Fala da Presidência durante a 212ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a decisão pela realização de votação secreta, para a apreciação da decisão do STF, que determinou a prisão do Senador Delcídio do Amaral.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
SENADO:
  • Comentários sobre a decisão pela realização de votação secreta, para a apreciação da decisão do STF, que determinou a prisão do Senador Delcídio do Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2015 - Página 226
Assunto
Outros > SENADO
Indexação
  • COMENTARIO, ESCOLHA, VOTO SECRETO, VOTAÇÃO, PLENARIO, SENADO, APRECIAÇÃO, MANUTENÇÃO, PRISÃO, DELCIDIO DO AMARAL, SENADOR.

     O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Agradecemos aos Senadores que colocaram aqui

questões de ordem e também aos Senadores que fizeram intervenções e defenderam pontos de vista.

    Os eminentes Senadores Cássio Cunha Lima, Randolfe Rodrigues, Reguffe, Cristovam Buarque, José Medeiros, Ronaldo Caiado apresentam questão de ordem a respeito da modalidade de votação a ser adotada na deliberação do Senado Federal, quanto à prisão em flagrante de crime inafiançável de Senador da República, nos termos do §2º, do art. 53, da Constituição Federal.

    Aduzem, em síntese, a inconstitucionalidade superveniente da alínea c do inciso I do art. 291 do Regimento Interno do Senado Federal - aspas -, “uma vez que a Carta Magna prevê, de modo expresso e exauriente, as hipóteses de votação parlamentar secreta, sem que a resolução acerca de prisão de congressista se inscreva nesse rol estrito”.

     De fato, a primitiva redação do §3º do art. 53 da Constituição previa expressamente que essa deliberação seria tomada - aspas - “pelo voto secreto da maioria de seus membros”, como aqui colocou muito bem o Senador Cássio Cunha Lima, enquanto que a nova redação do §2º do mesmo artigo, por força da Emenda constitucional nº 35, de 2001, passou a explicitar a expressão - aspas -“pelo voto da maioria de seus membros”.

Esta é, portanto, a questão que decido.

    A Emenda Constitucional nº 35, de 2001, rigorosamente não determinou - rigorosamente não determinou - que a votação seja ostensiva; apenas desconstitucionalizou o procedimento. Incide, portanto, o art. 291 do Regimento Interno do Senado Federal, segundo o qual será secreta a votação quando o Senado tiver que deliberar sobre:

c) prisão de Senador [é específico o Regimento] e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável (Const., art. 53, §2º).

Destaque-se que não há nada de extravagante, absolutamente, na minha interpretação.

    Há outras hipóteses em que a Constituição silenciou sobre a modalidade da sessão e deliberação, mas regimentalmente determinou que o debate e a deliberação processar-se-ão de forma secreta. Cito como exemplo a manifestação do Senado Federal sobre a declaração de guerra ou acordo de paz, para os quais o Regimento Interno do Senado Federal assim dispõe:

Art. 197. Transformar-se-á em secreta a sessão:

I     - obrigatoriamente, quando o Senado tiver de se manifestar sobre:

a)     declaração de guerra (Const., art. 49, II);

b)     acordo sobre a paz (Const., art. 49, II);

..................................................................................................................................................

    Ao dispor sobre essa competência exclusiva do Congresso Nacional, a Constituição não determina votação secreta. Ou seja, ela fora desconstitucionalizada; restou apenas uma expressa citação no Regimento do Senado Federal.

Confira-se o teor do inciso II do art. 49:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

.................................................................................................................................................

II     - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

....................................................................................................................................................

    Tampouco a Lei Complementar nº 90, de 1997, estabelece que a matéria prevista no art. 49 seja apreciada em sessão secreta.

    Portanto, conclui-se que assim ocorre por força do Regimento Interno do Senado Federal, que, eu queria repetir, é um conjunto de regras que nós aprovamos para melhor organizar o funcionamento da Casa, sobretudo quando a questão é desconstitucionalizada, como foi pela Emenda Constitucional nº 35, aprovada em 2001, aqui muito brilhantemente referida pelo Senador Cássio Cunha Lima.

