Discurso durante a 205ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o desastre ocorrido na região de Mariana-MG e sobre os impactos ambientais da atividade mineradora.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE:
  • Considerações sobre o desastre ocorrido na região de Mariana-MG e sobre os impactos ambientais da atividade mineradora.
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/2015 - Página 86
Assunto
Outros > CALAMIDADE
Indexação
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MUNICIPIO, MARIANA (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), MOTIVO, ROMPIMENTO, BARRAGEM, CONTENÇÃO, PROPRIEDADE, EMPRESA PRIVADA, EXPLORAÇÃO, MINERIO, REGIÃO, ENFASE, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, ECOSSISTEMA, CIDADE, MARGEM, RIO DOCE (MG), SOLICITAÇÃO, APURAÇÃO, CIRCUNSTANCIAS, FATO, APOIO, PUNIÇÃO, AUTOR, ACIDENTE.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, eu também amanhã vou votar em apoio aos servidores, porque acho que bastava recuperar 1% ou 2% do que é sonegado no País para cobrir todas essas despesas. Portanto, o problema não está no salário do servidor: está na crise, na desmoralização do Estado brasileiro, que não consegue cumprir com a sua função.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores, eu confesso que, nesta tarde de segunda-feira, eu teria uma agenda muito positiva para tratar aqui da tribuna, mas a minha preocupação com o desastre de Mariana é muito grande. Eu estou realmente preocupado e com a sensação de que nós não conseguimos atingir a dimensão da tragédia. Até porque a própria Presidente da República levou dez dias para visitar a área atingida! E isso me faz duvidar: será que a Presidente foi mal informada ou ela foi enganada? Não é possível! Uma tragédia repercutiu no mundo todo, e nós, no Brasil, só agora, no final dessa semana para cá, começamos a sentir o tamanho da tragédia. Alguém tentou esconder a dimensão desse grave problema que vivemos em nosso País.

    Conversei agora há pouco com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Senador Paulo Paim, e amanhã, na reunião da comissão, acho que nós devemos apresentar um projeto para fazer uma audiência lá no distrito que foi atingido pela tragédia – duramente atingido pela tragédia.

    E eu vou mencionar agora um artigo impressionante, numa aula sobre Direito e Meio Ambiente, de Maria Lúcia Fattorelli – eu vou fazer referência ao artigo daqui a pouco. Ela nos apresenta algumas fotos do antes e do depois. Esta foto mostra como era o distrito antes da tragédia; a outra foto, depois da tragédia. E aqui, pela foto, dá para deduzirmos que a situação é muito mais grave do que se possa imaginar.

    A lama cobriu mais de dois terços da vila, da cidade, e, pela dimensão do antes, é possível ver que havia centenas de casas no distrito e que, no mínimo, entre 500 e 600 pessoas habitavam essa cidade, esse vilarejo. A pergunta é se, no momento da tragédia, essas pessoas se encontravam na cidade, porque, se se encontravam na cidade, não é possível aceitar as informações de que apenas 15 ou 16 pessoas estejam desaparecidas ou que tenham sido mortas.

    Eu estou muito impressionado. Realmente, basta olhar as fotos para que possamos sentir o tamanho da tragédia. Por isso, amanhã vou apresentar uma proposta para que façamos uma audiência pública lá em Mariana ou o mais próximo possível da área atingida. Se não for possível fazer lá na área atingida – o ideal é que façamos lá –, que possamos fazer o mais próximo possível.

    No artigo de Maria Lúcia Fattorelli, cujo título é "Terrorismo Ambiental e Dívida Ecológica", ela começa dizendo o seguinte:

O respeitável dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define terrorismo como o “modo de impor a vontade pelo uso sistemático de terror”.

A vontade de obter lucros excessivos com a atividade de mineração no Brasil – de forma predatória, acelerada e descontrolada, arrancando da terra o máximo de minerais possível, no menor tempo e ao menor custo – tem significado a imposição sistemática de terror à população e ao meio ambiente.

    E ela tem inteira razão. Nós temos ouvido pessoas atingidas por mineração, em várias audiências públicas. E o que elas refletem, nessas audiências públicas, mostra exatamente que esses direitos delas são absurdamente desrespeitados.

    Prossegue o artigo de Maria Lúcia Fattorelli:

As vítimas do terrorismo têm sido:

– toda a população atingida em seu direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; e

– a própria natureza, que, além de mutilada sem o menor respeito, ainda recebe toneladas de rejeitos contaminados. A dívida ecológica que tem sido gerada por esses processos é incalculável.

A Constituição Federal considera, em seu artigo 5º, inciso XLIII, que todas as pessoas possuem a garantia de inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

A questão ambiental, por sua importância essencial à própria vida, está resguardada no Capítulo VI da nossa Constituição Federal.

