Discurso durante a 228ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Balanço do ano de 2015 e desejo de que 2016 marque o início da construção de um país melhor.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Balanço do ano de 2015 e desejo de que 2016 marque o início da construção de um país melhor.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2015 - Página 87
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, BALANÇO, RELAÇÃO, SITUAÇÃO, POLITICA, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, AUSENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DESAJUSTAMENTO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CORRUPÇÃO, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, POPULAÇÃO, ELEIÇÕES, REDUÇÃO, TARIFAS, ENERGIA ELETRICA, GASOLINA, DEFESA, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, INSTAURAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, LONGO PRAZO, EDUCAÇÃO BASICA, TECNOLOGIA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Acir, bom dia.

    Bom dia a cada uma e a cada um. Bom dia a todos os Senadores e Senadoras.

    Senador, é uma coincidência que estejamos nós dois encerrando este ano, se não chegar nenhum outro Senador ou Senadora. Para mim, seria difícil ficar fora desta sessão de hoje, porque acho que este é um ano que merece refletirmos sobre ele e sobre os que virão daqui para frente.

    Nesses últimos dias, muitos me perguntam como eu definiria o ano de 2015, com todas essas conturbações que tivemos desde o início. Eu disse que eu o definiria como o ano da descoberta do Brasil. A descoberta de um Brasil que está escondido ou estava escondido e que está aflorando finalmente. Isso é muito bom, desde que a gente aprenda, com a descoberta, a saber o que fazer nos anos de 2016, 2017, 2022 - o nosso bicentenário, que está chegando - e nos anos do futuro.

    Este é o ano da descoberta, por exemplo, de uma crise que um observador mais atento perceberia. E eu quero dizer que alertei! Alertei desde 2011, com discursos, com textos, com artigos. Lembro-me do título de um texto, de um pequeno folheto que fiz com um assessor meu, cujo título era: "A educação está bem, mas não vai bem". Isso porque os indicadores naquele momento - de inflação, de emprego, de câmbio - eram bons, mas há coisas por debaixo da realidade que, se observarmos, dá para perceber.

    Colombo não chegou na América sem que já houvesse sinais de que existia o continente, embora, no fundo, ele quisesse ir para a Índia, pelo outro lado. Mas havia sinais de que havia terra no meio, e ele teve a ousadia de ir atrás.

    Havia sinais de que as coisas não estavam bem com a economia brasileira. Por exemplo, via-se que os gastos públicos estavam excedendo os limites da responsabilidade; nem digo fiscal: da responsabilidade, ponto. Havia sinais de que a gente estava gastando mais do que deveria.

    Pior: havia sinais de que a gente estava gastando mais do que podia em itens que não trariam resultados para dinamizar a economia; itens até necessários, como pagar o passado, as dívidas que contraímos. A dívida com os aposentados é uma dívida com o passado. A dívida com a população pobre é uma dívida contraída por não termos feito o investimento no futuro, como agora; vamos pagar um preço altíssimo por não estarmos investindo em educação corretamente, porque o problema não é só de falta de dinheiro; se chover dinheiro hoje, no quintal de uma escola, ele vai virar lama na primeira chuva.

    É preciso gastar mais, sabendo gastar melhor. Nós gastamos com o passado, nós não gastamos com o futuro, com a infraestrutura, com as crianças. Dava para ver que isso ia estourar. Na economia, chamamos de bolhas esses gastos sem lastro - um dia, alguém mete um alfinete e estoura. Foi isso que aconteceu, os gastos públicos funcionaram como uma bolha, que estourou.

    Esse era um item que dava para perceber que aconteceria, até porque as regras, muitas delas que nós criamos aqui, obrigam a gastar mais do que é possível. E as pessoas perguntam: "Mas como se pode gastar mais do que é possível se a gente não pode fazer isso em casa?" Há duas maneiras: endividando-se, e é o que fez o Brasil, ou inflação, que é o que está fazendo o Brasil. Inflação é uma maneira de gastar mais enganando a todo mundo, como se estivesse gastando dentro dos limites, porque você gasta 100, mas só vale 80. Então, havia essa indicação. Nós descobrimos em 2015, já estava latente desde 2011.

