Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a intempestividade do debate sobre a instituição do semiparlamentarismo pelo Congresso Nacional.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Preocupação com a intempestividade do debate sobre a instituição do semiparlamentarismo pelo Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2016 - Página 9
Assunto
Outros > SISTEMA POLITICO
Indexação
  • AUSENCIA, CONVENIENCIA, EPOCA, DEBATE, ALTERAÇÃO, FORMA DE GOVERNO, BRASIL, CRIAÇÃO, MISTURA, PRESIDENCIALISMO, PARLAMENTARISMO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO, AUTORIA, MIGUEL REALE, JURISTA.

    A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Senador Jorge Viana, Senador Telmário Mota, caros telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, a cada dia nós nos surpreendemos com uma inovação ou com um casuísmo. O mais recente dos casuísmos se chama semiparlamentarismo. Eu diria que falar em semiparlamentarismo a esta Casa ou ao Congresso Nacional é mais ou menos falar sobre corda em casa de enforcado. Isso o povo entende, o que a gente expressa, Senador.

    Não estamos em condições de mexer nesse vespeiro agora. Não temos condições, até porque o que as ruas disseram não foi isso. A rua não pediu mudança de Governo. Então, falar em semiparlamentarismo neste momento é até como recomendar um curativo, um adesivo, um band-aid para aquele paciente que está com uma lesão grave para ser tratado na emergência de um hospital, e não com água e sabão.

    Resolver o problema da governabilidade vai muito mais além desse casuísmo, tentado agora. O sistema de governo que o Brasil tem é presidencialista. Para mudar o sistema de governo, o que está escrito na Constituição, a depender da interpretação que os Ministros do Supremo poderão dar amanhã, é que, para mudar o sistema, se precisa antes de um plebiscito. É isso.

    Como é que nós, nesta hora de crise, em que temos que resolver outros problemas muito mais graves do que esse, vamos tratar de criar aqui uma aberração, que seria esse tal semiparlamentarismo?

    Eu não sei como a multidão que foi às ruas entenderia essa ação do Congresso Nacional. Reduzir os poderes do Presidente da República e aumentar o poder do Congresso, sendo que 99 dos Deputados e Senadores estão com processos à espera de julgamento no próprio STF, é absolutamente querer virar as costas e dar as costas ao povo que foi às ruas.

    Não estou aqui fazendo juízo de ninguém. Eu estou apenas constatando uma realidade. É isso que estamos vivendo. Não adianta tentar tapar o sol com a peneira. As condições institucionais e políticas da Casa não são as melhores para buscar uma solução dessa natureza, com esse grau de casuísmo, esse chamado semipresidencialismo ou semiparlamentarismo.

    Nós precisamos ter em conta - e aqui eu sempre, quando falo em defesa das instituições, também defendo a lei - que o que está escrito na Constituição precisa ser respeitado, inclusive sobre a questão do impeachment. Está na Carta constitucional brasileira. Até queria dizer que o Senador Humberto Costa - ouvi declaração dele - falou que o Governo precisa enfrentar essa questão do impeachment no Congresso Nacional.

    A crise que o País está enfrentando hoje não é pequena. Não é pequena. E, claro, seria muito mais grave se nós partíssemos para um casuísmo.

    Preciso dizer também aqui que, sempre que um colega, um Senador ou uma Senadora, faz uma proposta de emenda à Constituição, a minha atitude é sempre, primeiro, mesmo não concordando com o mérito... O parlamentarismo é um deles. Eu sou de um Estado que tem uma história de defesa do parlamentarismo, o Rio Grande do Sul, com Raul Pilla, com Ministro Brossard - é um Estado com essa vocação -, com Victor Faccioni, que defendeu tanto a tese, citando os autores históricos do parlamentarismo.

    Mas quero dizer que entendo, quando era jornalista, no debate da Constituinte, em 1988, do sistema presidencialista de Governo. Sempre o defendi, mas, quando o Senador Aloysio Nunes Ferreira fez a proposta para examinar o parlamentarismo, eu a assinei, para que a matéria seja discutida e examinada, e, livremente, o Congresso delibere sobre a mesma.

    Isso não significa, quando apus a minha assinatura na proposta, na PEC, que estou endossando a tese do parlamentarismo. Faço isso com todas as matérias, como disse, mesmo aquelas com as quais não concordo. Não posso censurar o debate. Não posso interditar a discussão sobre um tema tão relevante.

    Mas há de se perguntar também sobre a oportunidade de debatermos essa questão. É outra dúvida, uma outra interrogação, considerando-se que estamos com uma inflação de 10%, um nível de desemprego indo de 11% para 12%, e essas emergências, a meu juízo, são muito mais graves, do ponto de vista social, do que estar aqui, como se não visse essa realidade ao seu lado, a discutir mudança do sistema de governo.

