Pela Liderança durante a 225ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com a possibilidade de contingenciamento de recursos do Programa Bolsa Família, conforme proposta de corte de R$ 10 bilhões formulada pelo relator geral do orçamento.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Preocupação com a possibilidade de contingenciamento de recursos do Programa Bolsa Família, conforme proposta de corte de R$ 10 bilhões formulada pelo relator geral do orçamento.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2015 - Página 24
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, ORÇAMENTO, PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV), DEFESA, MANUTENÇÃO, TOTAL, RECURSOS PUBLICOS, DESTINATARIO, PROGRAMA DE GOVERNO.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidente. Eu ia só fazer uma brincadeira aqui com o Senador Randolfe e também com V. Exª, dizendo que é tão evidente a tentativa de golpe que até o nome da operação dado pela Polícia Federal remete a um Parlamentar golpista das calendas.

    O que me traz hoje à tribuna, Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, é um dos assuntos que eu tenho como da mais alta importância de discussão neste momento no País e que faz parte da nossa pauta orçamentária, que é o Programa Bolsa Família. Infelizmente, o Relator Geral do Orçamento, Deputado Ricardo Barros, do meu Estado, está propondo fazer um corte de R$10 bilhões no Programa Bolsa Família e, para justificar esse corte, tem-se valido de várias argumentações que não correspondem à verdade dos fatos. Então, venho hoje à tribuna para esclarecer cada um desses argumentos.

    Por isso, eu queria pedir ao Presidente Jorge Viana que eu pudesse ter o tempo regulamentar da Liderança, para explicar essa situação do Bolsa Família, porque acho isso de grande importância para a nossa população e para o nosso País.

    Primeiro, o perfil da renda das famílias do Bolsa Família foi interpretado equivocadamente de um Relatório de Avaliação da Execução de Programas de Governo (RAV) nº 7, da Controladoria-Geral da União, de 2012, como se apenas 61% das famílias apresentassem renda compatível com a estabelecida pelo Bolsa Família. Segundo os dados do relatório, das 11.686 famílias pesquisadas, 61,3% tinham renda compatível com o programa; 29,6% não puderam ser avaliadas, porque não estavam em casa para responder à pesquisa - então, não era por não terem renda compatível com o programa, pois não foram ouvidas, não estavam em casa para serem avaliadas; e 6,7% das famílias possuíam indícios de renda superior. Quais eram esses indícios? Sinais externos como a qualidade da casa ou a presença de eletrodomésticos. E somente 2,4% das famílias tinham evidência de renda superior - as evidências seriam comprovantes, contracheques - aos critérios estabelecidos pelo Bolsa Família.

    Então, é importante deixar isso claro, porque se tem batido muito no fato de que apenas 61% das famílias entrevistadas - e essa entrevista foi feita num universo pequeno - estavam compatíveis com o programa. Na realidade, cerca de 30% não foram sequer entrevistados, porque não estavam em casa.

    É importante destacar alguns pontos. Por exemplo, o fato de a família ter renda superior ao limite do Programa Bolsa Família em determinado momento, por causa de um emprego ou de um bico temporário, não necessariamente desqualifica a família, pois se considera a renda média ao longo dos 12 meses, e não naquele exato momento em que ela está sendo pesquisada.

    Aliás, isso foi objeto de uma nota publicada pela própria Controladoria-Geral da União, que esclarece os dados divulgados. Diz a nota: "Cabe registrar que as observações feitas pela CGU não indicam necessariamente o descumprimento das regras do programa, já que o critério de elegibilidade considera a renda anual da família."

    A CGU também declarou publicamente que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) tem adotado todas as providências e recomendações feitas pela CGU em seus relatórios de auditoria sobre o Programa Bolsa Família e que o MDS tem feito esforços para a qualidade das informações que servem de base para o programa. Periodicamente, são realizados procedimentos de Fiscalização, Revisão Cadastral e Averiguação Cadastral, para garantir a qualidade das informações do Cadastro Único e a focalização do Programa Bolsa Família.

