Pronunciamento de Lídice da Mata em 02/12/2015
Discurso durante a 217ª Sessão de Premiações e Condecorações, no Senado Federal
Sessão do Senado destinada a conferir a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara.
- Autor
- Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
- Nome completo: Lídice da Mata e Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
Outros:
- Sessão do Senado destinada a conferir a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/12/2015 - Página 8
- Assunto
- Outros
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sr. Presidente, Senador Marcelo Crivella; Vice-Presidente do Conselho da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, Senador Paulo Paim, que teve que se retirar, mas que é a expressão dessa luta, também aqui, no nosso Senado; Senadora, por Goiás, Lúcia Vânia, querida amiga de causas importantes neste Senado Federal; Senadores Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues, ambos do Estado do Amapá e jovens Senadores que expressam a juventude brasileira também neste Senado; Senador Hélio José, do Distrito Federal, também até bem pouco tempo conosco; senhoras e senhores agraciados, senhoras e senhores convidados que nos honram com suas presenças hoje aqui no Senado Federal; demais autoridades presentes; Senadores que não estão na Mesa - Ana Amélia e Eduardo Amorim -, também autores, integrantes desta homenagem, com seus homenageados e agraciados aqui presentes.
Muito me honra, senhoras e senhores, nesta sessão de entrega da sexta edição da Comenda Dom Hélder Câmara, destinada a agraciar personalidades que contribuíram e contribuem para a defesa dos direitos humanos no Brasil, ter tido acolhida a iniciativa da indicação a esse prêmio ao italiano Cesare de Florio La Rocca, que vive no Brasil há 49 anos, que passou por diversos Estados brasileiros, inclusive com uma grande experiência no Estado do Amazonas, mas que escolheu a Bahia como sua casa e terra de seus projetos sociais e de vida, porque, chegando à Bahia, de lá nunca mais saiu. Tanto que, desde setembro último, tornou-se cidadão baiano, título concedido pela Assembleia Legislativa do nosso Estado.
Como já foi dito, nascido em Florença, em 1937, Cesare conheceu as realidades regionais, contribuiu para a execução de vários projetos, sobretudo nos campos cultural e social e também de apoio a crianças e adolescentes. Fez vários cursos de especialização em Direito, foi representante da Unicef no Brasil, compõe o Conselho Consultivo da Sociedade Civil do BID, e, para nós baianos, muito nos orgulha sua principal obra: a criação do Centro Projeto Axé de Defesa e Proteção à Criança e ao Adolescente, que tem como objetivo transformar a história e a realidade de parte da população que vive em situação de pobreza.
O Projeto Axé completou, este ano, 25 anos. Não sei se homenageio, neste momento, o Projeto Axé ou Cesare. Na verdade, estamos homenageando os dois, porque um não existiria sem o outro. Conhecendo Cesare, sei que diria que não é merecedor de homenagem alguma, que quem deve ser homenageado é o Projeto Axé e toda equipe de dedicados companheiros, que o mantiveram e o fizeram chegar até aqui, atendendo mais de 24 mil crianças, que deixaram as ruas ou a falta de perspectiva de vida para se incorporarem a um novo, a um real projeto de vida, através da arte e da educação, exercendo alguma função na música, na dança, na moda, que são as vertentes principais do Projeto Axé.
Mas quero contar rapidamente para vocês como conheci Cesare. No final dos anos 80, início dos anos 90, quando existia em Salvador, no Brasil inteiro, nas grandes cidades, caro Presidente, a ideia de que os centros das cidades haviam sido "tomados" - entre aspas - pelos chamados meninos de rua. Cesare teve a iniciativa, em 1989, de propor à Prefeitura de Salvador que aplicasse uma pesquisa para identificar quantos meninos e meninas existiam nas ruas daquela cidade. Afirmava ele: "Se não soubermos exatamente definir, o Poder Público logo dirá que são tantos que não será possível tirá-los dessa situação". De forma determinada, convenceu o prefeito à época, Fernando José, realizou uma pesquisa, mostrou que tínhamos meninos e meninas nas ruas da cidade, sim, mas que não era um número impossível para uma ação determinada do Poder Público municipal: construirmos um projeto que fosse capaz de dar a essas crianças, adolescentes e jovens a expectativa e a possibilidade de uma nova vida.
Assim Cesare iniciou o seu recrutamento para formar o Projeto Axé, entidade que no início, só no início, teve a participação, a cooperação internacional de sua terra natal, através da organização Terra Nova, uma organização de cooperação internacional italiana.