    Nós desarticulamos as estatais, isso descobrimos em 2015, mas havia claro sinal de que isso ia acontecer. O que estourou - mais uma vez, a ideia da bolha - na Petrobras já vinha sendo feito, já se percebia que se estava usando a Petrobras de uma maneira política e não de uma maneira empresarial. Nós criticamos, obviamente - e esse é um item seguinte de descoberta, que é a corrupção -, mas o que eu estou falando aqui da Petrobras não é a corrupção, é a manipulação, é manter o preço do combustível baixo para ganhar voto, sabendo que isso ia quebrar a Petrobras. Dava para ver. Quantos discursos alguns de nós não fizemos aqui dizendo que não dava para segurar o preço do combustível, porque, depois, o aumento seria muito pior?

    É a mesma coisa das tarifas elétricas. Eu fui acusado aqui de não querer que reduzissem as tarifas elétricas, eu recebi críticas. Um senhor disse que eu não estava querendo que os pobres tivessem ar-condicionado, porque eu dizia que era um risco reduzir as tarifas, uma vez que elas depois viriam aumentadas muito mais, e eu respondi para ele que eu queria, sim, que os pobres tivessem ar-condicionado, mas, para isso, seria preciso que os ricos desligassem os deles, porque não havia energia para todos ao mesmo tempo. E propus a ele que ele só usasse o ar-condicionado dele seis meses para que outro pudesse usar seis meses. Pois bem. Estava claro que aquela redução das tarifas de energia iria gerar esse problema. Nós descobrimos em 2015, mas havia sinais já em 2014.

    A desorganização administrativa que dificulta fazer as coisas, mesmo quando há dinheiro. Quantos projetos, no Brasil, têm dinheiro sobrando, e não se consegue fazer por incompetência gerencial? Estamos descobrindo agora, mas já havia sinais.

    O excesso de otimismo que eu coloquei sempre nos meus discursos aqui como um dos fatores que levariam à crise, porque o otimismo cega, o superotimista fica cego e não vê a realidade. O otimismo do pré-sal! Quantas vezes, eu disse aqui que o pré-sal não ia resolver os problemas do Brasil, porque o Brasil é grande. Um pré-sal resolve os problemas de um país pequeno do Golfo Pérsico, com 800 mil habitantes, como o Catar. Nós somos 220 milhões! Eu lembro que dizia que o Brasil não cabe dentro de um poço de petróleo! Mas vendeu-se a ideia de que, no Brasil, tudo ia ser resolvido, e esse otimismo nos cegou, durante algum tempo. O ano de 2015 é o ano da descoberta de que o pré-sal é pequeno para o tamanho gigantesco do nosso Brasil.

    Houve sinais de que a crise viria, mas 2015 é o ano da descoberta. Por isso, se eu fosse escolher uma palavra para definir 2015, eu diria o ano da descoberta do Brasil na sua realidade.

    O segundo item que nós descobrimos estava latente: a corrupção. É claro que isso começou um pouco antes. A descoberta não foi em 2015, mas foi, em 2015, que, graças à Operação Lava Jato, graças à prisão de personalidades do mundo político e do mundo econômico, de repente, a sensação é a de que o Brasil se comportou como Pedro Álvares Cabral olhando do barco em que ele viu as terras brasileiras pela primeira vez ou como Colombo vendo as terras das Américas. Deu a impressão de que nós víamos a corrupção como se não soubéssemos que ela existia. Nós descobrimos um corpo que já estava presente. O ano de 2015 tem esta grande vantagem: a vantagem da descoberta de que este País é um país que carrega, dentro dele, há muitos anos, práticas corruptas por militantes políticos, por militantes empresariais, por políticos e por empresários e, se olharmos bem, até por um conjunto muito maior da nossa sociedade, que se acostumou a se orgulhar do jeitinho de driblar as leis. E driblar as leis é corrupção! Nós nos acostumamos. Há um sentimento de orgulho no Brasil quando alguém diz "eu dei um jeitinho". O ano de 2015 nos ajudou a descobrir que nosso País, nossa sociedade, nossa mentalidade convive com o sentimento de que corrupção é diferente de roubo, tanto que criamos duas palavras, quando deveria haver só uma: roubo. E 2015 nos ajudou a descobrir isso.