    Ela analisa detalhadamente essa relação entre o direito da sociedade e as violações praticadas pelas mineradoras.

    Eu conheço bem o tema, sou de um Estado, uma província mineral que é o Amapá. Na semana passada, os peixes do Rio Araguari, que nasce na Serra do Tumucumaque e desce da costa oeste do Amapá até o Oceano Atlântico, amanheceram mortos nas suas margens. Centenas de toneladas de peixes apareceram flutuando, com prejuízo para as comunidades mais pobres, que sobrevivem da pesca, em função de que ali se construíram duas barragens e se caminha para a terceira. Essa insanidade já fez com que desaparecesse a foz do rio. Não existe mais a foz do Rio Araguari, até porque a pressão da água reduziu muito nos últimos anos, a foz sofreu assoreamento e virou uma praia, um continente, e a água do rio acabou procurando outras saídas.

    Então, o Brasil possui uma das maiores concentrações de riquezas ambientais, de biodiversidade, mas nós, brasileiros, estamos destruindo essas riquezas, e o Estado brasileiro é o responsável por essa enorme destruição.

    E a mineração, Sr. Presidente, é uma atividade fora de qualquer controle. Não há controle. Tanto não há controle que nós estamos diante de uma tragédia cujo impacto, até agora, não temos claro, não sabemos nem mesmo a quantidade de pessoas mortas. E esta é a minha preocupação: se a Presidente da República só visitou a área dez dias depois, é porque nós todos estamos sendo mal informados. Então, mais do que nunca, é preciso que esta Casa, o Senado – que tem, ao longo desses últimos tempos, buscado colocar-se ao lado da sociedade, ao lado das aspirações mais legítimas do povo brasileiro –, que nós nos desloquemos até Mariana, até mais próximo do local da tragédia, para ouvir as pessoas que foram atingidas por essa tragédia.

    Sr. Presidente, há outra coisa que me deixa mais preocupado ainda. A Vale do Rio Doce é sócia em 50% da Samarco. E esta é a pergunta que eu faria aos telespectadores, àqueles que estão nos acompanhando neste momento: a quem pertence a Vale do Rio Doce? Sabe-se que ela foi privatizada há muitos anos, mas, quando se analisa o capital societário dessa empresa, nós vamos descobrir que os sócios majoritários são o BNDES e a Previ, ou seja, é o Estado brasileiro, é a União. A União é sócia majoritária da Vale.

    Mas não para por aí. No ranking dos maiores sonegadores de impostos do País, quem lidera é a Vale. Deve R$42 bilhões ao Fisco! Com esses dados, eu tive a curiosidade de saber qual seria o valor de mercado da empresa. Pasmem: a Vale do Rio Doce vale hoje não mais do que R$55 bilhões – claro que em função da desvalorização do dólar.

    Então, na verdade, a Vale não é uma empresa privada, é uma empresa pública. E talvez seja porque a Vale é sócia da Samarco que essas informações estão chegando truncadas à sociedade brasileira.

    E aí nós precisamos esclarecer isso, nós precisamos passar essa questão a limpo. Daí a necessidade de aprovarmos essa matéria amanhã, na Comissão de Direitos Humanos, porque se trata de direitos das pessoas que perderam os seus bens, das pessoas que estão sem água. Essa enxurrada de material contaminado está descendo ladeira abaixo numa velocidade impressionante e vai chegar ao Espírito Santo – se já não chegou ao Espírito Santo.

    E o que fazem essas empresas que faturam bilhões de dólares com a mineração no País, que não previram que isso poderia acontecer?

    E nós aqui no Senado, no Congresso, o que estamos propondo? Nós estamos propondo que se relaxe a legislação ambiental. Será que nós temos juízo? Como é que nós vamos propor relaxar a legislação se, com toda essa preocupação, com todo esse acompanhamento, estão pipocando tragédias no País todo? Imaginem se nós fizermos o que se está propondo? A mesma coisa está em discussão na Câmara Federal. Quem é o relator do novo Código da Mineração? É um minerador – um minerador! As empresas de mineração fizeram uma Bancada. E não é justo que nós Congressistas representemos aqui apenas as empresas. Nós temos que representar o conjunto da sociedade. Nós temos que aqui defender o interesse coletivo, por mais que, muitas das vezes, não consigamos corresponder às expectativas e a alguns interesses que, por acaso, alguns tiveram que assumir. Mas nós somos Congressistas, nós temos responsabilidade com o povo brasileiro, nós temos responsabilidade com a possibilidade de sucesso deste País.

