Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da cafeicultura nacional ante a tentativa da Nestlé de conseguir junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a liberação da importação de café verde da Etiópia; e outro assunto.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da cafeicultura nacional ante a tentativa da Nestlé de conseguir junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a liberação da importação de café verde da Etiópia; e outro assunto.
AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO:
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2015 - Página 271
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, HUMBERTO COSTA, SENADOR, DEFESA, CONSTITUCIONALIDADE, LEGALIDADE, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, AUSENCIA, GOLPE DE ESTADO, PROCEDIMENTO.
  • CRITICA, EMPRESA MULTINACIONAL, COMERCIO, ALIMENTOS, TENTATIVA, OBTENÇÃO, AUTORIZAÇÃO, IMPORTAÇÃO, CAFE, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ETIOPIA, PEDIDO, KATIA ABREU, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), AUSENCIA, DEFERIMENTO.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que o pronunciamento do meu estimado amigo, Senador Humberto Costa, é efetivamente um pronunciamento que nos provoca para um exercício de um contraditório acerca desse processo em curso na Câmara Federal, que tem como foco o deferimento exercido pelo Presidente da Câmara em relação ao impeachment da Presidente Dilma, ato que a Câmara dos Deputados deverá analisar e terá que fazê-lo, evidentemente, dentro do devido processo legal, exercendo os prazos, os ritos e os contraditórios, mas, evidentemente, Sr. Presidente, não posso aceitar caladamente que esse tipo de processo seja considerado como um golpe, porque há previsão constitucional, as nossas instituições estão funcionando adequadamente, haja vista, inclusive, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, me parece, dará um freio de arrumação em todo esse processo, para que possa se dar no rigor e na extensão do estresse, evidentemente, da divergência, mas é preciso que se dê, ainda que no estresse da divergência, de maneira civilizada.

    Espero, oportunamente, fazer aqui um posicionamento à luz desse processo, condenando, evidentemente, todos aqueles que acham que esse processo é um golpe. Não, Sr. Presidente. Não! O Partido dos Trabalhadores já protocolou pedido de impeachment contra o saudoso ex-Senador e ex-Presidente Itamar Franco. Portanto, os conceitos, as classificações e os princípios não podem se mover como se move uma característica da biologia, ou seja, de acordo com a conveniência, homotipia ou homocromia - a junção de forma ou de cor em função da sua circunstância. A circunstância não pode mover o princípio, o princípio precisa ser um ponto fixo, mas quero, adequadamente, voltar a esse tema numa outra oportunidade.

    O que me traz à tribuna hoje, Sr. Presidente, é uma manifestação de preocupação em relação a mais uma tentativa que pode representar, Senadora Ana Amélia, um duro golpe na produção da atividade cafeeira em nosso País. Digo isso porque V. Exª é a Presidente da Comissão de Agricultura do Senado Federal, e é muito importante que esse assunto possa encontrar eco e guarida na pauta da Comissão de Agricultura do Senado.

    Depois de uma tentativa frustrada de liberar a absurda importação de café verde do Peru - contra essa tentativa, encontrei, em V. Exª, uma aliada na nossa defesa, e juntos fomos levantar e apresentar as nossas teses à Ministra Kátia Abreu -, estamos, mais uma vez, por incrível que pareça, diante de uma nova investida com igual motivação, ou seja, facilitar a concorrência desleal de grãos vindos de outras nações produtoras no mercado doméstico brasileiro.

    De novo, estão tentando fazer com que o Brasil se transforme em importador de café verde, simplesmente para ocuparmos espaços no mercado interno.

    Desta vez, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a multinacional Nestlé tenta conseguir autorização para importar café verde não do Peru, mas da Etiópia, destinado à produção de cápsulas em nosso País.

    Em maio, a Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, atendendo aos apelos do bom senso, da justiça e do reconhecimento dos prejuízos que isso traria à produção nacional de café, não permitiu que esse pleito prosperasse.

    De novo, essas mesmas manifestações, argumentos e sustentações estão presentes, quando, novamente, a Nestlé pretende importar café - agora, da Etiópia - trazendo, efetivamente, consequências econômicas e sociais ao nosso País, podendo gerar, inclusive, outro tipo de consequência muito perversa, de ordem fitossanitária.