    A CGU já se posicionou: "O MDS incluiu essas famílias no processo de Fiscalização, Revisão ou Averiguação Cadastral para confirmação dos dados registrados no Cadastro Único, tendo sido verificada a totalidade dos indícios apontados pela CGU." Textualmente, afirma: "Embora ainda existam ocorrências de cadastros não atualizados, cabe ressaltar que o MDS tem envidado esforços no sentido de atualizar e validar as informações constantes do Cadastro Único." Nós estamos falando de um programa que atinge mais de 13 milhões de famílias.

    Ainda disse a CGU: "Cabe esclarecer que a realização desses cruzamentos vem ao encontro da recomendação emitida por esta CGU [...], visando avaliar a veracidade das informações acerca da renda declarada, minimizando, dessa forma, os desvios dessa espécie."

    Então, quando se falar do Programa Bolsa Família, é bom se falar por completo, trazer a realidade, trazer a informação de todos os posicionamentos da Controladoria-Geral da União.

    Por fim, os dados da PNAD 2014, recentemente divulgada, confirmaram que o perfil das famílias do Bolsa Família corresponde precisamente às famílias 20% mais pobres da população brasileira. É um programa, portanto, bem focalizado. Ou seja, o Programa Bolsa Família chega a quem precisa. O MDS cumpre estritamente as recomendações da CGU, e aqueles que deveriam ter sido desligados em função das auditorias da CGU já o foram ou estão sendo.

    O segundo ponto se refere à permanência de famílias no Bolsa Família mesmo com renda superior ao critério de entrada. Foi afirmado, equivocadamente, pelo Relator-Geral que não haveria legalidade na presença das famílias com renda superior aos limites estabelecidos para ingresso, a denominada regra de permanência. Afirmou-se não haver fundamento legal e que essas famílias não deveriam ser atendidas pelo Programa.

    A regra de permanência foi criada em 2010 para acolher as variações de renda das famílias beneficiárias. Pela regra, a renda por pessoa das famílias pode, durante o período de até dois anos, variar entre R$154,00 e R$390,00, que é meio salário mínimo, sem resultar no seu desligamento imediato se voluntariamente comunicada. Por quê? Porque estudos do Ipea e do Banco Mundial demonstram, primeiro, que as famílias pobres sofrem muito com grande variação de renda e precariedade de suas ocupações, bem como que, dos que obtêm um emprego formal, 50% o perdem novamente antes de completar 20 meses, ou seja, antes de completar dois anos, e que, nos dois anos seguintes à perda de um emprego formal, apenas 25% dos pobres obtêm novo posto formal de trabalho.

    Estamos falando de uma população muito pobre, com muitas dificuldades de conseguir ocupação em emprego formal e também de mantê-los, porque são empregos mais precarizados, que têm uma alta variação, ou seja, as pessoas não ficam nesses empregos por muito tempo, nem os empregos ficam à disposição das pessoas por muito tempo.

    Por isso, criou-se essa regra de permanência no Bolsa Família, em que a pessoa, mesmo conseguindo emprego, fica no Programa Bolsa Família por até dois anos, para se firmar no emprego e aí sair do programa.

    A regra de permanência tem como objetivo, portanto, dar segurança aos beneficiários frente à instabilidade da renda e à precarização dos vínculos de emprego, apoiar a família na busca por melhor inserção no mercado de trabalho e incentivar a atualização tempestiva do cadastro diante de alterações da renda per capita da família.

    Diferentemente do que o Relator do Orçamento Geral, o Deputado Ricardo Barros, afirma, a regra de permanência é fundamentada em lei, sim. Ela está prevista na Lei nº 10.836/2004, art. 2º, §6º:

Os valores dos benefícios e os valores referenciais para caracterização de situação de pobreza ou extrema pobreza de que tratam os §§2º e 3º poderão ser majorados pelo Poder Executivo, em razão da dinâmica socioeconômica do País e de estudos técnicos sobre o tema, atendido o disposto no parágrafo único do art. 6º.

