Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro da impropriedade das políticas de recursos hídricos implementadas no Nordeste, em especial no Estado do Piauí.

Autor
Elmano Férrer (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PI)
Nome completo: Elmano Férrer de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
  • Registro da impropriedade das políticas de recursos hídricos implementadas no Nordeste, em especial no Estado do Piauí.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2016 - Página 56
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, AGUA, CRITICA, INEFICACIA, POLITICAS PUBLICAS, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, LOCAL, REGIÃO NORDESTE, ENFASE, ESTADO DO PIAUI (PI), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero, inicialmente, abraçar V. Exª e toda a população de Florianópolis e de São José, e dizer que V. Exª tem muito o que fazer, não só por essas duas cidades, mas também, como está fazendo, como Senador, por todo o Estado de Santa Catarina. V. Exª é muito jovem, tem um espírito empreendedor, dinâmico; um político de quem temos informações de que é um grande trabalhador, um grande idealista, e que tem, realmente, realizado um trabalho muito importante para o Estado de Santa Catarina. Rezo aos céus para que V. Exª, em um amanhã não muito distante, venha a governar aquele exuberante Estado da Região Sul do nosso País.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi o Dia Mundial da Água. Venho nesta oportunidade a esta tribuna tecer algumas considerações pertinentes ao tema.

    O Brasil experimentou, a partir da década de 50, um acelerado processo de urbanização, que trouxe em seu bojo uma série de problemas que, ao longo dos anos, desafiam sucessivos governos e povoam o dia a dia das grandes e médias cidades brasileiras. Como decorrência natural desse processo, são fortes as demandas, não só por água, mas também por alimentos e por energia, cuja evidente interface com a questão dos recursos hídricos ressalta o papel estratégico da água como fonte de vida e poder.

    Não fomos ainda capazes de tirar partido de nossa continentalidade e diversidade fisiográfica, no que diz respeito aos recursos hídricos, enredando-nos com políticas equivocadas, curvando-nos a práticas daninhas e a empoderamentos provincianos, que fogem completamente ao interesse público.

    No Nordeste, as adversidades climáticas, hidrogeológicas e pluviométricas são apontadas, secularmente, como responsáveis não só pelo déficit hídrico do semiárido, mas também por nossa própria pobreza. Mas não é bem assim, Sr. Presidente. Temos exemplos de convivência exitosa com o semiárido e até com o deserto, o que põe por terra a falácia de vincular pobreza a adversidades climáticas. A insensibilidade, a má gestão, o desconhecimento e o preconceito respondem muito mais por nosso atraso que os fenômenos da natureza.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as políticas hídricas ali implementadas contribuíram para a manutenção do status quo, e não para as desejadas mudanças estruturais. O status quo é simbolizado pelo carro-pipa, pelo anacronismo da agricultura de subsistência, pela vida ao deus-dará dos sertões sem fim. Daí porque a pobreza brasileira é, antes de tudo, a pobreza do Nordeste, mas, sobretudo, a pobreza do Nordeste rural.

    O grande problema de água no Nordeste é seu pouco aproveitamento na produção de riquezas, é o seu desperdício criminoso, pela falta de gestão de recursos hídricos, é a descontinuidade de programas e projetos de fixação do homem no campo e de fortalecimento de suas atividades produtivas, de modo que uma adversidade climática, previsível e mensurável, não se transforme em tragédia social anunciada.

    Só nos últimos 40 anos, Sr. Presidente, cerca de 20 programas foram intentados no Nordeste, objetivando ora a modernização agrícola do nosso semiárido, ora a disponibilização de água de irrigação, ou apoio ao pequeno produtor rural, ao desenvolvimento integrado e uma série de objetivos outros que se perderam em uma repetição sem fim. Vinte programas em 40 anos resultam na vexaminosa média de dois anos de duração para cada um desses programas. É a prova da descontinuidade, do desperdício, do personalismo estéril da Administração Pública brasileira, cuja visão estratégica é pautada pelo calendário eleitoral e não por uma política nacional de desenvolvimento que contemple a fixação de objetivos nacionais permanentes.

    São programas como o Polo Nordeste, o Projeto Sertanejo, o ProVárzea, o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural, o Programa de Combate à Pobreza Rural e o Água para Todos, que trouxeram um mar de esperanças aos sertanejos, mas que morreram na praia salinizada das promessas vãs do descaso e dos interesses hegemônicos.

    Sr. Presidente, a demanda mundial por água dobra a cada 25 anos em seus múltiplos usos, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Apenas 3% da água do mundo é doce, mas, se descontadas as geleiras, dispomos apenas de 0,6%. No Brasil, 80% da água localiza-se na Amazônia Legal, de população rarefeita; e 95% da população brasileira, consequentemente, fica com 20%.

    Nos anos 90, Sr. Presidente, os Anais desta Casa registraram vivos debates, permeados de advertências de que ainda assistiríamos a problemas de água em todo o Território nacional, tão graves quanto os que já aconteciam no Nordeste. Ponderava-se, naquela oportunidade, que tais problemas não nasciam da escassez, mas da falta de administração dos recursos disponíveis.

    Há 20 anos, o Congresso Nacional dotou o País de moderna legislação, mas os temores anunciados no século passado se confirmaram, infelizmente, não por omissão do legislador, mas pela desídia e morosidade da Administração Pública.

    Assentado sobre a Bacia sedimentar do Rio Parnaíba, que engloba grande parte do vizinho Estado do Maranhão, o Estado do Piauí tem uma disponibilidade hídrica per capita da ordem de 9 mil metros cúbicos por ano, o que o destaca como o Estado nordestino, no domínio do Semiárido, com o maior potencial hídrico. Tal valor, Sr. Presidente, é, por exemplo, mais do que o triplo da disponibilidade per capita da Bahia, o segundo colocado; e mais de sete vezes superior ao de Pernambuco, o Estado com maior restrição de acesso à água, em termos médios.

