Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Aparteantes
Ana Amélia, José Medeiros, Raimundo Lira, Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2016 - Página 24
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, ABERTURA, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, GOLPE DE ESTADO, COMENTARIO, AUMENTO, NUMERO, PARTICIPANTE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POVO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, grande parte das (Fora do microfone.) nossas decisões são tomadas em pequenos grupos, em discussões, em comissões, mas hoje, Senador Lasier Martins, nestes dias, talvez nos próximos, eu creio que esta Casa deveria estar o mais cheia possível, debatendo, entre nós aqui, a situação por que o Brasil atravessa.

    A cada minuto, nós temos uma surpresa, e cada uma dessas surpresas exige de nós uma tomada de posição. Veja que, no domingo, o povo na rua deu um recado a esta Casa, e esta Casa não está tendo a competência de responder as ruas, Senador Raimundo, fazendo aquilo que daria legalidade ao que o povo nas ruas está querendo.

    O povo nas ruas - creio que ninguém tem dúvida - está querendo um novo governo para o Brasil, o povo está querendo. Pode-se dizer que o grupo que estava nas ruas não representa a sociedade brasileira inteira, e é verdade. A sociedade brasileira inteira são mais de 200 milhões. Alguns podem dizer que na rua estavam 4, 5 milhões, mas essa é uma percentagem que indica um movimento de massa muito grande, tanto que nunca na história do Brasil se viu movimento igual, e nós já tivemos razões muito fortes para ir às ruas, como foi no caso das diretas, que não chegou a esse tamanho, Senador Aloysio. Então, o povo deu o recado.

    Acontece que o povo não faz as leis. O povo diz o que quer ver feito nas leis. Quem faz as leis somos nós, e nós estamos demorando muito para casar a legitimidade que vem do grito do povo nas ruas com a legalidade que vai no Diário Oficial com base no que nós decidimos aqui. O povo vai esgotar a sua paciência.

    As pessoas perguntam: "Em que consiste isso?" Primeiro, em algo que já está acontecendo: o descrédito, a desmoralização. Isso tem um preço. Nós estamos pagando esse preço. É o deboche com a política. É a juventude se afastando da atividade política. O que fazemos é motivo de riso, muitas vezes. O deboche, o descrédito é um preço alto. Obviamente, é menor do que aquilo já aconteceu em outros países de o povo não apenas se manifestar, mas também cercar, sentar, ficar até que os Parlamentares estivessem todos fora, como aconteceu - faz muito pouco tempo - na Ucrânia. Eu não acho que vai acontecer isso, porém, ao mesmo tempo que essa situação nos tranquiliza, porque podemos dizer: "Fiquemos aqui no ar-condicionado, porque o povo não vai cercar isto aqui permanentemente", ela também nos intranquiliza como cidadãos, porque isso levará a um adiamento da decisão.

    Enquanto nós adiamos uma decisão que case a legitimidade do grito do povo na rua com a legalidade do Diário Oficial, que nós fazemos, enquanto isso demora, a economia está parada. Os empresários estão demitindo e estão dando o passo seguinte à demissão, que é o fechamento. Quando um empresário demite alguns, sofre ele, sofre o desempregado, sofrem as famílias, mas a economia, em crise, funciona; mas, quando um empresário fecha, aí o sofrimento não é apenas do trabalhador, não é apenas dele: quando ele fecha, entra em decadência o negócio, entra em decadência a economia. Um grupo de trabalhadores desempregados pode ser recontratado, mas uma empresa fechada, para reabrir, leva meses, anos, e muitas nunca mais reabrirão. E nós demorando, adiando.

    Eu fui um dos que, nesta Casa, sempre se pautou por defender o diálogo como forma de fazer com que o grito do povo na rua casasse com a legalidade, a legalidade do mandato da Presidente, que chega, até 2018, com a Presidente exercendo o cargo. Essa é a legalidade.

    Mas casada com a legitimidade do povo, que não quer mais o Governo. Mas nós estamos no presidencialismo, Senadora Ana Amélia.

    Pois bem, eu sou um dos que vêm aqui defender o diálogo. Nunca cheguei aqui para defender o impeachment. Sempre disse aqui que o impeachment tem um custo alto, do ponto de vista pedagógico, porque a sociedade passa a achar: vote em qualquer um para Presidente, porque, se não prestar, a gente tira. Gera-se uma irresponsabilidade, inclusive. Sempre fui dos que defenderam o diálogo.

