Discurso durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos acerca do relatório apresentado pela Polícia Federal sobre investigações instauradas contra S. Exª na Operação Lava Jato.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Questionamentos acerca do relatório apresentado pela Polícia Federal sobre investigações instauradas contra S. Exª na Operação Lava Jato.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2016 - Página 16
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • CRITICA, INQUERITO POLICIAL, MOTIVO, ACUSAÇÃO, ORADOR, CRIME, CORRUPÇÃO PASSIVA, REFERENCIA, DECLARAÇÃO FALSA, INVESTIGAÇÃO, POLICIA FEDERAL, ENFASE, TENTATIVA, PREJUIZO, AUTOR, DELAÇÃO.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Bom dia, Senador Paim, que preside esta sessão, e ao Senador José Medeiros, que me antecedeu!

    Bom dia a todos os que estão nos acompanhando pela Rádio Senado e pela TV Senado!

    Ontem, Senador Paim, eu tomei conhecimento, pela imprensa e, depois, pelos meus advogados, de que a Polícia Federal elaborou um relatório final acerca das investigações que foram instauradas contra mim na Operação Lava Jato. Não havia espaço nem condições de falar sobre isso ontem à noite. Eu estava, como todo o Brasil, acompanhando as manifestações a favor da democracia, que ocorreram pelo País afora e que foram belíssimas. Para responder à imprensa, que já tinha a decisão policial por vazamento, limitei-me a soltar uma nota, que repeti para os meus seguidores nas redes sociais e também para quem me questionou, mas eu já tinha decidido que hoje faria um pronunciamento sobre o assunto na tribuna do Senado.

    Eu tenho sofrido com isso desde outubro de 2014, quando vazaram para a imprensa, mais especificamente para o jornal O Estado de S. Paulo, que fez uma manchete, partes de uma delação do doleiro Alberto Youssef, alterada diversas vezes depois, em que ele dizia que havia repassado dinheiro para a minha campanha eleitoral, em 2010, a mando do Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Só tive acesso aos autos do processo em março de 2015, cinco meses depois, portanto. Então, eu não tinha condições de falar sobre os fatos e de me defender plenamente, porque não os conhecia.

    Limitei-me a dizer a verdade. Não conheço esses senhores. Não pedi nem recebi nenhum recurso.

    Nunca usei esta tribuna, para fazer minha defesa. Sempre achei que deveria deixar a polícia trabalhar no inquérito livremente; aliás, nunca usei da minha condição de Parlamentar, de Senadora, para criticar a operação ou o trabalho de investigação. Recentemente, eu o fiz pelos excessos cometidos, que ficaram claros para todo o País com a decisão do Supremo Tribunal Federal, ontem, acerca das escutas telefônicas envolvendo a Presidenta Dilma e o ex-Presidente Lula.

    O inquérito na Polícia Federal que me investigava foi prorrogado várias vezes. O que era para ser feito em 90 dias levou um ano! Tudo foi milimetricamente investigado: estive na Petrobras? Não. Conversei alguma vez com Paulo Roberto Costa ou com Alberto Youssef? Não! Eles disseram que me conheciam? Não! Que eu tinha participado, era beneficiária ou conhecia o esquema de dinheiro na Petrobras? Não! Isso consta do inquérito.

    Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef divergem sobre o suposto repasse de dinheiro à minha campanha. Enquanto o doleiro afirma que recebeu orientação de Paulo Roberto, que teria recebido um pedido de Paulo Bernardo, meu marido, o ex-Diretor da Petrobras contesta, dizendo que não recebeu pedidos de Paulo Bernardo e que apenas concordou com o suposto repasse pedido pelo doleiro que lhe informara haver um pedido da parte de Paulo Bernardo, não informando a quem fora efetuado esse pedido.

    Isso está escrito. Paulo Roberto disse: "Não, Paulo Bernardo não pediu para mim. Eu autorizei o Alberto Youssef a dar um recurso para a campanha da então candidata Senadora, porque ele me falou que tinham pedido". Aí o Alberto Youssef disse: "Não, eu não fiz isso. Quem pediu para eu repassar o recurso foi o Paulo Roberto Costa".

    Essa é a única parte do depoimento que é imutável. Inclusive, fizeram acareação duas vezes, entre os dois, e a mesma versão foi colocada, ou seja, ninguém assume que houve pedido de recurso. Então, não houve pedido de recursos para a campanha, nem meu, nem de Paulo Bernardo, a nenhum deles. Está claro nas falas, únicas, como eu disse, que foram mantidas intactas nas diversas repetições que fizeram dessa delação, inclusive nas duas acareações que eu citei.

    Após ter lido o conteúdo das conclusões policiais que recebi ontem à noite, continuo tendo plena convicção de que elas externam toda a debilidade da acusação que foi movida contra mim. Isso não apenas em virtude das contradições dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef nas delações premiadas, mas também em razão de equívocos procedimentais e de outras contradições investigativas que permeiam toda a investigação.

