Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário ao processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Posicionamento contrário ao processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2016 - Página 28
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, INCONSTITUCIONALIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ANALISE, CONTAS, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, CREDITO SUPLEMENTAR, LEITURA, CARTA, AUTORIA, JURISTA, PROFESSOR, LOCAL, MUNICIPIO, CURITIBA (PR), ASSUNTO, QUESTIONAMENTO, DIVULGAÇÃO, ESCUTA TELEFONICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PROCESSO, IMPEDIMENTO.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

    Penso que precisamos fazer alguns esclarecimentos aqui. Primeiro, o pedido de impeachment não está baseado na decisão do Tribunal de Contas da União relativa às contas de 2014. Aliás, esse relatório está na Comissão Mista de Orçamento, para que nós possamos fazer o seu julgamento. Aí, sim, teremos um julgamento das contas. Infelizmente, a oposição não tem dado quórum ou tem feito reiteradas manifestações para não nos deixar discutir as contas.

    No que se baseia o pedido de impeachment? No ano de 2015. O ano de 2015, Senador Cristovam, não foi sequer analisado pelo Tribunal de Contas da União. Nós não temos a análise. Mas disseram que foi feito igual a 2014. Então, é uma conjectura jurídica de quem está apresentando. Isso é importante dizer em relação às ditas pedaladas, que são os pagamentos aos bancos oficiais que não foram feitos no prazo estabelecido.

    O segundo ponto, que são os decretos que foram feitos de créditos suplementares, se havia irregularidade nesses decretos, eles foram regularizados pelo PLN 5. Não cabe a esta Casa questionar a legalidade dos decretos depois que votou um projeto de lei do Congresso Nacional regularizando todos os créditos suplementares, complementares e extraordinários que a Presidência da República fez.

    Que contradição é essa? Nós regularizamos os créditos, e, depois, a oposição, que, aliás, votou no PLN 5, diga-se de passagem - votou no PLN 5, não votou de forma contrária; a oposição votou no PLN 5 -, atesta que isso é base para que se faça o processo de impeachment.

    Temos de ter seriedade. Isso não tem base legal. E é por isso não ter base legal, por considerarmos isso ilegal e inconstitucional, que se está dizendo que é uma postura de golpe. E não somos nós que estamos dizendo que é uma postura de golpe. Sr. Presidente, há manifestações contra essa situação não só de brasileiros, não só de instituições. Já se manifestaram em relação a essa postura de tirar o mandato da Presidenta Dilma sem base legal e inconstitucional o Diretor-Geral da OEA, Luis Almagro; Susana Malcorra, Chanceler da Argentina; Ernesto Samper, Secretário-Geral da Unasul; Alicia Bárcena, da Cepal; o ex-Presidente Mujica; a ex-Presidente Cristina Kirchner; o ex-Presidente Felipe González; o ex-Presidente Massimo D'Alema; José Miguel Insulza, da OEA; Ricardo Lagos; Evo Morales; Nicolás Maduro; Rafael Correa; Adolfo Pérez Esquivel. Além disso, há editoriais em jornais, como Der Spiegel, Le Monde, El País e o próprio New York Times. Não somos nós que estamos dizendo isso. Esses meios de comunicação usam exatamente esta palavra: golpe.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Se não há base legal, não há como você justificar. O que está colocado para trazer a público o impeachment da Presidenta Dilma não tem base legal. Repito: os decretos tão falados agora, se foram feitos sem base orçamentária, foram legalizados por este Congresso Nacional, com o voto da oposição e de todos os setores, pelo PLN 5. É importante dizer isso.

    Eu queria fazer um registro também, Sr. Presidente, que considero muito importante, do que aconteceu ontem no meu Estado, na Universidade Federal do Paraná. A Universidade Federal do Paraná é a primeira universidade federal do Brasil. Ela é de 1929 e já foi palco de grandes manifestações democráticas. Foi em 1972 que saiu de lá a Carta de Curitiba, em que a OAB, reconhecendo o erro de apoiar o Golpe de 64, fez um ato nesse mesmo auditório, tirando uma carta em defesa da democracia e também contra a ditadura militar.

    Ontem, nesse mesmo auditório histórico da Universidade Federal do Paraná, centenas de pessoas se reuniram. O auditório ficou lotado. Mais de mil pessoas ficaram de fora, Senador Cristovam. Foi um ato pela legalidade e pela democracia. Muitos assinaram este ato. Eu queria ler apenas o início da lista dos professores que estavam lá e que o assinaram: Prof. Domingos Dresch da Silveira, Procurador da República; Marcello Lavenére Machado, ex-Presidente da OAB; Carlos Frederico Marés, ex-Procurador-Geral do Estado do Paraná; Manoel Caetano Ferreira Filho, advogado e professor; José Antônio Peres Gediel, Procurador do Estado, e por aí vai. Aqui já foram apostas mais de 200 assinaturas.

    Há uma segunda Carta de Curitiba. Eu gostaria de lê-la no plenário, porque não é uma opinião minha, não é uma opinião do PT, não é uma opinião de nenhuma entidade de movimento social ligado a partidos de esquerda apenas. São juristas paranaenses, professores curitibanos. Sim, eles são de Curitiba, da terra do juiz Sérgio Moro. Eles estão questionando o juiz Sérgio Moro, estão questionando as escutas ilegais, estão questionando a falta de espírito democrático, estão questionando as manifestações fascistas no Brasil, estão questionando o impeachment da Presidenta Dilma.