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Cristovam Buarque, quando for oportuno para V. Exª, eu gostaria de um aparte.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Com o maior prazer. Para a Senadora Ana Amélia e para o senhor.

    Sempre fui dos que defendem o diálogo. E fui mais longe: fui à Presidente Dilma, apesar de todas as críticas que sempre fiz ao Governo, junto com o Senador Lasier, com a Senadora Lídice, com o Senador Randolfe, com o Senador Capiberibe, com o Senador Acir, que abriu esse contato. Fomos lá, levamos uma carta, dissemos que o ideal é que a legalidade se case com a legitimidade, através da continuação dela na Presidência (legalidade) com um governo novo, o que seria a legitimidade. Um governo em que ela aqui viesse e dissesse: tenho mais três anos, quero dialogar para concluir e quero um governo que represente a Nação, e não o meu partido. Aliás, o primeiro item seria ela vir aqui dizer que não era do PT mais; que era do "Partido do Brasil".

    Hoje, não acredito mais na possibilidade desse diálogo como canal para casar legalidade com legitimidade. Não acredito mais.

    Não vou aqui dizer ainda: votarei pelo impeachment. Até porque, como Senador, vai cair aqui. Eu prefiro me guardar para o momento. Agora, eu digo aqui: está na hora de abrirmos o processo de impeachment. Não dá para adiar mais a abertura. Não dá mais para adiar. Cada semana em que se adia a abertura desse processo é uma semana a mais de angústia, de sofrimento, de descrédito, de desorganização social e política no País. Vamos abrir! E que aqui venham todos que são a favor e que são contra; que aqui analisemos os argumentos que mostrem um crime para poder justificar o impeachment - não é só por causa da incompetência - e os que defendem que não houve crime. Evidências, indicações, suspeitas existem. Eu até admito os que dizem que não houve crime, mas tenho que reconhecer que há suspeitas. Como presidente do Conselho da Petrobras, como Ministra das Minas e Energia, como Presidente da República, como Chefe da Casa Civil, ela estava tão perto de tudo que hoje se caracteriza como crime, que é perfeitamente possível, que é até obrigatório que nós tenhamos suspeitas. E quando há suspeitas, o que se faz? Julga-se.

    Está na hora de o Congresso, inicialmente na Câmara dos Deputados, depois aqui - se passar lá, obviamente -, fazer a abertura do processo de impeachment, Senador Reguffe. E que cada um de nós vote com a consciência dos argumentos que vai escutar: houve crime ou não houve crime.

    Dizer que é golpe abrir é uma manipulação verbal de uma linguagem que está surgindo e que se chama "petês", que fala o que acha e não fala o que é; que não consegue entender o que a gente diz, Senadora. A gente fala em português, eles ouvem em "petês". É interessante que eu mando minhas mensagens, e as críticas que eu recebo são como se não tivessem lido ou entendido, porque é como se fosse um idioma estrangeiro. Vamos debater com o "petês", com o Português, com a lógica e com a crença os que têm fé e os que têm argumentos.

    Vamos debater, mas não dá para o povo, que vai às ruas, continuar esperando...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... por mais muito tempo a abertura do processo de impeachment. Abramos e vamos debater. Não deixemos o povo nessa angústia que está vivendo hoje, ao sentir que o desejo, a legitimidade que ele tem não casa com a legalidade que nós fazemos. Nós precisamos dar uma legalidade. Pode até ser que a nossa legalidade se choque. Tenhamos argumentos para dizer ao povo: vocês estão errados; vocês foram para a rua por bandeiras equivocadas; a Presidente, está tudo muito bem com o Governo. Tenhamos força, se for o caso, para dizer isto, mas não deixemos passar mais tempo, como se não estivéssemos escutando o povo.

    Nós temos o direito, Senadora Ana Amélia, de nos contrapormos ao povo. E na eleição de 2018, que tirem todos nós daqui pela eleição porque nós pensamos diferente deles. É um direito. Agora, não temos o direito de não ouvi-los, não escutá-los, ignorá-los, isto não temos. E nós estamos, na prática, ignorando-os. Não dá para ignorar o povo. Até dá para enfrentá-lo. Em momentos é bom, é necessário o líder se contrapor a seu povo e perder a liderança na eleição seguinte. Isso não faz mal, é parte do processo democrático. É até sadio quando um líder pensa diferente dos seus liderados. Agora, não pensar, não argumentar, não ouvir, ignorar, nós aqui não temos o direito. Mas nós estamos ignorando a voz do povo, Senador Medeiros.

