Discurso durante a 222ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre os males que a corrupção causa ao País.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Reflexões sobre os males que a corrupção causa ao País.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2015 - Página 420
Assuntos
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, CORRUPÇÃO, AUTORIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • APREENSÃO, AUMENTO, CORRUPÇÃO, PAIS, REGISTRO, NECESSIDADE, ELABORAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, OBJETIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO ATIVA, CORRUPÇÃO PASSIVA, ENFASE, FRAUDE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS PUBLICOS, DEFESA, INVESTIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BRASIL.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paim, nosso Presidente; Srª Senadora Fátima Bezerra, Srs. Senadores, já foi dito, nesta tribuna, sobre a data de hoje, 9 de dezembro, por indicação da Organização das Nações Unidas: Dia Internacional contra a Corrupção.

    Como sabemos, esse mal endêmico tem valores superlativos em nosso País. A corrupção é praticamente onipresente em todos os escalões da vida brasileira, nos setores público e, lamentavelmente, também nos setores privados, a exemplo do que ocorre na Confederação Brasileira de Futebol.

    Existe uma dolorosa sensação, Sr. Presidente, de que, embora hoje seja o Dia Internacional de Combate à Corrupção, parece que os outros 364 dias, em nosso País, são dedicados à cultura da corrupção. É cada vez crescente a corrupção, e a sociedade brasileira se espanta com novos ardis, artimanhas, esquemas, artifícios, tramoias e trapaças produzidas pela incansável quadrilha que assalta, dia e noite, os cofres públicos em nosso País.

    É uma renovada quadrilha de marginais públicos e privados que, ao longo do tempo, em todos os governos - em todos os governos -, nas diferentes esferas do poder, organizam-se em bando para saquear a riqueza do País, o patrimônio público.

    A corrupção, lamentavelmente, não é somente uma maldição brasileira; é uma praga mundial. A cada ano, Sr. Presidente, segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pelo menos US$1 trilhão são gastos em suborno. Outros US$2,6 trilhões são simplesmente desviados para bolsos de bandidos do dinheiro público. Essa soma representa, Sr. Presidente, o admirável percentual de 5% do PIB mundial.

    Os US$3,6 trilhões dessa riqueza apropriada por bandidos de colarinho branco, para se ter uma ideia, equivalem ao Produto Interno Bruto de uma nação rica como a Alemanha, que produz bens no valor de US$3,8 trilhões. O que a corrupção acarreta para o mundo é maior do que o PIB da Alemanha. Não precisa nem dizer que essa riqueza estimada supera em muito o PIB do Brasil, que é de US$2,6 trilhões.

    Infelizmente, o nosso País acabou se tornando um santuário de corruptos de todos os tipos, calibres e nacionalidades. Os números da corrupção em nosso País variam e crescem ao longo do tempo, e são expressos em alguns bilhões. Para se ter uma ideia, no final da década passada, um estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp estimava que os prejuízos da corrupção em nosso País totalizavam R$69 bilhões anuais, algo em torno de 2,3% do PIB nacional.

    Sem esse desvio para o crime, Sr. Presidente, cálculo da Fiesp aponta que a renda per capita calculada entre as décadas de 1990 e 2010 subiria em nosso País de US$7,5 mil para US$9,1 mil. Para ver o que representa a corrupção: se o dinheiro canalizado para a corrupção fosse distribuído igualmente no País, nós teríamos um acréscimo de 35% na renda per capita do brasileiro.

    Se fosse canalizado para o fim a que se destinava, veja: o número de crianças matriculadas na rede de ensino fundamental saltaria de 34 milhões para 54 milhões de alunos. O analfabetismo, que corresponde a 9% da população ativa no País, seria zerado. Representaria isto: zerar o analfabetismo.

    A quantidade de leitos na rede pública do SUS - e hoje milhões no País morrem e padecem pela ausência de leitos públicos no SUS... Esse dinheiro que vai pelo ralo da corrupção aplicado somente no SUS representaria um acréscimo de 330 mil vagas nos hospitais. Um acréscimo de quase 90%, quase dobraria o número de vagas nos hospitais públicos no País.

    Haveria um incremento de 103% no número de casas com água e esgoto, melhorando as condições de saneamento até então exclusivas para apenas 22 milhões de moradias, segundo o Programa de Aceleração do Crescimento.

    Os 2.500 quilômetros de ferrovias, que é a meta do PAC, que não será alcançada, teriam um aumento de 525%; passariam para 13,2 mil quilômetros de ferrovias no País, interligando o País de ponta a ponta.

    Os 12 portos que temos no País saltariam para 184. Outros 287 aeroportos poderiam ser construídos. Nem precisa dizer que o aeroporto da minha cidade de Macapá, vítima de um dos maiores escândalos de corrupção que já existiram, o escândalo Gautama, dinheiro roubado e desviado, já teria sido concluído. E nós teríamos um aeroporto digno para os amapaenses, com a movimentação devida. A obra do Aeroporto Internacional de Macapá foi suspensa em 2007, retomada a passos de tartaruga neste ano, com a previsão - estou reticente - de que será concluída em 2018. Se não tivesse havido o roubo de dinheiro público em 2007, se não tivesse ocorrido isso, esse seria um dos 284 aeroportos no País que estaria pronto.