    E ele nos ajuda também a descobrir a partidarização do processo político em que, em vez de termos um processo político em que os partidos estão para servir ao País, ao povo, à Nação, nós nos acostumamos a que os partidos estejam aí para servir aos partidos, para continuar no poder e não para exercer o poder a serviço do povo. Tanto estamos acostumados com esse sentimento de corrupção que ainda não usamos a palavra corrupção para os equívocos nas prioridades. Só usamos corrupção para o comportamento do político e não para as prioridades das políticas públicas. Investir em uma obra que não seja necessária para o bem do povo e do País é corrupção, mesmo que ninguém ponha dinheiro no bolso. Quando aquele prédio do TRT terminou gerando cadeia para um juiz e um político por colocarem dinheiro no bolso, houve a preocupação com a corrupção no comportamento, felizmente, mas havia outra corrupção por trás. É que a 100, 200, 500 metros dali havia gente sem esgoto, e fizemos um prédio de luxo para o serviço público. Isso é corrupção! Prédio público de luxo em um país sem água, sem esgoto nas casas, é corrupção nas prioridades.

    O ano de 2015 ainda não permitiu percebermos a corrupção nas prioridades. Teremos que esperar um pouco mais para comemorar a descoberta de que é roubo investir erradamente do ponto de vista das prioridades, dos interesses nacionais, dos interesses do povo, mesmo que ninguém roube para si. Pelo menos, descobrimos, em 2015, o tamanho da corrupção que caracteriza o que não vou chamar de prática sociopolítica, mas de prática social brasileira, especialmente na política.

    Nós descobrimos também o descrédito político. Já havia. Aqui já fizemos tanto discurso dizendo que um dia haveria uma passeata não pelo impeachment, mas contra todos - como dizem na Argentina: Que se vayan todos! Tantas vezes, foi falado aqui. Então, já há sinais disso, mas ainda não está claro. O sinal do descrédito ainda está muito concentrado no Presidente da Câmara, na Presidente da República, em ex-Presidente, mas não está ainda claro que o descrédito é muito maior. O descrédito é com todos nós que fazemos política neste País; 2015 ajudou bastante a descobrir isso, sinais já havia, mas fazíamos de conta que não víamos. E 2015 ajudou a descobrir que vivemos em um país com descrédito político e ajudou a descobrir, um pouco, ainda não plenamente, o porquê disso: o corporativismo, como dividimos a política brasileira, em que cada Parlamentar representa um grupo e não o povo ou uma parcela mesmo do povo, representa um sindicato, representa uma igreja, representa um grupo de empresários. Vejam as Bancadas: a Bancada da Bala, que representa, basicamente, produtores de armas; a Bancada da Bíblia, que representa os representantes de igrejas; a Bancada dos Bancos; a Bancada do Agronegócio. E a Bancada do povo? E a Bancada do Brasil? Não há, porque corporativizamos a política. Essa é uma das causas do descrédito.

    Nós temos um descrédito - e 2015 ajudou a descobrir isto - por causa dos partidos, em número tão grande e, ao mesmo tempo, inexistentes. O Brasil tem essa característica meio esquizofrênica, maluca, em que há um número grande de partidos e não há partido nenhum, porque todos esses partidos são meros clubes eleitorais, siglas para permitir cumprir a obrigação que está na lei de que para ser candidato neste País precisa estar filiado a um partido político. E tome partido, tome partido, e nenhum deles é partido.

    Foi em 2015 que fiz um discurso muito criticado em que eu dizia que era preciso acabar com todos os partidos e criar novos. Os partidos interpretaram, nessa manipulação que caracteriza a política brasileira, que eu estava dizendo que era preciso fazer política sem partidos. Não. Eu defendo que a pessoa possa ser candidata sem partido; eu, defendo, como em muitos países do mundo, o chamado candidato avulso. Mas a política precisa de Partidos, com p maiúsculo, e não de partidos com p minúsculo, que são clubes eleitorais, são siglas apenas.

    E 2015 ajudou a descobrir a fragilidade dos nossos partidos, todos, sem exceção. Não venha nenhum dizer que é diferente, tanto que caracteriza, de fato, um partido com identidade ideológica clara, com identidade ética clara entre todos os seus militantes, participantes. Não há. Isso leva ao descrédito.

    Leva ao descrédito também o fato de que nós fazemos política prisioneiros do imediato, do curto prazo. Nós fazemos política como se o Brasil acabasse a cada quatro anos e começasse de novo a cada quatro anos por causa das eleições. O Brasil transcende os anos eleitorais, ele vai além. E nós políticos não estamos conseguindo pensar isso. O Brasil existe até 2018, depois até 2022, depois até 2026, conforme a eleição que nós disputamos. Para os vereadores, os prefeitos, é 2016, 2020, 2024, como se fosse um País de saltos e não um País de continuidade. Isso está desmoralizando, porque não vemos a longo prazo, não falamos o que vai ser o Brasil daqui a 20, 30 anos. Aqui dentro, não aparece.

