Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque à necessidade de se criar uma cultura de paz e de respeito ao Estatuto da Igualdade Racial; e outro assunto.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Destaque à necessidade de se criar uma cultura de paz e de respeito ao Estatuto da Igualdade Racial; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2015 - Página 132
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FAVELA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), MOTIVO, HOMICIDIO, VITIMA, GRUPO, ADOLESCENTE, NEGRO, AUTORIA, CRIME, POLICIAL, POLICIA MILITAR, COMENTARIO, INDICE, VIOLENCIA, PAIS, ELOGIO, REDE GLOBO, CIRCUNSTANCIAS, MATERIA, TELEVISÃO, ASSUNTO, HOMICIDIO QUALIFICADO, GRUPO ETNICO, REPUDIO, ATIVIDADE POLICIAL, APRESENTAÇÃO, PESAMES, FAMILIA, NECESSIDADE, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, ENFASE, MELHORIA, RESPEITO, DIVERSIDADE, RAÇA, BRASIL.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, quero cumprimentar V. Exª, que iniciou a sessão de hoje fazendo esse protesto, o Senador Crivella e todos os outros que por aqui passaram ou que ainda passarão para falar a respeito desse assunto.

    Quatro policiais militares do 41º Batalhão da Polícia Militar de Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro, executaram cinco jovens com mais de 50 tiros, disparados contra o carro onde estavam as vítimas, na favela da Lagartixa, em Costa Barros, Zona Norte do Rio.

    Wesley Castro, 25 anos, era servente de obra e deixou um filho de dois anos; Wilton Esteves Domingos Júnior, 20 anos, terminaria o curso técnico de Administração e Contabilidade em janeiro; Cleiton Correa de Souza, 18 anos, iria se alistar na Marinha em janeiro e havia terminado o curso de Petróleo e Gás; Carlos Eduardo da Silva Souza, 16 anos, estudante, queria estudar inglês. Seus professores disseram que se destacava no Português.

    Roberto de Souza, 16 anos, funcionário do mercado de atacado. Quando foi morto, comemorava com os amigos seu primeiro salário.

    Essa situação, Sr. Presidente, que foi relatada por V. Exª, pelo Senador Crivella, infelizmente não é uma realidade apenas do Rio de Janeiro, e nem gostaríamos que fosse do Rio de Janeiro. É uma realidade do Brasil.

    A CPI do Assassinato de Jovens tem demonstrado isso. E tem sido, Senador Paim, difícil para nós, membros dessa CPI, que estivemos, na última sexta-feira, em Cuiabá, ouvir o depoimento das mães, dos parentes dos assassinados nas grandes cidades, em suas periferias, no País inteiro.

    No próprio Rio de Janeiro, estivemos na Assembleia Legislativa e ouvimos o depoimento doloroso de cada uma daquelas mães, hoje organizadas em uma associação de mães de pessoas vítimas da violência.

    Estivemos na Bahia também e ouvimos o depoimento de mães que perderam seus filhos, vítimas desse tipo de violência em nosso País. E estivemos em Cuiabá.

    V. Exª imagine que já está se organizando hoje uma associação nacional de mães de jovens vítimas de violência neste País.

    Em 2013, 33 mil jovens negros foram assassinados no Brasil. Até quando a sociedade brasileira, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal vão permanecer assistindo a esse tipo de situação, que se repete praticamente todos os fins de semana? Em todos os fins de semana há o noticiário: no Amazonas, 15; na Bahia, 12; no Rio de Janeiro,5.

    E alguns vão dizer: "Não, no Rio de Janeiro foi diferente porque no Rio de Janeiro essas pessoas não eram suspeitas". Eram suspeitas. Tanto estavam sob suspeição da polícia que o carro foi metralhado, sem terem sequer a possibilidade de apresentar suas carteiras de identidade.

    Na reunião realizada na Bahia, o nosso Vereador Sílvio Humberto, negro, contou um fato envolvendo o seu sobrinho. Disse que sua irmã determinou ao filho que usasse, a partir de agora, sempre que saísse às ruas, a camisa da universidade que ele frequenta, para demonstrar para o policial, de longe, que ele é um estudante. É sob essa tensão que vive a população de jovens negros deste País.

