Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro dos diversos receios que atingem a sociedade brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Registro dos diversos receios que atingem a sociedade brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2016 - Página 15
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • REGISTRO, DIVERSIDADE, PROBLEMA, SOCIEDADE, BRASIL, ENFASE, VIRUS, ZIKA, INFLAÇÃO, VIOLENCIA, INUNDAÇÃO, DESEMPREGO, RECURSOS HIDRICOS, TRATAMENTO, LIXO, GREVE.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Telmário, pela referência. Eu não vou ficar pedindo para tirar ali não, porque fica escrito. Aliás, quero dizer, Senador Telmário, de público, que entre todas as grandes direções do PDT, o senhor foi o que me chamou por telefone para dizer, não apelar - porque não seria isso -, mas proibir, com seu jeito simpático de dizer as coisas. Estaremos juntos - espero -, em Roraima, em março, pelo seu convite.

    Senador, eu vim falar - o Senador Lindbergh lembrou aqui - desse candidato formidável que está surgindo nos Estados Unidos, o Brian Sanders e que tem trazido coisas que ninguém imaginava nos Estados Unidos, embora quem tem um pouco mais de idade se lembre de que já houve alguns como McGovern e outros, mas era mais sobre a guerra do Vietnã, era mais política externa.

    Devo também lembrar uma coisa inacreditável a que a gente tem assistido. Ontem, a televisão anunciou que o Presidente Obama vai, em março, a Cuba. É um negócio inacreditável a gente ver um presidente negro, que ninguém esperava ver, na vida da gente, nos Estados Unidos, indo a Cuba. Mas uma coisa em que fiquei pensando ao assistir ao discurso dele e outros é o que essas pessoas estão propondo para o País. E eu senti um atraso entre nós, porque hoje, Senador Lindbergh, se um candidato a Presidente tiver que oferecer algo que resuma o que oferece para o futuro, sabe o que é? Um Brasil sem medo. Nós estamos assustados.

    Comecemos agora por esse aqui, este nosso debate curto da Previdência. Eu acho que o povo está com medo de que o debate aqui dentro fique partidarizado em vez de sintonizado com as necessidades do País, com medo de que o debate fique caindo na ilusão e que a gente não discuta com base na solidez das decisões que temos que tomar. O que que dá e o que que não dá para oferecer? Alguns vão oferecer mais do que possível, e aí, depois, a gente vai ver o preço; alguns não vão querer oferecer nada ao povo, para ficar com tudo para si. Essa é a diferença basicamente entre um lado ou outro. Tem gente que não gosta de chamar esquerda e direita. Se quiser chame vermelho e azul, chame quadrado e redondo, mas vamos continuar também chamando esquerda e direita. Porque não? Por falta de outro?

    Uns querem distribuir, outros querem concentrar. Mas os que querem distribuir, às vezes, querem distribuir ilusoriamente. É o que aconteceu até o ano passado no Brasil. Nós temos que discutir, então, como tirar o medo do Brasil. Eu vou apenas hoje listar alguns desses medos que estão adiante, sem dar a resposta hoje.

    Um dos medos que a gente tem aí, mais visível, é esse medo de doenças endêmicas, que um mosquito assusta. Este é um País que, no século XXI, está com medo de um mosquito! Um país que, no século XXI, em vez de estar discutindo ciência, química, qual o melhor propelente para um foguete, está discutindo qual é o melhor repelente para mosquito. Dá medo um País que está nessa situação. Este é um País que tem medo do zika. As mulheres grávidas neste País estão assustadas, seus maridos, filhos, parentes, amigos, e nós, que somos solidários com elas.

    Este é um País que está com medo da inflação. Voltou o medo de ir ao supermercado, que era um prazer até recentemente. No momento de aumento da renda - e, de fato, aconteceu no Governo Lula esse aumento de renda, como aconteceu no Plano Real também -, naquele aumento, as pessoas tinham prazer em ir ao supermercado. Está sendo um susto, Senador Lindbergh.

    E o medo da violência, que, às vezes, é o medo mais óbvio: o medo da rua! A rua era o lugar do prazer, a rua era o lugar do passeio com a namorada, do passeio com as pessoas, com os amigos, do cinema ao bar. Quem vai do cinema, hoje, ao bar, depois do filme? Não, a não ser que seja dentro de um shopping center, protegido pelas muralhas, o ar condicionado e os guardas.