    Eu vim aqui pedir: não demoremos mais, façamos a abertura do processo de impeachment. E que a Presidente se defenda, que os opositores argumentem contra ela e que tomemos a decisão com a seriedade que o povo espera e tem o direito de querer de nós.

    Eu poderia até concluir aqui, Senador Lasier, mas eu preciso falar. Há três inscritos: Senadora Ana Amélia, Senador Raimundo e o Senador Medeiros.

    Senadora Ana Amélia.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Senador Cristovam, é muito bom sempre ouvi-lo pela serenidade, pela sabedoria. E cada vez que V. Exª chega à tribuna é com base na conversa que tem, no que lê, no que sabe e na experiência que lhe dá essa relevância na política brasileira. Diálogo, Senador, só existe quando existe a disposição de fazê-lo, primeiro. Então, é a mesma coisa que aquele ditado popular que todo mundo entende: “Quando um não quer, dois não brigam." Quando um não quer, não há diálogo. Isto também vale para o processo da pacificação. Eu quero dizer que eu estou, como V. Exª, extremamente preocupada porque a crise econômica está se agudizando: 11% de desemprego, Senador, inflação de 10%. Para um País que conseguiu, com o sacrifício da população, a estabilidade econômica é realmente uma situação alarmante. As pessoas estão perdendo o seu poder aquisitivo. Então, um benefício que eventualmente o Governo conceda aos mais pobres é perdido na hora que vão fazer a compra no mercado, de uma semana para a outra, porque a moeda se desvaloriza. Inflação de 10%, Senador, não é pouca coisa. Nós estamos olhando mais a crise política, e V. Exª apontou aqui que empresas estão fechando. Aqui em Brasília, que é uma área de serviços, o senhor vê quantas empresas estão fechando em qualquer lugar da cidade. A redução do número de empregos é alarmante em qualquer região metropolitana do País, nas cidades médias e pequenas. E isso, realmente, é o preço mais amargo, é o custo social desta crise. Também concordo plenamente com V. Exª, não podemos esperar mais. O próprio Governo precisa trazer ao Congresso o impeachment e debatê-lo. O impeachment está na lei, e eu, como V. Exª disse, não sou golpista. Impeachment, se está previsto na Constituição, não pode ser considerado golpe. Pode até ser golpe esse tal de semiparlamentarismo ou semipresidencialismo que estão falando por aí, isso pode ser, porque é casuísmo puro, mas discutir o impeachment, não. Está na Constituição, e devemos fazê-lo para dar voz e vez ao que nós vimos no domingo em todas as cidades brasileiras. Não podemos, como disse V. Exª, dar as costas e fazer ouvidos de mercador ao que as ruas nos disseram neste domingo, Senador. Será um desrespeito ao que deseja o povo brasileiro.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senadora.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Dentre essas manipulações com o "petês", essa língua nova que está surgindo, uma é a definição de golpismo com uma conotação completamente distante da realidade. Já tivemos impeachment aqui, do Senador Collor. Não foi golpe; foi impeachment, dentro da lei, com o rigor necessário, com o cuidado necessário. E tem que ser com cuidado, se vier para a Presidente Dilma. Tem que ser com cuidado! Mas abrir processo de impeachment não é golpe.

    Da mesma maneira, com essa leviandade do conceito de golpe, poder-se-ia dizer que golpe é baixar tarifas para ganhar eleição, é manipular a realidade, como fez o marqueteiro João Santana, que está preso porque tem contas não declaradas no exterior, mas deveria estar pelo mal que fez ao País durante a campanha eleitoral passada ou até mais de uma.

    Temos que trazer a verdade para o conceito de golpismo. Defender que se julgue um impeachment não tem nada de golpe. Golpe é fazer um impeachment sem haver razões previstas no artigo correspondente da Constituição.

    Senador Raimundo, com muito prazer, passo a palavra a V. Exª.