    E aí votamos uma quantidade imensa de leis para este ano em cima de seu final, até porque, como, nesta semana, em que eu participei de um debate em uma das comissões, se não aprovássemos a lei até agora, ela não entraria em vigor no próximo ano. Logo, isso sacrificaria alguns grupos - grupos, não o País. Gente, aprovar porque tem que ser até 2017, 2019, 2020? E o século XXII?

    Isso está ajudando a criar um descrédito. Em 2015, nós tivemos uma descoberta, ainda não plena, total, convicta, mas pelo menos uma percepção.

    Outro item é a manipulação eleitoral. Há anos, faz-se manipulação eleitoral. Há anos, no processo eleitoral, as mentiras são ditas com uma facilidade de ator no palco, lugar das mentiras - ali é o lugar da tragédia, do drama, da comédia, não é o lugar da realidade. Mas o palco político não é o palco teatral. Palco é palco, palanque é palanque. A diferença fundamental é que o palco é o espaço da mentira, da farsa, do teatro, da literatura, da ficção, e o palanque deveria ser o lugar da verdade, do compromisso. Misturamos. Transformamos o processo eleitoral em um grande teatro.

    Daí a importância dos marqueteiros. Os marqueteiros são os diretores teatrais do processo eleitoral. No Brasil, os nomes dos marqueteiros têm sido mais importantes nas disputas presidenciais do que os nomes dos candidatos. Isso é uma - não vou dizer depravação do processo político, porque é uma palavra incômoda - deturpação muito forte do processo político. Primeiro, marqueteiro deveria existir para sabonete, para roupa, para televisão, para carro, não para políticos. Mas, se existir, se for preciso alguma ajuda de assessoria, que ninguém saiba nem o nome, de tão discreto que seja o trabalho dele. Mas não é o nosso caso. No nosso caso brasileiro hoje, o marqueteiro é o diretor teatral da farsa eleitoral. Isso gera uma manipulação. Quem é eleito é quem é capaz de mentir com mais competência graças ao diretor por trás dele fazendo os programas eleitorais.

    Tem de acabar com esses programas eleitorais! Programa eleitoral tem de ser o candidato olhando o eleitor - candidato e eleitor -, sem nada por trás disso. Se ele quer dizer que fez obras, que diga, não mostre, não precisa disso. Isso é a teatralização da política, é a política cinematográfica, que leva ao que a gente descobriu em 2015, que carrega mentiras, que mostra um Brasil que não é o real e que propõe um Brasil que não é possível.

    Foi o que a gente viu. O Brasil que apareceu na campanha de 2014 era o das tarifas elétricas baixas. O Brasil que apareceu em 2015 é o das tarifas elétricas altas. O povo descobriu essa manipulação. O ano de 2015 é o da descoberta do Brasil real, do Brasil em que a gente falseia o processo eleitoral.

    Até aqui, a gente nunca tinha visto com tanta nitidez a diferença, o divórcio entre promessas e programas na hora de executá-los. Isso não tinha sido visto com tanta nitidez, até porque, como não havia reeleição, não havia candidato Presidente, salvo dois antes. Foram duas experiências de reeleição apenas. É nessa terceira que se demonstrou a farsa de uma Presidente candidata mostrando um Brasil que ela teria feito, o que não era verdade, e propondo um Brasil que ela faria, o que não seria a verdade.

    Essa manipulação traz problemas muito sérios, e a gente não percebia. O ano de 2015 é o da descoberta do Brasil manipulado na política. Essa manipulação traz, a meu ver, uma descoberta que é muito triste para mim: é a manipulação de usar como um programa o que não passa de um slogan, que é a ideia da Pátria Educadora. O ano de 2015 mostrou que a ideia de Pátria Educadora tem sido apenas um slogan. Nossas crianças continuam...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ...sem se alfabetizar na idade certa, nossos jovens continuam sem terminar o ensino médio, os 40% que o terminam continuam sem qualificação para enfrentar o mundo. Continuamos com 13 milhões de analfabetos adultos, e a torneirinha que pinga analfabetos adultos continua aberta. A gente descobriu isso em 2015.