    Nós temos medo das ruas, medo das enchentes. As ruas não estão só cheias de ladrões. Quando chove, as ruas ficam cheias de água. Hoje de manhã vi na televisão aquela cena assustadora: carros sendo arrastados. Em um deles, o homem e a criança saem; a mãe fica, e morre afogada. Mas se morre assassinado também. Então nós temos medo, um pavor de andar nas ruas hoje.

    E o medo do desemprego? Inclusive, falou-se dele ontem aqui, relacionado aos juros. O medo do desemprego assusta o Brasil hoje. Não vinha assustando no passado. Nós somos um País com medo do desemprego. Nós somos um País com medo, também, dos juros, porque, para comprar os bens de consumo, tivemos que nos endividar.

    É claro que a política econômica dos últimos anos aumentou o acesso do povo brasileiro aos bens de consumo, mas o endividamento também, que agora cobra o preço e é uma das causas do aumento da taxa de juros, porque, aumentando a demanda por dinheiro, se aumentam os juros. E se a gente joga para baixo, apenas voluntariamente, não vai funcionar. Tem de jogar para baixo, na medida em que a economia não se sinta com a necessidade de tanto endividamento.

    Nós temos medo hoje, por incrível que pareça, não só das águas das enchentes, mas da falta de água nas torneiras - veja a que ponto nós chegamos. Ao mesmo tempo em que nos assusta o excesso de água nas ruas, impedindo o trânsito, levando os carros ou afogando gente, temos medo da falta de água nas ruas, como o Governo de São Paulo deixou acontecer por irresponsabilidade, por descompromisso, por falta de previsão no momento certo.

    Nós temos medo do lixo, que traz não apenas mosquito, mas que, em certos casos de lixos industriais, pode provocar a tragédia que nós vimos em Mariana. Quem garante que não existem outras represas na mesma situação? Quem garante? Até porque o Brasil está se tornando um País de medo das obras civis. Ele é um dos países - estou levantando isso - onde mais tem havido tombamento de viadutos, de edifícios. A quantidade de acidentes na construção civil está muito grande no Brasil. Sai da curva, como se diz, em geral. Eu não sei se o Senador Lindbergh, que mora no Rio, pensa nisso alguma vez por dia, mas eu confesso que tenho medo das centrais nucleares ali pertinho, entre Rio de Janeiro e São Paulo, em um País que tem energia, em quantidade, de outras fontes.

    Nós temos medo hoje, a meu ver, das greves dos serviços sociais. O povo tem medo. Não vamos proibir greves, mas que faz medo faz a mãe não saber se está levando a criança para a escola e se vai haver aula ou não; se leva para o hospital e não sabe se haverá ou não haverá médico; se vai para a parada de ônibus e não sabe se o ônibus virá ou não virá; se vai fazer uma declaração de que foi assaltado, e não sabe se a polícia vai estar em greve ou não vai estar em greve.

    O povo está com medo das paralisações constantes que nós temos no Brasil. O povo, a meu ver, está com medo também de continuar sentindo vergonha da corrupção, da impunidade, da desigualdade, da pobreza, das doenças endêmicas que hoje caracterizam o Brasil.

    Poucas coisas nos orgulharam tanto quanto a decisão de trazer as Olimpíadas para cá. Hoje, a gente espera assustado algum país dizer que não vem por causa da dengue.

    Aliás, Senador Lindbergh, eu aqui fiz uma proposta, e depois amigos me criticaram dizendo que ela é excessivamente corajosa e que pode irritar muita gente. Mas eu acho... O senhor representa o Rio, e peço que leve esta minha posição. Tentei até falar com o prefeito para lhe dizer que fiz essa declaração. Eu acho que a gente tem de lutar contra a dengue no Brasil inteiro, mas, neste momento, é patriotismo dizer: vamos priorizar o Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro tem de ser declarado território livre da dengue antes mesmo do resto do Brasil. Isso é uma questão patriótica, porque é a imagem do Brasil que é passada, a partir do Rio de Janeiro, por causa das Olimpíadas. O Brasil vai levar meses ou anos para resolver isso. No Rio de Janeiro, a gente tem de resolver em semanas para que o mundo fique tranquilo e todos possam vir para cá.

    Fui contra as Olimpíadas, como fui contra trazer a Copa também. Eu achava que não era uma boa coisa. Mas, hoje, essas Olimpíadas são do Brasil, e qualquer problema vai repercutir no Brasil. Felizmente, não há nenhum outro problema - eu tenho acompanhado. O único problema é o tratamento da Baía da Guanabara, que não vai dar tempo. Mas, tirando isso, tudo vai ficar pronto em tempo, mais rápido do que na Copa. O problema é o mosquito.