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª sabe o respeito que eu tenho por V. Exª em função de ser um estudioso, um intelectual, um acadêmico, mas com a visão de praticidade das coisas que devem e podem funcionar em nosso País. V. Exª falou que as empresas brasileiras estão fechando. É uma verdade. É só olhar o índice de desemprego que está sendo publicado quase que diariamente pelos noticiários de televisão. Desde criança eu vi minha mãe orientar os filhos pequenos no sentido de que eles não ficassem muito magros, muito raquíticos. Porque a criança, quando tem uma doença, uma febre, ela perde peso, ou seja, perde gordura com muita rapidez, porque ainda não tem músculos. A mesma coisa a minha esposa fez com os nossos filhos. E hoje ela orienta os nossos netos no sentido de eles ficarem não obesos, nem gordos, mas cheinhos, para que possam resistir a uma eventual doença, uma gripe forte. Enfim, a criança tem que ter um pouco de gordura para perder. Antes do que está acontecendo com o Brasil, essa crise econômica, possivelmente a maior da história do nosso País, nós temos uma segunda crise, que é a organização do Estado democrático brasileiro, toda a estrutura voltada para dificultar ao máximo, para onerar ao máximo as empresas brasileiras, tirando a condição de se capitalizarem, de terem mais lucro, que é o objetivo da iniciativa privada; tirando, sobretudo, a possibilidade de que possamos trazer mais capital externo para investir em capital de risco no País, ou seja, na criação de empregos. Não vamos nem falar aqui da insegurança jurídica. Vamos falar somente sobre o aspecto dessa questão interna. Há pouco tempo, talvez há dois anos, o Supremo Tribunal definiu que, quando um funcionário da iniciativa privada queira se aposentar, sair da empresa, ou quando a empresa não precise mais dele, ela é obrigada a pagar os 50% de multa do FGTS. A lei é clara quando diz que esse valor é multa pelo rompimento do contrato quando a empresa demite o empregado por justa causa. Então, é obrigada a pagar multa como uma compensação pelo funcionário que está perdendo o emprego. E o Tribunal Superior do Trabalho havia definido e pacificado, antes, exatamente esse entendimento de que esses 50% - 40% mais 10% - de multa do FGTS eram uma multa por rompimento de contrato.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Maioria/PMDB - PB) - E, portanto, quem se aposentava terminava o seu período legal e seu tempo de trabalho. Portanto, a empresa não estava demitindo aquele funcionário. E o Supremo disse o seguinte: "Não. Isso é uma continuidade. As empresas têm que pagar." Agora, com efeito retroativo, empresas que tinham funcionários com 25, 30, 40 anos. Então, criou-se um passivo enorme para todas as empresas brasileiras. Hoje, nós temos aqui no País essa dificuldade de as empresas terem gordura para suportarem as crises econômicas e demitirem o funcionário com um retardo, em vez de demitirem-no no começo ou no meio da crise, porque elas não têm capital. Temos um exemplo: outro dia fui informado de que a General Motors está defendendo 18 mil ações trabalhistas. Se ela fosse pagar esse passivo trabalhista hoje, o patrimônio líquido da empresa não daria para pagar. Então, veja a situação que as empresas brasileiras estão vivendo. Estamos perdendo, a iniciativa privada está perdendo, dia a dia, a capacidade de gerar os empregos de que o país precisa. É como se houvesse um pacto, Senador Cristovam Buarque, entre todas as instituições públicas brasileiras, para manter o Brasil de forma subdesenvolvida eternamente. Eternamente o Brasil é obrigado a ser um país subdesenvolvido, porque os instrumentos econômicos que um país tem para se desenvolver não podem ser utilizados na sua plenitude. Portanto, queria fazer esse aparte e lembrar, Senador, e, inclusive, dar um exemplo prático de estatística: hoje, nos Estados Unidos, um trabalhador americano produz quatro vezes mais riquezas do que um trabalhador brasileiro e com previsão, para o ano de 2030, de produzir seis vezes mais do que um trabalhador brasileiro. E o americano não trabalha mais do que o brasileiro, o americano não é mais competente do que o brasileiro, haja vista o exemplo da Embraer, que é uma das empresas mais eficientes, mais respeitadas no mundo, tudo aquilo planejado, pesquisado, por engenheiros brasileiros. Então, somos capazes, mas os trabalhadores brasileiros precisam ter a segurança de trabalhar em empresas sólidas, em empresas não protegidas, não incentivadas de forma exagerada pelo Governo, mas, protegidas no sentido social. A empresa não é do dono, não é do proprietário, não é dos seus acionistas. A empresa pertence ao País, a empresa é um instrumento de promoção social e econômica. Portanto, ou o Brasil muda essa visão de que a empresa privada tem que ser dificultada, perseguida, ou, então, seremos eternamente um país subdesenvolvido. Muito obrigado, Senador.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senador Raimundo, eu espero ter mais tempo, porque creio que é muito importante, Senador. O senhor traz algo de uma grande oportunidade, que é saber o day after, o dia seguinte à resolução desse impasse da legalidade, da legitimidade. Está na hora, Senador Medeiros, de começarmos a pensar no debate sobre o impeachment; aliás, começarmos a pensar sobre o debate, não, começamos a debater na concretude do Plenário e sabermos o que vai ser feito com o Presidente que assumir no lugar, se o impeachment for aprovado.