    A gente descobriu que o Ciência sem Fronteiras, esse programa tão bom, criado pelo Governo atual, pelo Governo de Lula para cá, não tem consistência para continuar por falta de dinheiro, e foi prometido que continuaria.

    Descobrimos que o Fies e o Prouni, duas coisas boas, não têm dinheiro para continuar. Mas há uma coisa mais grave ainda por trás: por não termos feito o dever de casa na educação de base, não está adiantando fazer essa parte de cima no ensino superior.

    O ano de 2015 permitiu a descoberta de que, sem uma educação de base com qualidade, não adianta aumentar o número de universidades, o número de universitários. Não é que isso seja ruim, mas não adianta, não é suficiente, não constrói uma nova Pátria, não constrói um novo Brasil.

    Senador Acir, concluo, passando da descoberta para a construção. O ano de 2015 foi o ano da descoberta. A gente precisa tentar fazer com que 2016 seja o ano do início da construção. Mas tenho dúvidas se vou chegar aqui, estando vivo no final de 2016, e se vou poder dizer que 2016 foi o ano do início da construção, porque há uma diferença entre construção e descoberta: para a descoberta, a gente pode marcar um ano; construção não, porque construção é um processo. A gente pode marcar o ano do início da construção.

    Tenho dúvidas, porque a gente não descobriu ainda, neste ano de 2015, que o Brasil vai além do ano que termina, vai além de gestos isolados. E o Brasil se dividiu, em 2015, entre os que defendem o impeachment e os que são contra o impeachment. E vai ser preciso esperar 2016 para ver a descoberta de que, com impeachment ou sem impeachment, o Brasil continua com os problemas que são reais e que não dependem apenas de quem é o Presidente e de quem não o é.

    O Brasil vai ter de esperar 2016 para perceber que o impeachment ou o não impeachment não basta para construir um novo País. Para se construir um novo País, vai ser preciso que, com impeachment, que traga um novo Presidente já em 2016, ou sem impeachment, que mantém a mesma Presidente em 2016, qualquer que seja, eles vão ter de fazer alguns gestos. Primeiro, qualquer um deles terá de assumir que ele não governa para seu Partido nem para a turma ao redor do Partido nem para os Partidos da coalizão. O seu Partido e os Partidos da coalizão estão aí para servirem ao Brasil, e não o Brasil está aí para servir a esses Partidos.

    O Presidente vai ter de descobrir isso. Acho até que Presidente deveria, no primeiro dia de governo, deixar de ser Presidente. Ele tem de sair do seu Partido, desculpe-me, e não deixar de ser Presidente. O Primeiro Ministro tem de ser de um Partido, mas o Presidente representa a Nação.

    Por isso é que se faz impeachment. No caso do parlamentarismo, tira-se a confiança, e ele cai, sem nenhum trauma, sem nenhum problema. Presidente, não. Presidente, para cair, tem de passar por um processo muito cuidadoso, rigoroso, porque ele não é só chefe de governo, ele é chefe da Nação, do Estado.

    Chefe de Estado não deveria ter partido, como imperador não tem partido, rei não tem partido. Chefe de Nação tem de estar acima de tudo. Qualquer que seja, com um novo Presidente, pelo impeachment, com a Presidente atual, sem impeachment, tem de assumir que não está aí para servir ao seu partido nem aos partidos da sua coalizão. Tem de dialogar com as oposições, tem de ouvir os críticos. A atual Presidente faz de conta que os ouve, mas não os ouve. Ouvir é assumir aquilo que ouve. E isso a gente não vê.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A gente vai precisar em 2016 descobrir que o Brasil continua com os mesmos problemas, com as mesmas necessidades, sobretudo a necessidade de querer construir um novo País, um novo País cuja primeira preocupação deve ser parar a decadência em que estamos caminhando. Hoje, o Brasil não está apenas em uma crise; hoje o Brasil está no início de um processo de decadência. A diferença é que, na crise, em dois ou três anos, a gente sai dela; na decadência, precisa de uma ou duas gerações para dela sair.