Pouco tempo depois, com sua inquietação, ele sai, digamos, das asas da Terra Nova para construir um projeto mais ousado que pudesse ser sustentado pela própria ação da sociedade brasileira. Naquele momento, eu fui uma das recrutadas, eu e o atual Ministro da Cultura, Juca Ferreira, para compor, saídos da política, uma equipe de organizadores do Projeto Axé. O Marcos era um jovenzinho que conosco iniciava aquela aventura e hoje é um dos principais organizadores, administradores, coordenadores dessa importante instituição.
No Axé, eu e Juca, cooptados da política - e Cesare dizia o inverso, que daríamos uma grande cooperação ao Projeto Axé -, fomos contratados como consultores. Tivemos uma experiência fantástica em nossas vidas, uma experiência profissional nova, que se misturava com a militância para qual estávamos sendo cooptados, convencidos de que era a militância em defesa das crianças e dos adolescentes deste País. E eu me envolvi nessa batalha.
Um ano depois, fui eleita Prefeita de Salvador. Com o Projeto Axé, sob a coordenação de Cesare La Rocca, pude fazer o mais importante projeto social de proteção da infância que aquela cidade teve: a Fundação Cidade Mãe.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - A Fundação Cidade Mãe, com a consultoria - desta forma inversa - de Cesare, de Iara Farias e de Vera Leonelli, as duas membros daquele projeto, criou nos bairros populares da nossa cidade as chamadas empresas educativas, que acolhiam, no segundo turno de escola, crianças e adolescentes de 7 a 17 anos de idade e que funcionavam como abrigo, para dar proteção àqueles que viviam nas ruas. Esse projeto marou não apenas a minha administração, mas a vida da cidade de Salvador.
E Cesare, com sua pedagogia, uma pedagogia criada por ele, a pedagogia do amor, da aproximação, da conquista, foi capaz de integrar aquelas crianças e aqueles jovens ao projeto, de tirá-los das ruas, de devolver-lhes a esperança em uma vida melhor, por meio da arte e da educação.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Juntos, nós e a sociedade transformamos meninas de rua em modelos. Elas desfilaram em um projeto de moda para o qual Cesare contratou, cooptou e trouxe designers de moda famosos de sua terra para a Bahia.
Fizemos um grande desfile de moda, com modelos brasileiras desfilando com as meninas e os meninos. As roupas eram produzidas pelo Projeto Axé, que até hoje existe no centro da cidade do Salvador. Quem visitar a cidade e o Pelourinho pode visitar a loja do Projeto Axé.
Perdoem-me, já vou terminar. Eu quis apenas mostrar a vocês, de forma efetiva, um pouco do que são o Projeto Axé e Cesare La Rocca para a cidade de Salvador e para o Estado da Bahia.
Nós baianos e brasileiros agradecemos o brilhantismo, a dedicação e a capacidade desse homem de juntar pessoas e de construir um projeto ousado. Em um período que ninguém acreditava que era possível fazer, Cesare e o Axé fizeram. Devolveram a praticamente 25 mil jovens e crianças da nossa terra o direito de uma vida melhor.
É com satisfação, portanto, que eu homenageio Cesare.
E o Senado Federal entrega a nossa comenda, neste momento, a ele e outros agraciados de expressão.
Homenageamos Gleice Francisca Machado, que, como a Senadora acabou de destacar, desenvolve uma ação importante no sentido de devolver a esperança de uma vida melhor para pessoas acometidas de xeroderma pigmentoso.
(Soa a campainha.)
Homenageamos também Maria Berenice Dias, do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), companheira da luta feminista, numa batalha política que estamos desenvolvendo aqui no Senado.
Homenageamos o Padre Paulo por toda a sua contribuição ao meu querido Estado do Amapá, que já visitei algumas vezes e pelo qual tenho enorme carinho.
Foi bom conhecer e poder homenagear Wellington Mangueira, natural quase que da minha terra, da fronteira de Sergipe, uma querida terra. Nós somos todos sergipanos/baianos, baianos/sergipanos.
Homenageamos Yvonne Bezerra de Mello, agraciada por indicação do Rio de Janeiro, que tem um importante projeto na área de integração social de crianças e adolescentes.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - E, finalmente, fica a nossa homenagem post mortem a Dom Moacyr José Vitti.
Todos vocês merecedores deste prêmio tenham a certeza de que o Senado agradece a contribuição que vocês dão ao povo brasileiro.
Muito obrigada. (Palmas.)