    Então, é preciso lembrar também que o parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos: um, em 1963; e outro, em 1993, sempre por maioria acachapante. No primeiro, com 77% a 17% dos votos; e 55% a 25% dos votos, em 1993.

    O semiparlamentarismo daria mais poderes a um Congresso de 594 Deputados e Senadores; destes, noventa e nove já estão com esses processos tramitando no Supremo Tribunal Federal.

    Aliás, vou fazer valer, Senador Jorge Viana, um artigo escrito em 1991 - portanto, dois anos antes do plebiscito de 1993 - pelo professor jurista Miguel Reale - não o filho, mas o pai -, já falecido. Ele escreveu um artigo, cujo título é exatamente "Semipresidencialismo e Semiparlamentarismo".

    Em um dos trechos desse artigo, ele diz:

Nítida é a distinção entre semipresidencialismo e semiparlamentarismo. No primeiro, embora o Ministro-Coordenador seja nomeado com a aprovação da Câmara dos Deputados, há apenas um Chefe de Estado, que é o Presidente da República, a quem cabe presidir o Conselho de Ministros, exercendo as suas funções com a colaboração do Ministro-Coordenador, expressão que prefiro à de Primeiro-Ministro, porquanto suas atribuições são propriamente de assessoramento direto do Chefe do Executivo, de quem poderá receber delegação para supervisão de determinados atos de natureza administrativa.

    Este é o semipresidencialismo.

Já no semiparlamentarismo, estamos [escreveu o Prof. Miguel Reale] perante dois Chefes de Estado [olhem só], um eleito diretamente pelo povo, para exercício das atribuições de soberania, e outro que, segundo o modelo aprovado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, poderá ser expressão de escolha feita unicamente pela Câmara dos Deputados, em conflito com o Presidente da República.

    Veja só: é mais lenha na fogueira, é botar gasolina na crise. Em vez de sermos bombeiros, estamos sendo incendiários.

    Aliás, há um artigo também muito interessante do sociólogo e professor universitário Alberto Carlos Almeida. No artigo publicado hoje no Valor Econômico, ele faz uma análise política sobre a questão da crise e da posição da Presidente, mas eu puxei desse artigo a seguinte definição sobre o tema semiparlamentarismo, Presidente Jorge Viana.

(Soa a campainha.)

    A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Escreveu ele:

Tancredo Neves foi o primeiro-ministro que mais tempo ficou no cargo. Nas atas das reuniões de gabinete, o sapiente Tancredo afirmou que o parlamentarismo no qual ele era o líder máximo funcionava como se fosse presidencialismo, porque o Congresso não aprovava o que o governo propunha e, mesmo assim, o governo não caía. Sei disso porque minha tese de doutorado é sobre esse período. Por fim, se o parlamentarismo fosse adotado agora, ainda que em seu formato "semi", isso seria um golpe, porque teria como objetivo único reduzir os poderes [da Presidente da República]. É muito difícil levar a cabo [...uma atitude, uma manobra] dessa natureza.

    Mas eu quero lembrar também, Senador, que nós não temos Tancredo Neves, e, nessa hora, essas figuras, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, são figuras que não estão mais no cenário político e seriam elas peças fundamentais nesse processo.

    Então, lamentavelmente, temos que agora nos debruçar, porque, a cada dia, aparece uma novidade.

    Amanhã, aliás, o Supremo Tribunal Federal vai decidir se o parlamentarismo pode ser adotado por emenda constitucional. Já há exatamente toda essa formulação de que é o que está sendo gestado no Parlamento. Não sei como as ruas irão reagir a isso.

    O mandado de segurança em questão, que será julgado amanhã, com pedido de liminar, foi ajuizado no Supremo - vejam só - em novembro de 1997 - portanto, há mais de 18 anos - pelos então Deputados Jaques Wagner, Hélio Bicudo, Miguel Rossetto e outros, contra atos da Mesa da Câmara dos Deputados, da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação e da Comissão Especial...

(Soa a campainha.)

    A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - ... destinada a analisar e proferir parecer na Proposta de Emenda à Constituição nº 20-A/1995, que institui o parlamentarismo no País.

    Então, vamos aguardar, amanhã, do Supremo, do alto da sabedoria da ciência jurídica, uma interpretação serena, sábia, pelos magistrados da Suprema Corte, da Constituição em vigor no País a respeito exatamente dessa ação sobre a constitucionalidade de estabelecermos mudança de sistema de governo sem submeter previamente a um plebiscito, como estava escrito na Constituição.

    Segundo, no Supremo, também amanhã, na sua agenda de votação, está previsto o estabelecimento do rito de como o Congresso Nacional deverá proceder na questão do impeachment da Presidente da República.

    Então, temos que ter muito cuidado, Senador Jorge Viana, porque, a cada dia, vemos uma nova cena agravando ainda mais o cenário da crise política que o País está vivendo, mas a mais perversa é, sem dúvida, a crise econômica, com impacto social sobre o desemprego e a inflação.

    Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2016 - Página 9