    Lamentavelmente, o que percebemos, o sentimento que temos é que, à medida que o tempo passa, a corrupção em nosso País ganha vigor.

    Em 2011, o custo da ladroagem já batia em estimados R$82 bilhões. Na primeira década do século XXI, de 2001 a 2010, o Brasil foi lesado pelos corruptos em R$720 bilhões, segundo os mesmos cálculos da Fiesp.

    Naquela década, a Controladoria-Geral da União encontrou irregularidades em 80% dos 15 mil contratos auditados nas esferas Federal, Estadual e Municipal.

    Nesta década, a situação piorou. O Movimento de Combate à Corrupção, usando dados da ONU, estimou, em abril de 2013, que o Brasil perdia anualmente R$200 bilhões em corrupção, quase o dobro do rombo de R$110 bilhões nas contas públicas, anunciado pelo Governo para 2015.

    Para se ter uma ideia, Sr. Presidente, convertendo esse valor para os benefícios sociais, que poderiam resultar de um bom uso desses R$200 bilhões, o Movimento de Combate à Corrupção simulou alguns cenários, que dão a verdadeira dimensão dessa tragédia.

    Com esse dinheiro, o Brasil poderia construir, em um ano, 9,1 milhões de casas populares. Em três anos, todos os 27 milhões de brasileiros hoje sem casa estariam com a sua moradia. Todo ano, o Governo poderia comprar 714 milhões de cestas básicas - o suficiente para acabar com qualquer resquício de fome no Brasil e qualquer resquício de miséria. Essa quantia seria suficiente para manter 46 universidades públicas, quase duas universidades públicas por Estado, com porte e nível da Universidade de São Paulo. Esse recurso seria suficiente para que mais de 89 milhões de alunos, quase metade dos 204 milhões de brasileiros que temos nas escolas públicas hoje, tivessem acesso ao ensino. Com esse recurso, o Brasil poderia, em um ano, construir 70 mil quilômetros de ferrovias, multiplicando a nossa malha ferroviária.

    Os escândalos são muitos. O que ocorre na Petrobras e o que foi desvendado pela Operação Lava Jato mostra que, lamentavelmente, o crime em nosso País institucionalizou-se. O tamanho do buraco provocado pela corrupção, pela ladroagem da Petrobras varia de R$4 bilhões a R$88 bilhões, para se ter uma ideia do que isso representa.

    Nós ocupamos uma posição vergonhosa, Sr. Presidente, no ranking da transparência internacional. Em um ranking de 175 países, o nosso País é o 69º em transparência. Nós estamos 43 pontos atrás do primeiro colocado do ranking, que é o País com menos corrupção no mundo, a Dinamarca. Esse ranking é vergonhoso para nós - e os dados dos últimos anos pioram esse quadro.

    Sr. Presidente, por isso, eu não aceito a chamada crítica ética, que, inclusive em alguns setores da esquerda, propaga-se - chama a dita crítica ética como uma espécie de pequeno moralismo, de moralismo pequeno burguês. Isso institui a tolerância da corrupção, tolerância desde que a corrupção seja de esquerda. Esse discurso, que diz ainda que o discurso contra a corrupção é - abre aspas - "um discurso udenista", acha que o problema é uma entidade metafísica chamada sistema. Ora, o problema não é essa entidade metafísica, Sr. Presidente. A tarefa número um em nosso País é repudiar a corrupção seja de onde vier, da direita ou da esquerda. A tarefa número um é recusar a corrupção, o crime organizado de colarinho branco, com ou sem adesivo partidário, porque há os esquemas de corrupção da esfera pública, mas há o cumpliciamento do privado e do público, que se apossa do público como se privado fosse.

    O ano de 2013, com as manifestações de rua, evidenciou o colapso da representação que temos hoje. A corrupção não pode assumir a escala épica que hoje tem, porque esses números mostram a catástrofe que ela é. Ela não é um problema menor. Por isso, ela deve ser combatida incessantemente e combatida por todos aqueles que acreditam na nossa democracia, porque o que ocorre é que ela coloca em xeque inclusive as regras do jogo democrático. Ela não é um problema menor, não é um desvio dessa entidade metafísica chamada sistema; é um problema, é central para o Estado e para a sociedade brasileira.

    Por isso, na data de hoje, têm que ser saudadas as entidades, as instituições em nosso País que, na verdade, em especial, defendem o Estado democrático de direito.

    Tem que ser saudado o trabalho por parte da Controladoria-Geral da União. E não podem existir, em momento algum da história do País, quaisquer ameaças sobre o funcionamento e sobre o status da CGU. Ao contrário, à CGU tem que ter assegurada, como prevê uma proposta de emenda à Constituição que tramita nesta Casa, a autonomia necessária para estar independente de Poder Executivo ou de qualquer outro poder, para ter a tranquilidade para o exercício dos seus afazeres e de suas atividades.