    Eu acho que o Brasil deveria, patrioticamente, dar mais ênfase ainda à cidade do Rio de Janeiro.

    Nós temos um medo especial, a meu ver, hoje, que é o medo do futuro dos filhos. Que futuro terão nossos filhos, nossos netos, em um País com tantos medos? Que futuro, em um País onde vão ficar trancafiados nas suas casas ou nos shoppings centers e onde - quem sabe um dia, e não vai demorar - haverá túnel entre as casas e os shoppings? Hoje, não fizeram túneis ainda, mas já há prédios de apartamentos dentro da mesma área do shopping center, em que as pessoas passam de um a outro sem precisar de contato com a cidade lá fora para evitar a violência. Em breve, para evitar o aquecimento global, colocarão ar-condicionado.

    Eu acho também, Senadores, que nós temos medo hoje do atraso em que o Brasil está ficando em relação aos outros países. Nós estamos diminuindo de posição como grande Nação no PIB. Mas isso não é o mais grave, o mais grave é o que nós estamos perdendo na produtividade de cada um de nós brasileiros em relação ao resto do mundo. Os outros estão tendo uma produtividade crescente; a nossa está estagnada.

    E daí nós vamos caminhar para ficarmos mais pobres do ponto de vista da renda, além de mais pobres nas condições de qualidade de vida.

    Estamos com medo, também, a meu ver, de desistir. Tem gente que começa a ter medo de desistir e dizer que vai embora do Brasil. Nós gastamos tanto para formar aqui um profissional, e muitos deles estão pensando em ir embora. Desistência como País... Talvez este seja o pior dos medos: o medo de desistir.

    Mas também há um que eu diria que é o medo de errar de novo; de, outra vez, errar na escolha dos dirigentes do País. É um medo que muitos estão tendo, Senador Hélio: "E vai valer a pena? E adianta? E se errar de novo?" E olha, Senador Hélio, que nós aqui do Distrito Federal fazemos parte dos que sentem esse medo, especialmente. Será que nós vamos errar de novo?

    E, finalmente, para não continuar nessa lista, falo de um outro medo com que nós adultos acordamos hoje no Brasil: é o medo das perguntas que os nossos filhos vão fazer, perguntando onde é que nós erramos. Inclusive, porque nós, a nossa geração - e aqui o Lindbergh, bem jovem, foi um dos grandes nisso - conseguiu democratizar este País. Conseguiu estabilidade monetária; conseguiu taxa de crescimento; conseguiu, sim, aumentar o número de pessoas na escola; conseguiu aumentar, e o governo Lula foi fundamental nisso, o número de alunos nas universidades. Conseguimos o prestígio que tivemos - e o governo Lula, junto com Celso Amorim, foi um dos períodos mais ricos desse prestígio internacional da presença. Por que tudo isso a gente está deixando ir embora?

    Os jovens estão nos perguntando; e essas perguntas repetidas a nós pelos jovens são um dos medos que nos chega, porque não vamos saber, exatamente, qual a resposta; a resposta de onde foi que nós erramos, para podermos, a partir desses erros, dizer como acertar. Como acertar ao ponto de um dia poder dizer: "Está aí, juventude, vocês têm muito a fazer por este País, mas, pelo menos, nós vamos deixar para vocês um País sem medo."

    Este, para mim, é o maior desafio hoje: como deixar para a juventude brasileira, no futuro, um País, um Brasil sem medo; sem medo de nada disso que eu falei aqui. Disposto a, sem medo, construir um futuro melhor para eles.

    É isso, Sr. Presidente.

    Agradeço a possibilidade de ter falado o tempo que foi preciso.

    O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Cristovam, sem nenhuma dúvida, eu sempre digo que V. Exª é um Senador da República sobretudo e que hoje trouxe um tema que sintetiza, unifica uma série de preocupações que são pertinentes; preocupações da Federação e naturalmente de cada Estado.

    Então, V. Exª sempre, com muita sabedoria que lhe é peculiar, hoje abraçou a tese do medo, para mostrar que precisamos melhorar; da segurança, da qualidade de vida, da inclusão, enfim, todos os medos, o medo de gastar, o medo da própria vida, o medo do lazer, o medo do trânsito, o medo de um bocado de coisas que, às vezes, o sistema não está observando.

    V. Exª trouxe um alerta importante, e eu quero parabenizá-lo, mais uma vez, por essa fala que chama a atenção para que a gente possa observar e aqui nesta Casa ajudar principalmente o Executivo a acabar com esse medo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador. Vamos matar os medos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2016 - Página 15