     Reforçam esse entendimento projetos em tramitação que objetivam alterar a disposição regimental. Destaco, entre vários, o Projeto de Resolução do Senado nº 8, de 2013, de autoria do eminente ex-Senador, hoje Governador e sempre jurista Pedro Taques, que tivemos a honra de recepcionar outro dia, aqui, juntamente com o Senador Aécio Neves e outros Senadores, propondo a seguinte nova redação para o art. 291 do Regimento Interno:

Art. 291. A votação será secreta exclusivamente nos casos em que houver expressa determinação da Constituição Federal.

    Permitam-me lembrar que não é o caso, porque, pela Emenda Constitucional nº 35, essa matéria foi desconstitucionalizada.

    A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal manifestou-se favoravelmente à aprovação da matéria, Projeto de Resolução nº 8, de 2013, nos termos de substitutivo que, todavia, preserva as votações secretas em algumas matérias, inclusive esta de que ora tratamos, para o fim de resolver sobre prisão

em flagrante por crime inafiançável.

    Essa manifestação da CCJ, destaque-se, ocorreu já sob a égide da nova redação do § 2º do art. 53 da

    Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001.

    A proposta do substitutivo tornaria ostensivas as votações para as eleições para os membros da Mesa do Senado Federal e para presidente e vice-presidente das comissões, bem como excluiria a possibilidade de votação secreta por determinação do plenário, mediante revogação dos incisos II e III do art. 291 do Regimento Interno.

Peço a atenção dos Senadores e das Senadoras sobre este ponto.

    A proposta de alteração acolhida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de julho de 2013, mantém hígidos os dispositivos que tratam da deliberação por votação secreta nas hipóteses previstas no inciso I do art. 291, entre elas a do § 2º do art. 53 da Constituição Federal de que ora, permitam-me, tratamos.

Também são significativas as diferenças das Emendas Constitucionais nº 35, de 2001, e 76, de 2013. Enquanto a primeira anuncia a mera alteração do art. 53 da Constituição, a da Emenda Constitucional nº 76 explicita expressamente o escopo de, aspas, “abolir a votação secreta nos casos de perda de mandato de Deputado ou Senador ou de apreciação de veto”.

     Quanto à votação ostensiva dos vetos presidenciais, aqui muito bem referida, não me lembro exatamente... Pelo Senador Cássio Cunha Lima, muito bem referida pelo Senador Cássio a votação ostensiva dos vetos presidenciais, o procedimento decorre de que o Regimento Comum não estabelece o voto secreto, ao contrário do comando expresso do Regimento do Senado Federal, para matéria que esta Casa deliberará.

     Informo ainda, em atenção à preocupação do Senador Cássio Cunha Lima, mais uma vez muito bem articulada, que, em virtude das diretivas de segurança do sistema do painel, é impossível posterior abertura de votação se ocorrer sob a modalidade secreta, simplesmente porque o nosso sistema não permite. Ele já permitiu no passado. Hoje não permite, em nenhuma hipótese, que a votação que aconteça pelo sistema secreto possa amanhã se tornar pública. Isso já aconteceu. Já tivemos momentos aqui em que nos deparamos com isso, mas o nosso sistema hoje não permite que isso aconteça mais.

     Por fim, eventual determinação de procedimento diverso implicará uma nova votação, na repetição da votação pela impossibilidade de o sistema do painel reproduzir uma votação que aconteceu pelo sistema secreto.

Por fim, vale lembrar que as votações de autoridades são realizadas na modalidade secreta, não só para proteger o livre arbítrio do Parlamentar, para proteger o Parlamentar no voto secreto quando se trata da apreciação de nome de autoridade, mas também sua consciência e independência, sendo esta a modalidade definitiva regimentalmente.