    Então, se V. Exª me permite, quero ler esta carta, porque acho que ela é relevante, é histórica. É importante que ela fique registrada nos Anais desta Casa, Sr. Presidente.

Carta de Curitiba em Defesa da Democracia

Juristas, cidadãs e cidadãos brasileiros, reunidos na cidade de Curitiba no dia 22 de março de 2016, manifestam-se em defesa dos direitos humanos, das garantias e dos princípios democráticos e republicanos que orientam a Constituição Federal de 1988.

O atual momento de ameaça à democracia exige a reafirmação das instituições constitucionalmente estabelecidas e a necessidade de diálogo. O ódio, a intolerância, a violência e o arbítrio devem ser refutados veementemente. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem buscar a harmonia e a independência necessárias para garantir a democracia. Cumpre, também, à imprensa divulgar os fatos com imprescindível isenção. As concessões dos serviços públicos de rádio e televisão não devem ser utilizadas como instrumento de ação política de grupos, instituições e organizações com o objetivo de desestabilizar o regime democrático.

Diante da manifestação pública da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, favorável à abertura de processo de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff, expressamos nosso inconformismo republicano.

No Estado democrático de direito, o mandato do Presidente da República somente pode ser interrompido se ficar demonstrada a ocorrência de infração político-administrativa que configure crime de responsabilidade, tipificado no art. 85 da Constituição Federal, com remissão à lei especial que também estabelece normas de processo e julgamento, no caso a Lei nº 1.079, de 10.04.1950. As manifestações populares ou o inconformismo da oposição com a derrota sofrida nas urnas não são motivos suficientes para que medida tão drástica seja adotada. Na democracia presidencialista, o descontentamento de parte do povo, ainda que significativa, há de se revelar pelo voto em regulares eleições, ficando assegurada a integridade do mandato.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) -

Somente no regime parlamentarista, no qual o voto de desconfiança, que retira o Primeiro-Ministro do cargo, está sujeito a simples avaliação de conveniência e oportunidade, caracterizando verdadeira e livre opção do Parlamento, no jogo das forças políticas contrapostas.

Os fatos até agora noticiados pela imprensa, em especial aqueles constantes do pedido de impeachment que tramita perante a Câmara Federal, não configuram crime de responsabilidade. Nesta situação, a tentativa de impeachment da Presidenta não pode ser apoiada por aqueles que defendem a ordem jurídica constitucional. Assim, repudiamos a decisão tomada pela OAB em apoio ao impeachment da Presidenta da República e manifestamos veementemente nossa defesa do Estado Democrático de Direito, que não se compraz com soluções arbitrárias.

O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório são direitos e garantias fundamentais, de que não se pode abrir mão, sob pena de prevalecer o terror e a barbárie. O sistema de justiça brasileiro e seus órgãos auxiliares, em hipótese alguma e sob nenhum pretexto, pode agir fora dos marcos constitucionais e legais. Não há moral ou valor especial que permita a utilização de técnicas e procedimentos ilícitos no país, com o uso de tecnologia virtual e ação midiática. Estas medidas são típicas do estado policial, que a Constituição Federal refuta.

As provas produzidas ilicitamente no âmbito da chamada operação lava jato, a condução coercitiva de pessoas que não foram previamente intimadas para comparecer perante órgãos do Estado, a divulgação de diálogos gravados por meio de grampo telefônico, as decisões proferidas por juízes manifestamente parciais, que são antecipadamente divulgadas na imprensa e, primordialmente, a escolha mediante critérios não republicanos dos que serão e dos que não serão acusados constituem fatos absolutamente incompatíveis com as garantias do Estado Democrático de Direito, acolhidas na Constituição Federal.

Nesse conturbado momento por que passa a sociedade brasileira, evocamos a Declaração de Curitiba, de 1972, do Conselho Federal da OAB e das Seccionais: 'Não há a mínima razão em que se tenha como necessário o sacrifício dos princípios jurídicos no altar do desenvolvimento, pois o legítimo progresso econômico e social só se fará em conformidade com os princípios do Estado de Direito e o respeito aos direitos fundamentais do homem.'

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) -

Não é hora de se curvar. O momento exige contundente defesa do Estado Democrático de Direito e da soberania popular, que se manifestou pelo voto legítimo em regular eleição, das garantias constitucionais do devido processo legal, especialmente da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, da imparcialidade e do afastamento das provas ilegítimas. Ao contrário, é preciso ter coragem para denunciar o obscurantismo que insiste em se instalar no País. Somente assim construiremos uma 'sociedade livre, justa e solidária'.

    Tenho certeza de que esta segunda Carta de Curitiba ficará gravada na história, assim como o ato que tivemos ontem, no Palácio do Planalto, com vários juristas brasileiros em favor da Presidenta Dilma e contra o impeachment.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - E, só para encerrar, Sr. Presidente, um esclarecimento que eu acho necessário: não é pelo fato de constar o impeachment na Constituição que ele seja constitucional. Aliás, vários outros crimes e disposições constitucionais sobre condutas estão lá, mas há que se praticar o crime ali colocado. E não há crime.

    Portanto, eu quero deixar claro aqui, Sr. Presidente: esse impeachment e esse processo são ilegais; e ilegais sendo é golpe.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2016 - Página 28