Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz aos agraciados em sua 15ª Premiação.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz aos agraciados em sua 15ª Premiação.
Publicação
Publicação no DCN de 09/03/2016 - Página 17
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, ENTREGA, DIPLOMA, BERTHA LUTZ.

     A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) -

Caros colegas Senadoras e Senadores, Deputadas e Deputados, eu vou, homenageando todas as mulheres e as homenageadas também, colocar a importância do seu discurso e de termos escolhido como o primeiro homem a ser homenageado por este prêmio tão importante que é o Diploma Bertha Lutz uma figura como a do Ministro Marco Aurélio. Ele é uma figura ímpar no Supremo Tribunal Federal. E aqui a sua breve dissertação sobre os avanços desta última década nos mostra muito da sua sensibilidade e do papel fundamental que exerceu para que pudéssemos ter uma mudança de acordo com a sociedade contemporânea. Isso faz com que nós todas tenhamos muita alegria por ter sido a ele concedido esse prêmio, algo histórico, e ele hoje ocupou o papel histórico que lhe é devido, sendo o primeiro homem homenageado.

    Eu fiquei pensando, enquanto todos aqui faziam os seus discursos. Foi colocada muita coisa importante em relação às nossas lutas, mas eu me lembrei de algo que talvez possa ser visto por outro enfoque. Nessa última semana, eu pude assistir à peça Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, datada de 1879. Eu já havia visto essa peça 20 anos atrás, e ela tinha causado um impacto em mim. Trata-se da história de uma jovem chamada Nora, da burguesia do século XIX, uma menina que era tratada como se fosse um brinquedinho do marido, como um bibelô, e assim se portava, aparentemente muito feliz da vida. Eu fui, porque a minha netinha, que tem 12 anos, fazia o papel da filha. Então, eu fui, achando que veria novamente uma peça que, na época em que assisti, foi interessante. Eu acho que a assisti vinte e poucos anos atrás, quando ainda estava numa grande luta, era muito ativa no feminismo brasileiro. Para minha surpresa, eu fiquei muito impactada de novo ao assistir à Casa de Bonecas. Por quê? É uma peça que foi escrita 130 anos atrás e conta a história da mulher bibelô, da mulher absolutamente preservada, tratada como uma tonta; num determinado momento de um drama familiar - criado por uma atitude dela para proteção da saúde do marido -, há uma discussão, e ela percebe que nunca havia sido escutada, que nunca havia sido ouvida, que era uma tonta, na verdade; assim, ela arruma as malas, vai embora e larga as crianças. A peça causou um escândalo - temos de imaginar que era o ano de 1879. Ibsen, em várias traduções, teve de mudar o final da peça. Foi realmente muito impactante. Eu saí muito mexida, tentando entender o que estava acontecendo. E percebi que muitos dos trejeitos e das gracinhas que Nora fazia na peça - em relação ao marido, aos visitantes e tal - fazem parte ainda do arsenal feminino.

    Estou assistindo a um seriado da Netflix que se chama House of Cards. É um seriado que fala de um Presidente, que começa com Congressista e depois é eleito Presidente, extremamente corrupto, extremamente sem caráter, extremamente perverso. Esse homem vai ascendendo até chegar à Presidência dos Estados Unidos. Chamou minha atenção o fato de que a esposa desse Presidente casou-se com um, à época, jovem político da Carolina do Sul. Ela era uma herdeira no Texas e se apaixonou por ele. Ele era um homem de origem humilde. Os pais eram contra. Ela acabou se casando com ele, e a frase dela era que achou que ele tinha um futuro.