     Com esses fundamentos, rejeito a questão de ordem - todas as questões - e resolvo que a votação da presente matéria se dará na modalidade secreta, no estrito cumprimento do disposto na alínea “c” do inciso I do art. 291 do Regimento Interno do Senado Federal.

     Adicionalmente - e não poderia fazer diferente, já que decido à luz do Regimento e em função da desconstitucionalização do tema feito pela Emenda nº 35, de 2001 - eu recorro, de ofício, da minha decisão para o Plenário, nos termos do art. 405 do Regimento Interno do Senado Federal.

Nós temos também um parecer da Consultoria do Senado Federal a que eu queria rapidamente referir, que diz que há duas respostas possíveis. A primeira...

A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - Sr. Presidente, pela ordem. O barulho aqui está insuportável. A gente não está conseguindo ouvir.

    O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu pediria só um pouquinho mais de silêncio para que eu possa aqui concluir e nós possamos começar o processo de votação.

     Nós temos, sobre a nossa mesa, um parecer da Consultoria do Senado Federal que diz que há duas respostas possíveis. A primeira, e nos filiamos ao subscritor do parecer, que se assenta no fato de que a Constituição, como princípio geral a que está sujeito o funcionamento da Administração Direta e Indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

     E, por outra parte e em sentido oposto, há uma segunda resposta, que foi aquela aqui defendida por mim, de que cumpre reconhecer a legitimidade formal do entendimento no sentido de que a omissão do Texto Constitucional em relação à matéria implica autorização para que as Casas Legislativas disciplinem a matéria mediante legítima escolha de mérito dos Senadores e dos Deputados.

     Eu queria, por fim, lembrar aos Senadores e às Senadoras, antes de começarmos a votação, que uma coisa é nós discutirmos essa decisão do Supremo Tribunal Federal, hoje referendada pela turma que tem como Presidente o Ministro Toffoli, discutir o mérito, como alguns aqui discutiram, se as gravações que vieram a público hoje, do ponto de vista do seu conteúdo, contêm crime ou não.

     Nós não podemos fazer esse julgamento. O Supremo Tribunal Federal é insubstituível nesse julgamento.

Se nós formos fazer esse julgamento, nós estaremos grilando funções do Judiciário, do Supremo Tribunal Federal. Não nos cabe fazer esse julgamento, se as gravações contêm ou não crime ou impropriedade. Não nos compete fazer esse julgamento.

    O julgamento que nos compete fazer é se pode, sim, o Supremo Tribunal Federal, como faz hoje, por decisão de uma turma, prender preventivamente um Senador no exercício do mandato, sem que tenha culpa formada em crime inafiançável. É essa decisão que é a primeira da República. É a primeira da República.

    Nós temos que defender igualmente que o Supremo julgue o crime que o áudio contém. É o Supremo que vai julgar, mas que o Senado Federal não abra mão da sua prerrogativa de não permitir que o que todas as constituições do Brasil estabeleceram, inclusive a Constituição que está em vigor por quase 30 anos, que é a mais longeva de todas: que o Supremo Tribunal Federal prenda um Senador ou um Congressista no exercício do seu mandato.

    É essa a decisão que o Senado vai tomar. Que o Senador Delcídio vai ter que ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, é isso que todos nós defendemos. Querer discutir isso aqui, permitam-me os senhores e as senhoras, é tentar grilar a competência constitucional do Supremo Tribunal Federal.

    Eu sei que este é um dia muito triste para todos nós, muito triste, por significar ou a revogação da prisão ou a permissão para que a prisão aconteça. Nós estaremos não apenas fazendo o noticiário de amanhã. Nós não estamos fazendo apenas o noticiário de amanhã.

Nós estaremos fazendo a história e abrindo mão de uma prerrogativa do Legislativo que vai, não tenho

dúvida nenhuma, causar muito dano à democracia e à separação dos poderes, que é fundamental.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2015 - Página 226