    Mesmo com toda essa riqueza, parte do Estado ainda sofre com a inclemência dos períodos de severa estiagem, levando sua população a enfrentar grandes dificuldades para ter acesso à água, mesmo que para o consumo humano. Tal situação é paradoxal. É o que eu chamaria de paradoxo piauiense. Se não pela prática de políticas hídricas equivocadas e pela continuada omissão do Poder Público, como explicar a pobreza de uma área riquíssima em águas subterrâneas e de superfície? É injustificável, Sr. Presidente, o atraso de uma região detentora de um potencial em energia eólica, solar, hídrica e de biomassas, em muito superior ao potencial das usinas de Paulo Afonso e de Boa Esperança, instalada no Estado do Piauí. Enquanto a Califórnia, o México e Israel dão exemplos de produtividade em pleno deserto, aqui o nosso Semiárido sobrevive de Bolsa Família e carros-pipas. A pobreza foi maquiada, portanto, com esses indicativos.

    A falta de uma política hídrica no nosso querido Piauí, Sr. Presidente, ao longo de seguidos governos, ressalta evidente, se comparado ao vizinho Estado do Ceará, onde vem sendo implantada uma política voltada para a área de recursos hídricos. O Ceará tem um deflúvio anual de 13 bilhões de metros cúbicos, mas dispõe de uma reserva de água armazenada de 20 bilhões de metros cúbicos, o que lhe permite se dar ao luxo de ter rios perenizados numa extensão superior à de nosso Rio Parnaíba, perdendo apenas em volume da descarga hídrica.

    A Bacia do Rio Parnaíba tem um deflúvio anual de 34 bilhões de metros cúbicos de água. Para garantir sua sustentabilidade hídrica, o Piauí deveria ter acumulado uma vez e meia aquele número, ou seja, algo em torno de 51 bilhões de metros cúbicos. Mas a realidade é que nosso Estado dispõe de menos de 3 bilhões de metros cúbicos de água acumulada, excluída a Barragem de Boa Esperança, voltada específica e precipuamente para a produção de energia.

    A semeadura é opcional, mas a colheita é obrigatória! Enquanto o Ceará, de terras encravadas basicamente no cristalino, tem cerca de 100 mil hectares irrigados e uma próspera produção agrícola, o Piauí, com uma disponibilidade per capita de 9 mil metros cúbicos por ano e imensos vales úmidos em bacias aluvionais, não chega a 15 mil hectares de irrigação. A seca no Piauí, Sr. Presidente, continua um flagelo, a despeito de termos tudo para sermos uma califórnia dos trópicos.

    Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a persistência com que as adversidades climáticas se abatem sobre a realidade do Piauí e do Nordeste não decorre apenas dos fatores climáticos e da omissão política. Há uma engrenagem maior a explicar tudo isso, no entrechoque de interesses de um federalismo combalido.

    A Drª Tânia Bacelar de Araújo, estudiosa dos problemas nordestinos, é de opinião que o abandono da política de desenvolvimento regional resultou também no abandono da perspectiva de construção de um projeto nacional de desenvolvimento e, via de consequência, da possibilidade de redução das desigualdades regionais, daí o intempestivo fechamento da nossa Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).

    Sr. Presidente, a Sudene, a Sudam e a Sudeco foram extintas sem protestos das Bancadas regionais do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, como também aceitamos passivamente a recriação desfigurada de tais órgãos, cujos vetos presidenciais, contrários aos interesses regionais, adormecem nas gavetas deste Senado, aguardando uma análise de todos nós e, quem sabe, suas merecidas derrubadas pelas Bancadas dessas três grandes regiões.

    Tenho plena convicção, Sr. Presidente, de que, assim como no passado, o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste e, em especial do meu Estado, o Piauí, está de forma inquestionável atrelado ao uso adequado da água. A combinação dos fatores abundantes de terras férteis, sol, água, velocidade dos ventos e outras vantagens edafoclimáticas, além de um povo honesto e trabalhador, faz com que o Piauí reúna todas as premissas para se tornar um dos maiores produtores agrícolas brasileiros, quer seja na agricultura de sequeiro, ou mesmo na agricultura irrigada.

    Devo concluir, Sr. Presidente, e, para marcar de forma afirmativa tão importante data, tenho a alegria de anunciar a esta Casa e ao povo do Piauí que, com o apoio de correligionários com assento no Congresso Nacional, conseguimos incluir emenda de nossa autoria ao Plano Plurianual 2016/2019, no valor de R$1 bilhão, para a elaboração de projetos e especialmente para a execução das obras de implantação da adutora do sertão do nosso Estado.

    Partindo do Vale do Gurguéia, a adutora atingirá o Município de Caracol e daí alcançará, por gravidade, todo o sul e sudeste piauiense, cobrindo seu semiárido e levando água de qualidade a cerca de 600 mil pessoas.

    A adutora do sertão já foi objeto central de dois pronunciamentos meus nesta tribuna, e estamos trabalhando junto aos órgãos competentes para tirá-la do campo dos sonhos e torná-la realidade. Uma vez implantada, a adutora do sertão será, talvez, a obra de maior impacto socioeconômico da história do Piauí.

    Lutaremos, Sr. Presidente, para que isso ocorra o mais breve possível, de forma que possamos legar ao povo do Piauí, aos nossos filhos e netos, o testemunho de nossa fé no poder das ideias e na prevalência vitoriosa dos homens de boa vontade.

    Era esse, Sr. Presidente, o pronunciamento que tínhamos a fazer na tarde de hoje.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2016 - Página 56