    Três Vice-Presidentes, Senador Raimundo, assumiram em momentos parecidos com este na História recente. O Presidente Sarney era Vice-Presidente, e ele substituiu o Presidente Tancredo Neves. E o que fez o Sarney? Cumpriu com a ideia da transição para a democracia. O povo estava na rua, quando pediu as Diretas. Ele fez o que o povo na rua queria, até contrário, talvez, a algumas das posições políticas dele nos anos anteriores.

    O que fez o Itamar? Cumpriu o que o povo na rua queria, quando assumiu, em substituição ao então Presidente Collor.

    O Presidente Temer, se assumir, deve ter alguns compromissos...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... que estão no sentimento do povo. O primeiro, Senador Raimundo, é retomar a credibilidade da Presidência. Esse é o primeiro.

    O Presidente Temer, se houver impeachment - não estou dizendo já como fato -, quando acordar, na hora de colocar o pé no chão, de manhã cedo, deve pensar qual é o pé melhor para dar credibilidade ao Brasil, qual é a gravata melhor para dar credibilidade. O que eu vou falar para retomar a credibilidade? Que lei eu vou assinar para retomar a credibilidade?

    E o segundo: fazer alguns pactos. E um dos pactos é pela empregabilidade, porque o povo precisa do emprego. O povo está indo para a rua por indignação com a corrupção, mas também por sofrimento com o desemprego, com o País indo ladeira abaixo, com a decadência em que o País está envolvido.

    Tem que haver um pacto pela empregabilidade. E aí, Senador Raimundo, na linha do que o senhor traz, vai ser necessário mudar as regras das relações trabalhistas. As regras trabalhistas que temos hoje são de um tempo em que não havia máquina de escrever elétrica - não havia! -, foi inventada a máquina de escrever elétrica anos depois.

    Hoje não só há máquina de escrever elétrica, hoje há computador; hoje, a gente fala, e aparece o texto escrito, sem precisar nem de digitar; hoje a gente escreve num idioma e aparece em outro idioma no outro lado do mundo, sem precisar de intérprete; foi no tempo do motorista, e começam a vir automóveis sem motorista...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Tem que haver uma forma de beneficiar mais o trabalhador com a atualização das leis antigas, que não foram feitas de acordo com a realidade da estrutura social, economia e tecnológica, na linha do que o senhor falou.

    Tem que haver um pacto pela empregabilidade e tem que se entender que essa empregabilidade não pode ignorar a realidade científica e tecnológica dos tempos de hoje, nem pode ignorar a globalização comercial, que faz com que os produtos sejam comercializados, queiramos ou não. 

    Então, V. Exª traz aqui uma dimensão sobre a qual temos que nos debruçar logo: o dia seguinte.

    Senador Medeiros.

    O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Cristovam, tenho dito que a saída da Presidente Dilma não é a solução, mas, sem a saída dela, não tem solução alguma. Vi a irritação de algumas pessoas na manifestação...

(Interrupção do som.)