    A recessão é o PIB não crescer; a decadência é o PIB ficar preso aos bens primários, não ter um componente de alta tecnologia nos produtos que cria, não ser inovadora, como a brasileira. Crise é, um dia, haver uma greve de professor; decadência é haver dezenas de greves de professor a cada ano, centenas, aliás. Decadência é ficarmos para trás em relação aos outros países no que se refere à educação de nossas crianças. Isso não é crise, isso é decadência. Crise é haver uma epidemia circunstancial; decadência é não sermos capazes de controlar os mosquitos deste País, em pleno século XXI. Nós nos acostumamos tanto com as coisas no nosso País, que a gente acha que, em todo lugar do mundo, há mosquitos infernizando a vida das pessoas. Não, em muitos países, já não há mosquitos infernizando a vida das pessoas.

    Mas não aprendemos isso ainda, porque não aprendemos a mobilizar a população, porque não usamos os recursos disponíveis. A primeira coisa, então, é parar essa marcha à decadência, para a qual, como tudo indica, o Brasil está caminhando.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu temo que, da mesma maneira que tantos avisos aconteceram para identificar a crise - e foi preciso esperar 2015 para a descoberta dela -, a gente precise esperar mais uns cinco, seis ou dez anos para descobrir a decadência, quando nossos cientistas já tiverem ido embora, como aconteceu com a Argentina; quando o nosso PIB já não for capaz de reagir às necessidades de uma população que cresce; quando nós perdermos toda a capacidade de usar a inteligência do povo brasileiro por falta de educação; quando o Brasil começar a mostrar que é um País secundário, insignificante, no cenário das nações. Eu temo que, para comemorar o dia, o ano da descoberta da decadência, tenhamos de esperar uma década, e aí será uma década mais do que perdida, será a década em que afundamos.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O que é perdido a gente acha, mas, se afundar, dá trabalho sair do buraco.

    Então, qualquer que seja o Presidente em 2016, com impeachment ou sem impeachment, vai ter de entender seu papel de ser mais do que uma pessoa de partido, de conviver com todas as forças políticas, de barrar o processo de decadência, de sair da crise e de definir as linhas de ação para construir a Nação que nós queremos e que nós podemos e sabemos como fazer.

    É isto, Senador Acir, que espero que 2016 possa ser: o ano do início da construção. Digo que será o início da construção, é claro, sem querer menosprezar todos aqueles que já fizeram sua parte no passado na construção deste País. Ele não vai começar. A palavra "início" é no sentido de um reinício, de um recomeço, de um reencontro nacional do Brasil com seu destino. Hoje, o Brasil e o seu destino estão interrompidos, cortados. Nós não estamos hoje convivendo com nosso destino. Nós paramos. Paramos. Em 2015, paramos. Descobrimos isso, felizmente, porque começou há muito tempo, não é uma invenção de 2015, não é uma invenção da Presidente Dilma, vem de antes, vem de não termos feito o dever de casa muitos anos atrás, para mim, principalmente, na educação das crianças.

    Mas uma porção de outros deveres também nós não fizemos, inclusive ao nos acostumarmos - e a nossa Constituição é pródiga nisso - em termos direitos, e não deveres.

    Este é um dos grandes erros nossos: nós colocamos uma Constituição de direitos, não de deveres. É como se o País existisse para cada um de nós, e não a gente também para o País. Pois bem, esperemos que, em 2016, esse processo se encerre, o da descoberta, e comecemos o período de reconstrução, de retomada do Brasil com o seu destino. Isso não vai ser resolvido por haver ou não impeachment. Estão iludidos os que acham que o impeachment é suficiente para iniciar um novo Brasil. Também estão iludidos os que acham que a continuação do Governo Dilma será suficiente para levar o Brasil ao destino que temos o direito de querer e a obrigação de construir. Que 2016 seja um ano de construção, não apenas de descobertas, e que seja um ano feliz para todos nós, individualmente, porque é preciso lembrar que, embora seja muito difícil ser feliz quando o Brasil vai mal, de qualquer maneira existe uma dimensão privada, individual, da qual a gente não pode esquecer. E é pensando nessa dimensão individual que a gente não pode esquecer que eu desejo a cada um de vocês, crianças, adultos, velhos, homens, mulheres, brancos, negros, índios, qualquer um de nós que tem o privilégio de se sentir brasileiro e de poder dizer que é brasileiro, brasileira, eu desejo um feliz 2016. É isso, Senador Acir.

    O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Meus cumprimentos, Senador Cristovam Buarque, não só pelo seu pronunciamento, mas pela sua atuação no Congresso Nacional. Nós nos espelhamos muito em V. Exª para realizar o nosso trabalho, não só com relação ao ensino, à educação, mas pela sua conduta perante os colegas do Congresso, perante o Executivo. Suas posições são muito firmes e objetivas e buscam um Brasil melhor para a população brasileira.