    Sem fazer uma mínima apuração preliminar, a Procuradoria-Geral da República e os delegados da Polícia Federal tomaram como verdadeiros depoimentos dos dois colaboradores, que, ao longo do inquérito, modificaram suas próprias narrativas e se contradisseram. O objetivo dos órgãos investigativos era apurar se havia uma suposta entrega de R$1 milhão para a minha campanha ao Senado em 2010. A hipótese era a de que eu teria recebido esse dinheiro, em decorrência da minha posição como Ministra-Chefe da Casa Civil. Todavia, eles se esqueceram de que, em 2010, eu não ocupava nenhum mandato eletivo nem qualquer cargo público, especialmente no Palácio do Planalto.

    Não bastasse isso, assim que o inquérito foi instaurado, já se percebia a divergência nos depoimentos dos delatores, como disse há pouco, especialmente quanto a: primeiro, quem teria feito o pedido de doação de R$1 milhão, e ninguém assume; segundo, para quem esse pedido teria sido dirigido, para qual dos dois delatores; terceiro, como se teria efetivado a imaginada entrega do valor; e, quarto, quem seriam as pessoas envolvidas na entrega.

    Sobre os primeiros pontos, apurava-se se Paulo Bernardo seria o autor do pedido, uma vez que existiria suposta menção ao nome dele na agenda apreendida em posse de Paulo Roberto Costa, cujos escritos foram copiados de Alberto Youssef. Todavia, a investigação comprovou que nem Paulo Roberto Costa, nem Alberto Youssef mantiveram contato com meu marido, Paulo Bernardo. Os próprios colaboradores - os próprios colaboradores! - negam ter mantido qualquer contato com ele a esse respeito ou ter recebido seu pedido, como já li aqui os depoimentos. E mais ainda: Alberto Youssef, autor dos manuscritos copiados na agenda por Paulo Roberto Costa, nega em depoimento que a sigla PB, como os investigadores se referiram ao meu marido, significaria Paulo Bernardo - ele nega!

    Quanto aos outros pontos, para descobrir quem seria o hipotético intermediário da suposta propina que seria disponibilizada por Alberto Youssef, os investigadores tiveram de realizar várias diligências que não permitiram chegar a qualquer conclusão. Pelo contrário, apenas evidenciaram a fragilidade das acusações.

    Primeiro, após Alberto Youssef, o doleiro, ter conferido fotos de alguns suspeitos de terem realizado a suposta transação que me envolveria, a Procuradoria-Geral da República destacou, no termo de delação premiada, que:

[...] apresentada ao declarante a fotografia de Ernesto Kugler Rodrigues [que é empresário, amigo nosso, no Paraná], o declarante [Alberto Youssef] confirma, sem sombra de dúvidas, que se trata da pessoa que esteve em seu escritório [em São Paulo] para a qual foram entregues os valores [para a campanha de Gleisi].

    Alberto Youssef apontou, assim, sob o dever de dizer a verdade decorrente da condição de colaborador premiado e "com 100% de certeza", que teria entregue, pessoalmente, o dinheiro ao Sr. Ernesto Kugler Rodrigues, em seu escritório, em São Paulo. Só que Ernesto nunca esteve no escritório de Alberto Youssef. Isso foi comprovado pelas investigações que pegaram todas as fitas gravadas de quem entrou e de quem saiu daquele escritório - nunca esteve com Alberto Youssef!

    Mas, de que jeito esse valor teria sido, então, entregue ao Sr. Ernesto, como afirmava Alberto Youssef? Ora, num primeiro momento, Alberto diz que entregou pessoalmente e à vista, 1 milhão. Após perceber que seria insustentável manter essa versão, ele se corrige e diz que entregou o dinheiro em três ou quatro operações. Mais à frente, ele afirma ter entregue em duas ou três, não se recordando bem.

    Ao perceber que não conseguiria provar suas versões e com o claro receio de perder os benefícios judiciais que tanto buscou com a sua colaboração premiada, Alberto Youssef, que foi delator do caso do Banestado e mentiu na sua delação - é importante dizer isso, porque ele mentiu na sua delação no caso do Banestado! -, mudou completamente o que dizia, passando a afirmar que não teria sido ele o entregador, mas, sim, um empregado, um colaborador dele chamado Rafael Ângulo Lopez, que é tido pelos órgãos investigativos como o braço direito de Alberto Youssef. E, também, esse Rafael Ângulo Lopez firmou um acordo de colaboração premiada. E ele disse que esse Rafael entregou o dinheiro - aí não era mais em São Paulo, não era mais no seu escritório - em shopping em Curitiba. Sob o dever legal de dizer a verdade, esse Rafael destacou que não conhece nem se lembra do nome de Ernesto Kugler Rodrigues e que nunca entregou valores na administração de qualquer shopping em Curitiba.

