural, sempre, neste País, foram discriminadas.

    Lembremo-nos dos nossos antepassados, dessas mulheres bravas que, a golpes de facão, criaram trilhas na Mata Atlântica, subiram tantos morros no Sertão brasileiro, cavalgaram o Planalto Central, cruzaram o Pantanal e nos ajudaram a balizar uma das maiores geografias do mundo; essas mulheres da senzala que, durante quatro séculos, amarguraram a escravidão. E quantas mulheres afastadas da vida pública, da educação, sofreram neste País? Em memória delas, a nossa Prof. Ligia Bahia se enobrece e se engrandece ao escrever artigo, publicado hoje no jornal O Globo, que coloca na devida posição do debate político as agressões que são feitas.

    Não é possível, cita ela bem, que a mulher agredida depois seja constrangida a vir a público dizer: "Bateu, mas não doeu". Ora, é claro que todos nós que assistimos a essa declaração estamos vendo que há por trás dessa declaração um constrangimento moral, diria uma surra moral, porque ela expõe novamente uma criatura que foi vítima e que agora tenta, de alguma forma, pela sua imensa compaixão, pelo dom maior da virtude que Deus lhe deu de perdoar, consertar aquilo que não tem conserto.

    Melhor seria que o agressor tivesse se apresentado, a tempo e a hora, a uma Delegacia da Mulher, tivesse assumido sua responsabilidade, respondido ao processo, cumprido a pena e se eximido - e eximido toda a classe política - de um erro que cometeu.

    O pior pecador é o acusador, e eu não sou um acusador. Não quero acusar ninguém, mas quero tratar de saúde pública. Sou pai e tenho duas filhas, me sentiria extremamente constrangido se visse minhas filhas sofrerem agressão e, depois, terem de vir a público para tentar isentar aqueles que as agrediram.

    Como pai, como cristão, como marido, tenho o dever de subir a esta tribuna para defender as mulheres do meu Estado e do Brasil e dizer a elas que cada vez que, como a nossa Prof. Ligia Bahia, erguerem a voz em defesa delas próprias, estarão nos ajudando a construir a cidadania deste País.

    Nós, na política, temos perpetrado muitos atos que amarguram a vida pública. Nós, da política brasileira, infelizmente somos vítimas de muitos escândalos, de muitas páginas de jornais, de muitos malfeitos.

    Ora, nós, da política, que hoje, diante do nosso povo, amarguramos índices de rejeição altíssimos, não podemos nos calar. Nós não podemos nos calar quando uma figura pública, não importa quem seja, agride sua esposa a socos e pontapés de maneira violentíssima, inclusive diante do filho. E aí, por um conluio de interesses políticos, por ambições eleitorais desmedidas, insaciáveis, cala-se e relega-se o direito das mulheres ao silêncio.

     Parabéns, Profª Lígia Bahia. A senhora hoje nos redimiu a todos com o seu discurso publicado à página nº 12 do jornal O Globo e, com palavras muito bravas e bem colocadas, faz uma defesa - eu diria - à altura da bravura e da coragem moral da mulher brasileira.

    Parabéns, Professora!

 

    


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2015 - Página 94