    O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - ... com a oposição, e, logo, o PT se apressou em dizer que era uma indignação contra todos. Não! Na verdade, sinto que a população está, sim, um pouco irritada com esse Legislativo por não já ter tirado esse Governo, esta é a irritação. Isso, porque é um governo que está banalizando a instituição Presidência da República. Neste momento, acredito que eles já estão arrependidos de terem diminuído a quantia de Ministérios, porque ali está se tornando uma cidade de refúgio, uma cidade de refugiados. Agora mesmo, alguém disse que o Ministro tinha que se demitir ou que alguém deveria demiti-lo. Eu falei: "Não! O Governo faz o contrário; salva, deixa ali para não perder o foro privilegiado!" Então, neste momento, estão acusando a oposição de golpismo, mas, na verdade, estão dando um autogolpe, criando uma nova figura de afastamento presidencial, um afastamento sem o devido processo legal. A oposição está defendendo aqui, via impeachment, pelo devido processo legal, com direito ao princípio do contraditório. O PT não. Está pondo o Lula lá dentro como Presidente da República, e a Presidente vai ficar uma espécie de personagem do seriado Walking Dead, um zumbi no Palácio do Planalto, porque é isso que vai acontecer. Ou alguém acha que a Presidente vai ter algum mando com o Lula lá dentro? Já estão dizendo que ele vai assumir o negócio. Para quê? Para fugir da cadeia. Infelizmente, é isso que estamos vendo. Então, neste momento, V. Exª traz, e V. Exª é a voz da serenidade aqui nesta Casa. Vi quantas vezes V. Exª reunir a oposição e dizer que precisávamos de um momento de diálogo, que precisávamos de parar com a dualidade, com a dicotomia, com essa polarização, porque o País precisava andar? E vi V. Exª ir ao Palácio do Planalto propor um grande pacto pelo Brasil. Foi ouvido? Não foi ouvido. Agora temos sido acusados de fazer discurso de ódio. Não! Quem separou este País, entre ricos e pobres, entre negros e brancos, entre sulistas e nordestinos, não foi a oposição. Esse sempre foi o discurso do PT; no afã de agradar a todo mundo, fazia esse discurso contraditório. E V. Exª hoje chega aqui, pela primeira vez - e isso é emblemático -, e a voz maior talvez que representa a serenidade nesta Casa está dizendo: "Não, chega, basta, não dá mais, estão brincando com o País e com a instituição chamada Presidência da República!" Muito obrigado.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senador Medeiros.

    Passo a palavra à Senadora Vanessa.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Agradeço Senador Cristovam Buarque. Antes de iniciar meu breve aparte, gostaria de registrar, aqui no plenário, a presença da nossa querida Deputada Estadual Manuela d'Ávila, que está com sua bebê, Laura; para nós, é uma alegria. Manuela, que foi Deputada Federal por dois mandatos, companheira minha; companheira do Senador Moka, que era Deputado da época; de João Morais, que está conosco. É uma alegria, Deputada. Veio aqui também para debater conosco assuntos relativos à pauta das mulheres este ano. Senador Cristovam, quero cumprimentar V. Exª. Não assisti, não ouvi o seu pronunciamento de hoje, porque acabamos de chegar, mas prestei muita atenção no pronunciamento, e fiz até questão de ler, quando V. Exª esteve, na última semana, falando sobre a condução coercitiva do ex-Presidente Lula. Quero cumprimentá-lo pela posição equilibrada, porque temos que discutir o fato: cabia ou não, naquele momento, aquele tipo de condução coercitiva para alguém que nunca tinha se negado a depor naquele processo? Por isso, cumprimento V. Exª. E gostaria de dizer que tenho certeza de que o que precisamos agora são de vozes que busquem a unidade e, se não a unidade, a pactuação, porque não podemos permitir, de maneira nenhuma, no momento tão delicado da Nação, que ocorra o que aconteceu com Getúlio Vargas, o que aconteceu em 1964. Quando ouço aqui alguém dizer que, se o ex-Presidente Lula aceitar ser Ministro, é porque está fugindo da Justiça, não posso ficar calada, porque não é isso, o Presidente Lula, aliás, há muito tempo, já não aceitou...

(Soa a campainha.)