    Portanto, essas mesmas premissas que estiveram presentes lá atrás, quando nós demos aqui para um bom combate, para impedir que café verde fosse importado do Peru, também estão presentes neste momento.

    A liberação cria um momento inédito em nossos mais de dois séculos de atividade cafeeira em nosso País, líder na produção mundial e dono da mais ampla variedade de grãos.

    O negócio com o Peru traria, ainda, o risco de introduzir, no Território nacional, a praga conhecida, Sr. Presidente, como manilha do cacau.

    Como é possível defender a importação pelo Brasil de café verde quando se sabe que o nosso País produz mais de 40 milhões de sacas anuais, metade dessa produção destinada à exportação? É como, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se a Noruega importasse bacalhau; é como se o México importasse a tequila; é como se a Suíça importasse o chocolate; é como se o Chile importasse vinho ou mesmo uva, ou seja, são comparações que me parecem absolutamente adequadas nessa condição.

    Meu Estado, o Espírito Santo, somos o segundo produtor brasileiro de café, superados apenas pelo Estado de Minas Gerais. Em nosso Estado, como em outros Estados brasileiros, a produção de café é liderada pela pequena produção de base familiar. Uma eventual importação de café, seja ela do Peru, seja da Etiópia, do Vietnã ou de qualquer outro país, terá forte impacto na desorganização da cadeia produtiva da cafeicultura nacional.

     Não é a primeira, Sr. Presidente, não é a segunda e não será a última vez que eu estarei aqui levantando a minha voz, na vigília permanente que faço em minha trincheira para defender a cafeicultura nacional, não apenas, evidentemente, por sua importância econômica, mas por sua importância social, pelas oportunidades que gera para capixabas, mineiros, baianos, paulistas, paranaenses e para tantos outros Estados que fazem da atividade do café uma atividade muito importante.

    Nesse caso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ficaria evidentemente consagrada a concorrência desleal, considerando que as estruturas de custos em diversos desses países não têm sinergia, não têm parâmetro com a nossa estrutura de custo. Aqui, no Brasil, nós temos preocupações ambientais com a sustentabilidade dessas lavouras, nós temos preocupações sociais com encargos trabalhistas, para remunerar e reconhecer o trabalho e o esforço da nossa força, dos nossos trabalhadores. Não há simetria nesses países. Portanto, essa é uma concorrência desleal. Esses países poderiam trazer para cá café com preços menores, trazendo, inclusive, impacto no mercado de preços desses cafés.

    Autorizar, portanto, a importação de café coloca em risco não apenas a nossa estrutura de produção, mas também os nossos investimentos em pesquisa e em extensão rural. Nos últimos anos, no Espírito Santo, por exemplo, o nosso Incaper, que é a nossa empresa pública de assistência, pesquisa e extensão rural, fez uma verdadeira revolução não apenas na competitividade, como também na qualidade desses grãos.

    Sr. Presidente, com área plantada igual, nós aumentamos a nossa produção por três, o que significa dizer que nós saímos de uma média de 14, 15, 18 sacas de café por hectare, para produzirmos acima de 40 sacas de café por hectare. Encontramos, ao longo do nosso Estado, em função da excelência, da ousadia, da capacidade empreendedora dos nossos produtores, lavouras que produzem 70, 80, 90 e até 100 sacas de café por hectare.

    A Nestlé alega que precisa do produto etíope para fabricar cápsulas com uma característica exclusiva, mas os especialistas discordam dessa afirmação, pois garantem que o Brasil tem a variedade de matérias-primas, de aromas e de sabores necessária para isso. Somos um país com grande diversidade de clima, de solo e, portanto, essas variedades estão disponíveis para a constituição dos nossos brandies e dos brandies demandados mundo afora.