    Hoje, no Portal Geledés, um grupo de mulheres negras afirma: "Se você é pobre, se você é preto, se você é periférico, a polícia te matou ontem". Essa é a realidade, essa é a situação que o nosso País enfrenta.

    Eu quero inclusive, Presidente - não costumo fazer isto -, saudar aqui a Rede Globo de Televisão, que, hoje, no jornal da manhã, fez uma reportagem mostrando quem era cada um desses rapazes e a dor dos seus familiares. Nós precisamos fazer isso; do contrário, as notícias continuarão mostrando que mais 10, 12, 15 ou 20 jovens foram assinados tal dia, em alguma cidade do nosso País. São quase crianças, são jovens que não têm rosto, não têm história, não têm mãe, não têm pai, não têm ninguém chorando por eles, porque assim é que a notícia é dada.

    Fosse um jovem branco, de classe média - é muito ruim fazer esta comparação, mas é verdadeira -, nós teríamos manifestações de rua. Mas já se naturalizou um mal no Brasil, naturalizou-se a ideia de que a juventude negra, a juventude pobre, a juventude dos bairros periféricos pode morrer. E é contra isso que a nossa CPI se coloca.

    E é por isso, Sr. Presidente, que eu não poderia deixar de usar esse tempo hoje para, juntamente com V. Exª, com o Senador Crivella e com todos os outros que fizerem coro com essa nossa denúncia, com essa nossa repulsa, dizer que nós não podemos aceitar mais um fato dessa natureza em nosso País.

    Os quatro policiais do Rio de Janeiro foram presos em flagrante, levados ao Batalhão, em Niterói. Três deles vão responder por homicídio doloso, quando há intenção de matar, e todos por fraude processual, por alterarem a cena do crime. Podem ser expulsos da PM. O Comandante do Batalhão foi exonerado. Muito bem, isso foi correto. Mas, na verdade, Sr. Presidente, a polícia, cada vez mais, expressa individualmente aquilo que a sua formação vai lhe indicando.

    Eu não tenho dúvida da seriedade do trabalho da Polícia Militar no Brasil. No entanto, é preciso mudar a ótica, é preciso mudar a formação, é preciso entender que nós não estamos em guerra contra a juventude negra deste País, que, a princípio, é o suspeito. É preciso trabalhar a ideia de que isso é racismo, sim, que existe o racismo institucional, que permite que o jovem negro policial possa matar o jovem negro da periferia, por achar que ele, a princípio, é suspeito. E é dentro desse contexto que nós temos que nos colocar, que nós precisamos definitivamente criar uma cultura da paz, uma cultura que respeite o Estatuto da Igualdade Racial, uma cultura em que possamos combater essa ideia. E, para combater essa ideia, é preciso denunciar, é preciso se manifestar, é preciso que a população negra vá às ruas e afirme a sua condição de dignidade.

    Sr. Presidente, quero deixar aqui o meu abraço, a minha solidariedade a essas famílias enlutadas, a essas famílias que criaram seus filhos com amor, com carinho, com muito esforço. Quero deixar aqui o meu abraço, a minha solidariedade a cada pai de família, a cada mãe de família que vi expressar sua dor na televisão...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... por terem perdido seus filhos de maneira inaceitável, metralhados, no meio da rua, dentro de um carro.

    Eles estavam em grupo, sim, não porque eram uma quadrilha, estavam em grupo porque em grupo a juventude sai, a juventude comemora, a juventude festeja. E festejavam o primeiro salário de um deles.

    Sr. Presidente, quero finalizar dizendo que, neste Senado Federal, quando propusemos uma CPI para investigar o assassinato de jovens negros, algumas Lideranças acharam que deveria ser apenas de jovens. Nós aceitamos porque era importante criar esse fórum de debate, de investigação, de discussão, mas isso não impede que fique muito claramente definido, seja por especialistas acadêmicos e pesquisadores, seja pela vida concreta, pela realidade que hoje se revela, como no dia de ontem, que a maioria esmagadora dos jovens assassinados neste País é de negros e de pobres. Eles são assassinados porque são negros e porque são pobres, infelizmente, Sr. Presidente.

    Mais uma vez, a minha solidariedade às mães da maioria do povo brasileiro, da maioria desse povo negro que ocupa todos os territórios deste País.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2015 - Página 132