    Eu fiquei achando muito esquisito, porque esse seriado é escrito no século XXI, é contemporâneo nosso. E essa moça se casa pelo fato de o indivíduo ter um futuro. Mas e o futuro dela? Onde está o futuro dela? E por que ela não pode brigar pelo futuro dela com as próprias pernas? O que acontece com Claire - nome dela no seriado -, que não consegue pensar que tem uma carreira própria? E mais complicado ainda: o que faz o seriado de maior audiência nos Estados Unidos e que ganhou todos os prêmios ter uma personagem feminina que começa assim e que, no decorrer do seriado - agora, entrou na última temporada, e eu só vi os primeiros capítulos da última temporada -, é escada do marido o tempo inteiro para ele próprio ser bem sucedido? Quando ele atinge a Presidência, ela começa a querer um papel mais amplo na sociedade do que o de Primeira-Dama. Então, ela começa a brigar com o marido, porque ela quer ser embaixadora, ela quer isso, ela quer ser representante, ela quer algo mais. Ele reluta, ela acaba conseguindo algo, mas acaba sendo muito difícil, e ela não consegue muito. Depois, nessa última temporada - tenho que dizer que não acabei de vê-la para saber como vai terminar -, ela resolve que quer ser Vice-Presidente dos Estados Unidos. E eu já percebi que ela vai querer ser presidente. Até aí, pode ser - já houve outras situações desse tipo.

    Agora, o que me chama a atenção - e é por isso que eu estou contando tudo - é que ela vai se transformando. Primeiro, ela é uma figura muito bonita, inócua, de certa forma, e que ajuda o marido. Ela é igualzinha à mulher de 130 anos atrás, só que com roupas contemporâneas. De repente, ela começa a utilizar os mesmos instrumentos de mau-caratismo e de corrupção horrorosos que o marido utilizou para chegar lá. E foi isso que me chamou a atenção, porque é triste: ela se apropria dos defeitos dele ou já os tinha embutidos nela própria- isso, não sei. E o seriado continua assim.

    Eu fiquei pensando: o jogo, no universo do poder, é um jogo duro. As armas femininas quais são? Que armas nós mulheres utilizamos? Quais os instrumentos de transição que nós estamos aprendendo? Como chegar lá sem utilizar o que se utiliza até hoje? Será que nós mulheres vamos ser capazes de criar outra cultura de poder?

    Eu fico pensando que nós temos muitos indicativos de que vamos, sim, porque, quando estudamos empresas e lideranças femininas, vemos que mulher tem outro jeito de liderar o coletivo. E nós temos um legado de nossos ancestrais que é precioso, que é cuidar das crianças, dos idosos, dos doentes, que deixaram marcas muito importantes nas mulheres, muito diferentes nas mulheres, que fazem com que elas tenham prioridades diferentes para o sonho de mundo que desejam. Isso tem que ser um instrumento de nos levar ao poder. Isso pode ser a diferença.

Nós não podemos perder essa herança nossa, porque nós pagamos um preço muito alto por essa herança.

    (Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PMDB - SP) - Nós fomos alijadas da política por tantos séculos e nós temos que fazer frente à desigualdade salarial. A OIT publica, nesta semana, que continuamos ganhando menos 22% do que os homens e, em algumas profissões, menos 40%. E nós temos que ser fortes para reverter essa situação.

    Agora, o que me estimula é que a nova geração já intui outra coisa completamente diferente, já não admite o assédio de nenhum tipo, o paternalismo. E temos - e eu adoro isso - os hashtags (#), que são assim: Chega de Fiu Fiu, que é da ONG Think Olga; #AskHerMore, que é das mulheres no tapete vermelho, porque elas não querem mais ser só perguntadas sobre a sua vestimenta, quem é o costureiro. Elas querem dizer por que elas estão ali. Nós temos também os hashtags #PrimeiroAssedio, #AsNegaReal, uma contrapartida a um seriado em que as negras se sentiram ofendidas em sua representação. Nós temos as meninas do Rio Grande do Sul, de uma escola, que fizeram um hashtag chamado #VaiTerShortinhoSim, porque, em vez de ensinarem os rapazes a se conscientizarem e terem respeito pela mulher, resolveram proibir os shortinhos das meninas. Nós temos também o Vamos Fazer um Escândalo, que é contra o estupro, da blogger Julia Tolezano.

    É isso. Eu tenho muita esperança de que o mundo vai mudar. E, para mudar, para ser algo bom, para que salvem este Planeta, na questão do meio ambiente, da justiça social, para que tudo ocorra, nós, 50% da população, temos que fazer parte de igual para igual. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 09/03/2016 - Página 17