    Ouço, com prazer, a Senadora Ana Amélia, Presidente da Comissão de Agricultura do Senado Federal.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Senador Ricardo Ferraço, eu quero reafirmar o meu contínuo apoio às demandas do setor agropecuário, em especial dessa produção, que é uma das mais importantes do País, vinculada à própria história, porque o café é símbolo do brasão nacional. Queria dizer a V. Exª que estivemos ontem com a Ministra Kátia Abreu, para levar-lhe outra preocupação: a importação de maçã. V. Exª, que é de um Estado produtor de café, o Espírito Santo, sabe que nós, do Sul, de clima temperado, somos grandes produtores de maçã - Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Contudo, há um risco de importação de maçãs da China - da Argentina, em alguma medida, já houve restrição - e a Ministra Kátia Abreu, da mesma forma como atendeu aquela demanda da proibição do café importado do Peru, mesmo sendo vizinho do Brasil, fazendo fronteira com o Brasil, também recebeu e acolheu a demanda levada pelo Senador Paulo Bauer, pelo Senador Dalírio Beber e por mim, representante da Bancada do Rio Grande do Sul; acolheu a preocupação da Associação Brasileira de Produtores de Maçã sobre o risco sanitário de alguma praga, algum vírus vir junto, existente na Etiópia, a que V. Exª se referiu, ou no caso da China, ou no caso da Argentina, que venha contaminar, quer as plantações de café, quer os pomares das macieiras do nosso País. A Ministra Kátia Abreu, embora esteja fazendo uma maratona de visitas em todo o País - uma volta ao mundo três vezes, neste ano, como ela diz -, para vender os produtos brasileiros, também diz que só pode fazer isso com reciprocidade: se importar produtos. Então, é o setor que vai definir claramente. Mas a questão sanitária, segundo ela, tem prioridade absoluta. Se houver a confirmação técnica de que há risco de contaminação, talvez esse seja o melhor argumento, até para evitar que seja um argumento não tarifário ou de protecionismo que tenhamos de tomar em relação a uma questão tão importante quanto essa, para proteção do interesse dos nossos produtores. O mercado brasileiro, V. Exª sabe, é gigantesco, e é isso que atrai o interesse das empresas ou dos exportadores. Parabéns pelo pronunciamento e conte com a Comissão de Agricultura, Senador Ferraço.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (PMDB - ES) - Renovo o agradecimento pela forma consistente e firme com que V. Exª tem nos conduzido aqui, no Senado, na defesa dos reais e verdadeiros interesses da nossa agricultura.

    O mundo do café não tem medo da concorrência naquilo que diz respeito à quantidade, naquilo que diz respeito à qualidade, na competitividade, assim por diante. Não, nós estamos prontos. São mais de 200 anos de investimento, de trabalho, de ousadia, de capacidade empreendedora, por isso, ao longo desses anos todos, nós lideramos a produção mundial. E onde há a marca do café, há a marca do Brasil. Portanto, nós estamos presentes hoje em todos os mercados de consumo.

    Agora, o que não podemos suportar e aceitar é a concorrência desleal. A nossa estrutura de custos aqui, no Brasil, não é a mesma estrutura de custos no Peru, na Etiópia ou no Vietnã, que é o nosso grande concorrente no segmento e na produção do café robusta.

    Portanto, se querem concorrência, vamos estabelecer concorrência, mas em pé de igualdade. É isto que estamos defendendo aqui: que haja concorrência em pé de igualdade. E a concorrência, como tentada pela multinacional Nestlé, não se estabelece com base nessa premissa, além de uma outra premissa que V. Exª traz para o debate, que é a da questão fitossanitária. Essa é uma questão que tem enormes consequências, com impactos muitos fortes na desorganização desse grande patrimônio, que é a cafeicultura brasileira, constituída e construída, por mais de dois séculos, na base de muita luta, de muito trabalho, de muita dedicação e de muita inovação, Senadora Ana Amélia, porque se trata de uma produção com muita tecnologia embarcada. Essa é a verdade.

    Por isso, nós estamos aqui chamando a atenção, ao mesmo tempo em que nós devemos revelar toda a confiança e coerência...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (PMDB - ES) - ...na decisão da Ministra Kátia Abreu, pois ali atrás ela foi absolutamente firme nesta que é uma importante decisão, da mesma forma que ela foi coerente na questão da importação de maçãs da China. E não se trata aqui de nós estabelecermos reservas de mercado. Não. Trata-se de nós trabalharmos concorrências que tenham simetria.

    Manifesto, ao fim e ao cabo, a minha preocupação porque, se isso for efetivado, será um retrocesso e um duro golpe neste grande patrimônio da sociedade brasileira, que é a nossa cafeicultura. E manifesto aqui a minha confiança de que a nossa colega, a Senadora Kátia Abreu, Ministra da Agricultura, será firme, como tem sido, na defesa dos reais interesses do povo brasileiro, e, neste caso específico, da cafeicultura brasileira.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2015 - Página 271