Discurso durante a 213ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e entregar a Comenda Abdias Nascimento, em sua 2ª edição.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e entregar a Comenda Abdias Nascimento, em sua 2ª edição.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2015 - Página 50
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, GRUPO ETNICO, NEGRO, ENTREGA, COMENDA, ABDIAS NASCIMENTO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a cada uma e a cada um de vocês.

    Permita-me, Senador Paim, cumprimentar, na ordem de importância desta Mesa, Alceu Collares, em primeiro lugar, pela história de luta - pela idade não, porque estamos muito próximos - pela presença sempre na história deste Brasil. O senhor nos orgulha em estar aqui conosco nesta tarde já começando. (Palmas.)

    Eu quero também cumprimentar, de maneira muito especial, o José Vicente, figura por quem eu tenho a maior admiração. Já disse a ele e a muitos que ele é um dos poucos brasileiros que, para mim, é candidato a Prêmio Nobel da Paz, pelo que fez na Universidade Zumbi dos Palmares, que me fez ter uma sensação que me emocionou muito, no dia em que eu fui lá, numa das vezes. (Palmas.)

    De repente, eu me senti no estrangeiro. Eu senti que não estava no Brasil e não entendia por quê. Era por que havia negros demais naquela universidade, e isso nós não vemos no Brasil.

    Contei a ele e me lembrei, Senador Paim, de que eu, Reitor da Universidade de Brasília, caminhando pela universidade, naquela época, com uma jovem norte-americana, hoje uma senhora, que traduziu alguns livros meus, eu disse, com orgulho, dando a entender, Senadora Ana Amélia, que as nossas universidades são até comparáveis com as americanas - as escolas de base não, mas as universidades são, os prédios: o que você vê de diferente aqui?" Ela olhou assim e disse: "eu não vejo negros". Norte-americana, e havia mais negros lá do que aqui. As cotas estão ajudando bastante a mudar essa realidade. (Palmas.)

    Mas o que vai mudar mesmo é quando a educação de base for igual para todos. Aí, nós vamos ver que a população universitária refletirá a demografia brasileira ou, talvez, até haja mais negros ainda, como nós conseguimos com o futebol. No futebol, os grandes craques são negros por quê? Porque a bola é redonda para todos, mas chegam ali os melhores e não os que podem comprar o ingresso para jogar futebol.

    Lamentavelmente, as escolas são quadradas e redondas no Brasil. Se paga, entra na redonda; se não paga, fica numa quadrada, salvo raras exceções.

    Quero cumprimentar o Frei David, que tem sido um parceiro. Aliás, eu é que tenho sido parceiro dele nas lutas que ele faz para aumentar o número de universitários negros nas universidades brasileiras.

    José Vicente faz isso por um caminho, querendo uma universidade para negros com cota para brancos, desde o começo. Frei Davi o faz, colocando negros em todas as universidades.

    Quero cumprimentar o Linduarte pela história, pela vida, pelo que teve aqui.

    Quero cumprimentar a Mari Baiocchi, a Fundação Cultural Palmares, mas, sobretudo, o Abdias Nascimento, essa figura fundamental, que nos honra em dar seu nome a esse prêmio. (Palmas.)

    Para fechar tudo isso, quero dizer de uma maneira muito simples que o Brasil tem um desafio que, para mim, é fundamental: fazer uma mente diferente da mente do Brasil de hoje. Lembro-me de um livro que me impactou muito quando o li, que era A Mente da África do Sul. A África do Sul tinha uma mente, que era a mente do apartheid. Os povos têm mentes, como as pessoas as têm também. O Brasil tem uma mente, e temos de mudar a nossa mente. A nossa mente tem de ter mais sentimento nacional. Estamos muito divididos em corporações isoladas, cada uma querendo sua parte. Deve haver uma perspectiva de longo prazo. Nossa mente é muito imediatista, consumista.

    Temos de valorizar a educação, a nossa mente brasileira. Nós brasileiros não valorizamos a educação - vejo aqui o Rafael -, como Cuba a valoriza. Nós não a valorizamos, como a Europa a valoriza. Não é questão de socialismo, mas de capitalismo também. Os orientais a valorizam, e nós não a valorizamos. Aqui, quando alguém paga um dinheirão para ter uma boa escola para o filho, não está querendo uma boa educação, está querendo é que, depois, o filho ganhe um bom salário com aquela educação. Por isso, todo mundo quer um bom professor para o filho, mas ninguém quer o filho sendo um bom professor para o filho dos outros.

    Precisamos valorizar a educação, precisamos ter uma mente solidária, precisamos ter uma mente que respeita a diversidade. Mas há um ponto além desse: precisamos ter, meu caro Alceu, uma mente que faça com que nos orgulhemos da nossa negritude. Não basta fazermos o que não fizemos ao longo de séculos, que é respeitar os negros.

    Não basta isso. É preciso que eu me sinta negro também. É preciso que cada brasileiro tenha orgulho de ser também negro, não na raça, pois nossos pais não deixaram. É preciso sentir a negritude na maneira como vê o mundo e na maneira como gosta de certas músicas, e não de outras; como gosta de algumas danças, e não de outras; como pinta de uma forma, e não de outra. O orgulho da negritude tem de ser algo que perpasse todos os brasileiros. Os que são brasileiros e negros, com mais razão ainda, plenamente, têm de ter orgulho da própria raça. Eu não posso ter esse orgulho, mas posso, como brasileiro, ter orgulho da minha cultura e reconhecer que minha cultura tem traços, obviamente, da branquitude ocidental, que tem muitas qualidades também. A minha cultura carrega em si influência negra, mas não basta eu reconhecer isso, tenho de me orgulhar disso.

    Um prêmio como este ajuda a dizer ao Brasil inteiro: nós, todos os brasileiros, somos negros e nos orgulhamos disso também. Lamentamos até, alguns de nós, que não tenhamos a cor da pele negra. Outros podem não se preocupar com isso, mas, na cultura, na maneira de ser, na maneira de pensar, nossa mente não apenas é também negra, mas precisa se orgulhar disso. Ela ainda não se deu conta dessa realidade e, ao não se dar conta disso, Senador Paim, não se orgulha disso.

    Eu vim aqui para dizer que minha participação, como membro do Conselho deste prêmio, deu-se, sobretudo, para poder ajudar o Brasil a formar essa nova mente com tudo aquilo que eu disse e também a formar uma mente em que haja orgulho da negritude da própria mente dos brasileiros.

    É isso, Senador Paim.

    Muito obrigado por me ter aqui. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2015 - Página 50