    E o que está havendo? Olhe as manifestações, Sr. Presidente. O povo já não se dispõe a ir para a rua, porque há uma crise de desconfiança. A crise não é apenas política, econômica, ética e ambiental – e essa crise é permanente. Esses impactos produzidos por essa tragédia são irreversíveis. O Rio Doce está morto, toda a fauna desapareceu. Como vamos recuperar isso?

    Essa é minha grande preocupação de hoje, Sr. Presidente. Eu confesso que estou chocado. É claro que você não pode acreditar em tudo que circula nas redes sociais, mas há informações que nos colocam em dúvida. As fotos apresentadas pelos satélites e pelo Google não podem ter sido inventadas: aqui está a cidade inteira; depois da tragédia, há um terço da cidade. Então, poder-se-ia deduzir que não havia nenhuma vigilância para alertar a comunidade em caso de acidente. Essa comunidade devia estar na cidade, e é possível, sim, que uma parte dela tenha desaparecido, esteja nos escombros da lama provocada pelo rompimento da barragem da Samarco. E há barragem no Brasil todo, no Amapá, no meu Estado.

    E, quando víamos aquelas imagens de Serra Pelada, imaginávamos que aquelas imagens eram de um determinado momento da sociedade brasileira, mas as imagens do rompimento da barragem da Samarco se assemelham às imagens de Serra Pelada. A mineração não tem freio no País. Nós precisamos alertar os Congressistas que nós não podemos mais agir com a irresponsabilidade com que vínhamos agindo até então.

    Nós temos que ir a essa tragédia, Sr. Presidente. Se pudesse, todo o Senado deveria se deslocar para lá, para que nós tenhamos exatamente a dimensão do que de fato aconteceu, porque, de longe, é muito difícil deduzir, até pelas informações que nos chegam.

    Para se ter uma ideia, antes do ataque abominável da insanidade praticada contra o povo francês em Paris, a repercussão sobre a tragédia de Mariana era enorme na França. Enorme! A Torre Eiffel foi iluminada de verde e amarelo em solidariedade aos nossos mortos, e é justo que prestemos solidariedade, até porque o terrorismo é inaceitável.

    Agora, é fundamental que entendamos o que está acontecendo no nosso País. Não basta discutirmos e tomarmos uma posição de um lado ou de outro em relação à conjuntura e ao Governo. Nós temos que ir mais fundo no nosso debate. Eu acho que todos os governos que passaram por este País têm uma dose de responsabilidade pelo caso de Mariana, pela tragédia e pela crise que nós estamos vivendo hoje, no País.

    Era isso, Sr. Presidente.

    Muito obrigado.

    Lamento profundamente e estou angustiado com o que nós estamos vivendo.

    O SR. PRESIDENTE (Ataídes Oliveira. Bloco Oposição/PSDB - TO) – Agradeço, Senador Capiberibe.

    Eu posso dizer que, lamentavelmente, nós imaginávamos que essas barragens estivessem sendo fiscalizadas e sob controle. Eu não imaginava que isso pudesse acontecer. Vidas que foram ceifadas para que o povo do nosso País, o povo brasileiro, e este Congresso Nacional acendessem as luzes.

    Eu quero parabenizar V. Exª por essa audiência que V. Exª está propondo na CDH, para ser realizada in loco. Eu quero informar, Senador Capiberibe, que também eu já protocolei uma audiência pública com o Presidente da ANA e também o Presidente do DNPM. E eu também já protocolizei no TCU um requerimento para fazer uma auditoria junto a essas barragens.

    E recebi hoje umas informações muito interessantes. Há quase 15 mil barragens no Brasil. Dessas 15 mil barragens, 663 barragens são de altíssimo risco. E mais: como V. Exª disse, a barragem de Mariana é pública! Dessas 663, 40% delas são públicas. Então, nós temos que agir, e agir muito rapidamente, para que catástrofes como essa não venham a acontecer novamente. Lamentavelmente, muitas vidas se foram.

    E eu aproveito este momento, agradecendo a V. Exª...

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. PRESIDENTE (Ataídes Oliveira. Bloco Oposição/PSDB - TO) – Claro, Senador.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Eu gostaria de registrar, nos Anais do Senado, artigo da Maria Lúcia Fattorelli cujo título é "Terrorismo ambiental e dívida ecológica". Por favor, que seja registrado.

    Por último, Sr. Presidente, eu acho que a situação é tão grave – e eu não sou muito favorável às CPIs aqui, no Congresso, até porque muitas delas terminam não dando nenhum resultado, mas uma CPI pode nos colocar os meios necessários para investigar essas barragens sob risco – que vou propor uma CPI, para que possamos investigar e saber exatamente o risco que nós estamos correndo com essa informação que V. Exª acabou de nos dar.

    Muito obrigado.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR JOÃO CAPIBERIBE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Artigo "Terrorismo ambiental e dívida ecológica".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/2015 - Página 86