    Adicionalmente, a regra de permanência é regulamentada pelo Decreto nº 7.013, de 2009, que modifica o art. 21 do Decreto nº 5.209, de 2004:

Sem prejuízo do disposto nas normas de gestão de benefícios e de condicionalidades do Programa Bolsa Família, a renda familiar mensal per capita fixada no art. 18, no período de que trata o caput, poderá sofrer variações sem que o fato implique o desligamento imediato da família beneficiária do Programa.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Em outubro de 2015, encontram-se na regra de permanência famílias com renda per capita média de R$219,13, conforme declarado ao Cadastro Único. A renda per capita média é de R$219,13; portanto, é uma renda baixa. O valor do benefício médio das famílias na regra de permanência foi de R$117,30. Não é verdadeira a imagem sugerida de que as famílias em regra de permanência possuem "elevada renda".

    Ora, renda de R$219,00 ou renda de R$117,00 não é renda elevada. Então, é muito ruim quando se usa esse tipo de argumento para deturpar a realidade.

    O conjunto de famílias em regra de permanência não é estático, ou seja, há um fluxo permanente de entrada e de saída. Além disso, as famílias permanecem por pouco tempo: na média do ano de 2015, a maioria das famílias, cerca de 56%, permaneceu na regra por apenas seis meses.

    Haverá efeitos perversos, caso a regra de permanência seja suprimida: cancelamento imediato dos benefícios da família, e, portanto, a volta da família à extrema pobreza; agravamento da instabilidade das famílias pobres, que buscam sair da pobreza por meio do trabalho; efeitos decorrentes da falta de acompanhamento escolar e de saúde das pessoas e crianças que compõem essas famílias - as crianças são obrigadas a ir para a escola; estamos salvando uma geração do analfabetismo e, portanto, dando condições para que essa geração não precise mais do Bolsa Família -; desincentivo à atualização cadastral e à declaração correta dos valores; elevação dos custos administrativos do programa, porque se tem de buscar atualizar de forma mais rápida os cadastros.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Deve-se dizer que, hoje, o programa possui custos de administração extremamente baixos na comparação internacional. O Brasil gasta cerca de 5% do valor da folha de pagamento do Bolsa Família com sua administração, enquanto, na experiência internacional, programas semelhantes gastam cerca de 15%.

    Também cabe questionar se a definição do Orçamento nacional para 2016 é o espaço adequado para discutir o Programa Bolsa Família, o desenho de suas regras.

    O terceiro ponto a que se refere o orçamento do Bolsa Família é muito importante. Falou-se, equivocadamente, que sobrariam recursos nas contas individuais dos beneficiários do Bolsa Família, que não os sacariam. Primeiro, não há sobra de recursos no orçamento do Programa. A dotação orçamentária do Bolsa Família é utilizada integralmente com a execução de 100% dos recursos destinados desde 2007. Se um Estado não executa integralmente seu recurso, outro Estado passa a executar. Por exemplo, há Estados que executam 98% e Estados outros que executam 102%, porque fazem a adequação do programa e do cadastro.

    Em segundo lugar, é equivocado imaginar que haveria recursos parados em contas individuais, porque não existem contas individuais dos beneficiários. Existe uma conta suprimento entre o Ministério do Desenvolvimento Social e a Caixa Econômica, na qual é depositado todos os meses, em parcela, o montante necessário para cobrir os benefícios programados para o pagamento do respectivo mês.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - A família, a pessoa chega com o cartão e saca dessa conta suprimento. Ela não tem uma conta individual. O pagamento é feito por meio da plataforma de pagamentos sociais da Caixa, junto à qual os beneficiados sacam os valores que lhes cabe com o cartão social. Um número residual de famílias é bancarizado e optou por receber o benefício por meio de conta poupança. Mas é um número muito pequeno.