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Parabenizo V. Exª pela sua atuação, pelo seu trabalho, e sinto-me muito feliz por estarmos no mesmo Partido. Eu tenho a honra de ser um líder operacional do nosso Partido no Senado, do PDT, mas o verdadeiro líder do nosso Partido é com certeza V. Exª. Nós temos muito orgulho de estarmos juntos nesse trabalho, nessa grande missão que teremos, principalmente no ano que vem, de tratarmos de assuntos cada vez mais polêmicos, importantes para o desenvolvimento e para a garantia de trazermos estabilidade econômica, que deve vir através da estabilidade política. Não dá para separar as duas coisas.

    É claro que temos uma crise econômica, mas ela foi potencializada pela crise política. Eu dizia, há pouco, que parte dessa crise política tem um nome: são as operações - não vamos nominar uma ou outra - que aconteceram nesses últimos meses, talvez desde o ano passado, de combate à corrupção. Essa é, talvez, a causa maior dessa crise política que nós estamos atravessando, mas é um mal necessário por que o Brasil precisa atravessar. Nós vamos ver o Brasil sair dessa crise muito mais fortalecido, com uma consolidação mais forte, principalmente as suas instituições, que estão demonstrando que estão consolidadas. O Legislativo, o Executivo e o Judiciário, cada um no seu segmento, estão fazendo um trabalho pautados sempre pela Constituição. Isto está comprovado: o Brasil está consolidado com a sua democracia através das ações das suas instituições. E nós vamos ver o Brasil sair de todo esse imbróglio; nós vamos ver isso acontecer e vamos trabalhar para que isso aconteça. O Brasil vai passar por isso, com certeza.

    Eu dizia, ontem, que pode haver rebaixamento do Brasil, pode haver diminuição do crescimento do Brasil, mas não pode haver retração no combate à corrupção. Isso é muito importante para toda a população brasileira.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

    Eu quero dizer que também é uma honra para mim estar junto com o senhor, e o senhor sempre se comporta de uma maneira muito correta com todos nós. Agradeço esse título de líder honorário. Eu sou professor emérito da UnB. Deve ser a idade, que vai fazendo a gente ficar nisso.

    Uma das provas de que não estamos bem é que, há um ou dois anos, se fôssemos escolher a pessoa do ano, escolheríamos o Ministro do Supremo, Joaquim Barbosa. Agora, seria o juiz Moro. Isso não é bom para o Brasil. Felizmente, existem pessoas como eles, mas o ideal é que a pessoa do ano fosse um líder político ou até um líder intelectual, um poeta.

    Mas estamos em uma situação tal em que a corrupção está tão forte que, felizmente, temos essas grandes figuras humanas, como Joaquim Barbosa e o juiz Moro, que terminam sendo as grandes personalidades do ano, como foram, em alguns momentos no Brasil, atletas - e militares também. Felizmente, são juízes, ainda não militares, embora, se um dia um militar se vestir de civil e disputar uma eleição, ele seja civil nesse processo. Ele não pode é usar farda para chegar ao poder e exercê-lo. Se ele se candidata como civil, tudo bem.

    Então, é uma pena que ainda não tenhamos, neste ano, uma pessoa do ano entre um de nós, políticos. Mas a verdade é que não temos porque não estamos merecendo. Esta é uma das descobertas de 2015: descobrir que a pessoa do ano não sai do meio dos líderes políticos; sai entre aqueles que lutam contra a corrupção. E, felizmente, graças a Deus, eles estão fazendo o seu trabalho junto com a polícia. Mas não é uma coisa boa, no longo prazo do Brasil, a polícia ser a Seleção Brasileira. Seleção Brasileira tem que estar entre os líderes e até mesmo entre os artistas e futebolistas. Quando a gente tem que dizer, reconhecer e agradecer o papel da polícia, é porque as coisas não vão bem.

    Eu espero que, em 2016, a gente comece a mudar isso, comece a fazer com que os juízes, os policiais, todos do Ministério Público cumpram tão bem a função deles hoje que eles fiquem discretos nos próximos anos e que a gente não precise tanto deles como estamos precisando hoje.

    Era isso, Senador Acir.

    Um feliz 2016 para o senhor, para sua família e para todo o povo de Rondônia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2015 - Página 87