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - ... exatamente para não fazerem esse prejulgamento. A única coisa que lhe segurou até agora de não aceitar o Ministério foi isso. Ele disse: "Sou inocente, não temo e não devo. Não é para fugir, não!" E, se ele aceitar, é para ajudar o Governo. Aliás, eu acho que nós precisamos agora de muitos Lulas, nós precisamos agora de Presidentes Sarneys, nós precisamos agora de muita gente que nos ajude a acalmar, que nos ajude a encontrar um rumo. E, tenho certeza, Senador Cristovam, se bem o conheço, V. Exª caminha por esse rumo. Falar em impeachment se tornou a coisa mais comum, mais banal hoje. Agora, qual a razão para o impeachment? Por que ninguém pode ser arrancado de um poder conquistado pelo voto, apenas porque não tem o apoiamento popular. Não, a Constituição brasileira é clara, e a ela que devemos e, para ela, que devemos responder e justificar todas as nossas ações. Então, Senador Cristovam, V. Exª tem sido uma pessoa muito equilibrada. E tenha certeza, mais do que nunca, o Brasil precisa desse seu equilíbrio, Senador Cristovam, para que possamos, no caminho da institucionalidade, da legalidade encontrarmos a saída para o País!

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado, Senadora Vanessa, pelo reconhecimento, mas quero dizer que a política se faz com as palavras e o tempo. E, quando se divorciam os dois, não adianta a mais bela das palavras, ela fica como poesia, não como mensagem política. E, hoje, depois de ter tentando tanto tempo, e, o Senador Moka é testemunha disso, o diálogo, confesso que hoje essa é uma palavra poética, não é mais uma palavra política, porque perdeu tempo, perdeu o momento, já não ressoa.

    Eu não vou jamais julgar que o Presidente Lula quer ser Ministro ou que a Presidente quer fazê-lo Ministro, para protegê-lo de prisão. Não, não vou julgar isso! Mas acho que é uma inconsequência política se essa nomeação vier, é o contrário do que o povo dizia nas ruas em relação ao Presidente Lula.

    Não vou aqui defender o que o povo defendia na rua em relação ao Presidente Lula, mas também fazer o oposto é um acinte, Senadora - é um acinte! E isso não vai cair bem, e política exige cair bem com povo, a não ser que tenha argumento para dizer ao povo: "Isso não é correto!". Mas aí não dá para dizer ao povo que não é correto, porque o povo gostaria de ter o Lula não como Ministro. Eu acho que é um equívoco.

    Além disso, como articulador, o Presidente Lula era um ativo há alguns meses atrás; hoje, não é. Hoje, há pessoas aqui que não vão querer aparecer na foto, porque o tempo, o tempo desgasta e leva. Neste momento, desgastou-se, e é necessário entender isso, respeitando o papel histórico, a posição história, os feitos históricos do passado, mas entendendo o potencial limitado no presente. Eu acho que seria um grande equívoco.

    Além disso, a Presidenta se demitiria de fato, embora não de direito. Haveria um Presidente que não seria o eleito, pelo poder, pela força que ele teria dentro do próprio Governo e pela fraqueza que ele traria na relação do Governo com a população e com esta Casa aqui.

    Ele não traria força para o diálogo. E eu tentei muito o diálogo do Presidente Lula com as forças de que a Senadora Vanessa falou. Eu tentei um encontro dele com Fernando Henrique Cardoso há mais de um ano; liguei para a CNBB, para a OAB, para empresários, dizendo "sentem-se". E o Lula aparentemente esnobou esse encontro naquele momento. Agora, ele procurar? Ele vai ter dificuldade em ter reciprocidade nesse debate.

    É isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar, agradecendo muito os apartes.

    Chegou a hora de abrirmos o impeachment - e eu não estou dizendo ainda como votarei, quero me dar o direito de ouvir, para julgar, como jurado que serei -, mas não dá mais para manter fechado o processo. Está na hora de abri-lo e, na abertura, de buscar os argumentos para justificar, dentro da lei, dentro da Constituição, aquilo que o povo está pedindo nas ruas.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Perfeito.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu espero dar minha contribuição a este País, fazendo aquilo que eu achar que é o correto do ponto de vista da minha consciência, para unir a legitimidade do povo com a legalidade nossa, as ruas com o Diário Oficial. O povo não coloca as coisas no Diário Oficial, mas grita no nosso ouvido para que levemos em conta. Ou convençamos a opinião pública, o povo nas ruas, para mostrar que estão errados, ou percamos a próxima eleição. E não se morre de perder eleição, pois se pode sair de uma derrota eleitoral até engrandecido, até maior, querida Manuela, se se enfrenta a opinião pública - e se tem que enfrentar. Porém, o ideal é que casemos a legitimidade do grito do povo com a legalidade do Diário Oficial, que nós escrevemos aqui dentro.

    É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2016 - Página 24