    O percentual de saque dos benefícios liberados durante o período de vigência da parcela, até três meses depois da liberação, foi de 98,6% em 2014 e de 99,3% no primeiro semestre de 2015. Como os senhores veem, não sobra dinheiro na conta do Programa Bolsa Família. Esses patamares colocam o Programa Bolsa Família em nível igual ou mesmo superior ao de outros programas sociais, como é a Previdência Social...

(Interrupção do som.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ...o FGTS, o Seguro-Desemprego e o abono salarial.

    Os valores não sacados após 90 dias são devolvidos para o MDS durante o ano de competência. Em 2014, foram devolvidos R$47,2 milhões. Quando uma família deixa de sacar o benefício durante seis meses, ela é desligada do programa. Cabe sublinhar que as projeções orçamentárias e financeiras do programa já incorporam os percentuais de não saque.

    Concluindo, não é verdade que haja recursos parados em contas seja do programa, seja de beneficiários, até porque não existe conta de beneficiários. E, além disso, os percentuais de não saques são levados em consideração quando da projeção orçamentária.

    A proposta de corte de R$10 bilhões do orçamento do Programa Bolsa Família é um absurdo! Esse corte traria consequências graves não só para a população beneficiária...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ...mas para toda a sociedade brasileira. Vinte e três milhões de pessoas seriam desligadas do programa, das mais de 45 milhões que são atendidas. Onze milhões são de menores de 18 anos. Oito milhões voltariam à extrema pobreza; desses, 3,7 milhões são crianças e adolescentes.

    Os impactos por Estado são muito grandes. Quero apenas aqui, por questão de tempo, registrar o que acontece Paraná. O Paraná tem 1,433 milhão de famílias no Bolsa Família. Com o corte de R$10 bilhões no programa, 1,078 milhão de famílias seriam desligadas. Setenta e cinco por cento das famílias do Paraná seriam desligadas do Programa Bolsa Família. Isso quer dizer que essas famílias estão aptas, já têm trabalho e não vão sofrer uma regressão para a miséria? Muito pelo contrário. Haverá famílias que voltarão à miséria, inclusive no Paraná, que é um Estado considerado rico.

    Ressalto que 96,6%...

(Interrupção do som.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... dos alunos de 6 a 15 anos (Fora do microfone.) cumpriram a frequência exigida pelo Programa Bolsa Família - nós prejudicaríamos essas crianças que deixariam de ir à escola - e 91,1% dos jovens entre 16 e 17 anos cumpriram também a frequência exigida - nós deixaríamos também de atender esses jovens.

    Os alunos do Bolsa Família têm taxas de aprovação escolar bem próximas às dos não beneficiários.

    Na área de condicionalidade e de saúde, por exemplo, o Programa acompanha 12 milhões de famílias. Coletando dados junto ao Ministério da Saúde, no primeiro semestre de 2015, de 5,5 milhões de crianças na faixa 0 de 6 anos, 99% estavam com calendário de vacinação em dia e 85%, com registro de acompanhamento do crescimento; e de 232 mil gestantes, 99% fizeram acompanhamento do pré-natal, sendo beneficiárias do Bolsa.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Nós reduzimos a mortalidade infantil neste País a níveis muito baixos, graças ao Programa Bolsa Família.

    Sr. Presidente, quero aqui reafirmar o compromisso que nós temos que ter como Parlamentares, como cidadãos, como mães, como mulheres, como integrantes de um Parlamento que se preocupa com a população. Não é justo, não é sério cortar R$10 bilhões do Programa Bolsa Família. Em nome do quê? De pagar juros da dívida? Em nome do quê? Que estabilidade orçamentária traria? Deixaríamos milhões de pessoas à mercê, na miséria, situação que nós já varremos do mapa do Brasil - já saímos do mapa da fome.

    Portanto, faço aqui um apelo a todos os Parlamentares para sermos contra o corte do Bolsa Família, porque não há justificativa para isso.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2015 - Página 24