    Tem que ser saudada a atuação de heroicos Procuradores da República. Se não fosse o Ministério Público Federal, se não fosse o Ministério Público, com os poderes que lhe foram concedidos pela Constituição de 1988, nós não teríamos desvendado alguns dos principais escândalos de corrupção que nós tivemos nos últimos 20 anos da história do País. O caso PC foi devido à atuação do Ministério Público. O que ocorreu no chamado mensalão foi devido à atuação também do Ministério Público. O que resultou aqui na CPI do Cachoeira foi devido à atuação especial do Ministério Público Federal, assim como a atual Operação Lava Jato se deve à atuação independente de heroicos Procuradores da República.

    Há de se destacar também a atuação de instituições que não podem ter nenhum tipo de intervenção, como a Polícia Federal.

    Essas instituições, a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público e a Polícia Federal sob a coordenação do Ministério Público, são pré-requisitos necessários para nós construirmos um Estado democrático de direito, que afugente mesmo a corrupção, que limite a corrupção, que iniba a corrupção. Uma democracia é constituída e é construída quando ninguém está acima da lei, seja o Presidente da República, seja um Senador, seja um banqueiro. Aquele que cometeu algum tipo de delito deve responder pelo delito que cometeu.

    Eu encontro, Sr. Presidente - e falo isto já para concluir -, momento da história nacional em que mais há um sentimento da corrupção em nosso País, mas também encontro neste momento a atuação de instituições e de homens que cumprem um papel quase que heroico, partindo da poesia de Shakespeare que diz que herói é aquele que fez o que deveria fazer no seu tempo, apesar das circunstâncias. Nós temos que saudar a atuação de Procuradores da República como Deltan Dallagnol, que coordena a Operação Lava Jato, e a atuação do Procurador-Geral da República, último reduto que nós buscamos e apelamos hoje, Sr. Presidente, para, por exemplo, afastar da Presidência da Câmara dos Deputados aquele senhor que representa hoje o personagem número um da corrupção no País. Se há um personagem número um que, em si, externa tudo de escárnio à República e tudo o que é a corrupção em nosso País, esse é o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ele procura subjugar e ameaçar as instituições, subverte a vontade democrática, é uma ameaça para o Estado democrático de direito.

    Por isso, Presidente, nós da Rede Sustentabilidade, em conjunto com o PSOL, há pouco tempo, reiteramos ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, a representação para que o Sr. Eduardo Cunha fosse afastado da Presidência da Câmara dos Deputados. Aliás, em qualquer país decente, civilizatório e democrático, o Sr. Eduardo Cunha estaria frequentando as celas de uma prisão e não a Presidência de uma das principais instituições de nosso País. Eu espero, ainda, que essa representação que fizemos prospere junto à Procuradoria Geral da República, última raia e refúgio que temos, para a defesa do Estado democrático de direito.

    Veja o absurdo que aconteceu hoje, Sr. Presidente, por exemplo, na Câmara dos Deputados: o Sr. Cunha destituiu o Relator do processo de cassação dele. Veja o absurdo: um Parlamentar que relata um processo de cassação é contrário à vontade do Presidente, que toma, unilateralmente, a medida de destituí-lo. Esse senhor representa uma ameaça ao Estado de direito, uma ameaça à democracia, uma ameaça às instituições. Esse senhor, repito, não pode continuar Presidente de uma das Casas do nosso Parlamento bicameral. Por isso, nós fizemos a representação.

    Por isso, eu quero, aqui, saudar a atuação de instituições como o Ministério Público, como a Procuradoria Geral da República, como o seu Procurador-Geral, Rodrigo Janot, que são instituições que têm navegado contra a corrente da corrupção em nosso País.

    Espero, sinceramente, Sr. Presidente, que esta data de hoje não seja só para lembrar, mas, principalmente, para que esta Casa reflita e aprove medidas concretas de combate à corrupção. O Ministério Público está recolhendo por todo o País apoio para dez medidas, dez projetos de lei - alguns já tramitam nesta Casa - de combate à corrupção e deverá encaminhar, dentro em pouco, essas medidas aqui para a Casa com a assinatura de mais de 1 milhão de brasileiros. Não é possível que não possamos dar um exemplo, dar um sinal à sociedade brasileira de que o Congresso Nacional também adota instrumentos de combate à corrupção. Nós não podemos ficar com o descrédito da sociedade brasileira que...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - ... nós do Congresso Nacional - e falo isso, porque sou membro do Congresso Nacional -, lamentavelmente, construímos. Então, eu espero que esta Casa também se some àquelas instituições e pessoas que têm vanguardeado a luta contra a corrupção em nosso País.

    Eu concluo dizendo, Sr. Presidente, que a corrupção não tem privilégio de adesivo partidário, não tem privilégio de ser pessoa pública ou pessoa privada. A corrupção, lamentavelmente, tem sido uma praga que tem infestado todas as instituições e todos os espaços públicos e privados em nosso País. Por isso, deve ser tarefa número um de todo brasileiro honrado e decente combatê-la, principalmente aqueles que se reivindicam progressistas e de esquerda, porque é um princípio da esquerda democrática a igualdade social. Com corrupção, não há igualdade, há aprofundamento da desigualdade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2015 - Página 420