    Alberto Youssef é ouvido outras vezes. E, em cada uma, imputa a responsabilidade pela entrega dos valores a uma pessoa diferente. Foram ouvidas outras quatro ou cinco pessoas que trabalhavam para ele e nenhuma assume a entrega dos valores - nenhuma assume a entrega!

    Não foram encontrados quaisquer registros de suposto encontro ocorrido entre Alberto Youssef e Ernesto Kugler Rodrigues. Não identificaram qualquer ocasião em que eu ou o meu marido estivemos com essas pessoas; não foram identificadas quaisquer ligações entre eles e a minha pessoa; não identificaram qualquer entrada minha ou do meu marido na Petrobras; e muito menos qualquer reunião entre nós e esses colaboradores. Volto a repetir.

    A então verdade processual que permeava o processo passou por uma completa repaginação. Eis que, ao apagar das luzes, quando todas as provas convergiam para a comprovação de que esses fatos não passavam de uma ilação desses colaboradores, após um ano de investigações, uma quinta ou sexta pessoa aparece disposta a fazer um novo termo de delação premiada, para admitir - pasmem! - ter sido ninguém menos do que quem faltava para fechar o que se investigava no inquérito policial. Ou seja, o suposto entregador do dinheiro ao Sr. Ernesto.

    Mas em que circunstância foi feita essa colaboração? Basta um mínimo de cautela para se estarrecer. Após seis versões sobre fatos verdadeiramente singelos e com medo de perder os benefícios de sua colaboração premiada, Alberto Youssef é socorrido por uma pessoa que, sob orientação do seu advogado, o mesmo advogado de Alberto Youssef, se presta a dizer justamente aquilo que faltava para que a minha investigação não fosse arquivada, a despeito de todas as provas que foram feitas sobre minha inocência e de meu marido. O advogado Figueiredo Bastos, pessoa conhecida, carimbada da Operação Lava Jato, conhecido por sua atuação militante nessa Operação, coordenador profissional das principais delações premiadas que ocorreram e ocorrem na operação. Ele, esse senhor que é advogado do delator Alberto Youssef, apresentou uma pessoa, indicada por Alberto Youssef, que se dispôs a fazer uma nova delação, assumindo que tinha sido o entregador dos recursos.

    Quem negociou essa delação? O advogado Figueiredo Bastos, o mesmo advogado do Alberto Youssef. E quem é essa pessoa? Antônio Carlos Fioravante Pieruccini.

    O Pieruccini é sócio de Alberto Youssef desde as operações do Banestado e, se não me engano, foi até preso naquela operação. Ele veio salvar um amigo e dar crédito ao esforço do advogado em me incriminar. É bom lembrar que este advogado, Figueiredo Bastos, foi cargo de confiança do governo de Beto Richa, na Sanepar, recentemente; é muito ligado ao PSDB; e, além de negócios na advocacia, faz também militância política.

    É evidente o conflito de interesses em advogar para delator e delatado. A Ordem dos Advogados do Brasil, Sr. Presidente, há de tomar alguma atitude frente à essa infração ética e disciplinar. Não é possível advogar em todas as frentes.

    O cidadão Figueiredo Bastos advoga para pessoas da Petrobras que fizeram contratos com empreiteiros. Ele advoga também para os empreiteiros, que, após contrato com a Petrobras, contratavam operadores e doleiros; advoga também para operadores e doleiros, encarregados de distribuir os valores oriundos do esquema criminoso, direta ou indiretamente; advoga também para os funcionários desses operadores, que se incumbiam de entregar os valores, os chamados "mulas"; e advoga, por fim, para os políticos que recebiam esse dinheiro sujo. Eis alguns dos seus clientes, além do Alberto Youssef: ele está advogando na delação premiada de Delcídio do Amaral, de Alexandre Romano, de Antônio Carlos Pieruccini, de ex-Deputado Pedro Corrêa, de Rafael Angulo, de Pedro Barusco, entre outros. Ele advoga para todos esses.

    É óbvio que todas essas pessoas, tendo o mesmo advogado, poderão alinhar suas versões antes de prestarem depoimentos para, além de se protegerem mutuamente, não serem incoerentes com o que dizem e envolverem nesse esquema quem tem interesse efetivo de envolver. Dizem as más línguas que, inclusive, esse Dr. Figueiredo Bastos faz negociações com quem ele quer incluir ou não nas delações premiadas.

    Este dado não pode passar despercebido: apenas após seis tentativas frustradas de narrar a suposta entrega de valores à minha campanha - mesmo porque não houve qualquer entrega -, aparece alguém, que é assessorado pelo mesmo advogado do delator, disposto a dizer o que precisasse; amigo e sócio do delator principal, pessoa próxima. Será que o delator não ia se lembrar, desde o início, de que foi ele que entregou? Por que, na sexta versão, vai colocar o seu sócio? Foi assim que se deu o meu indiciamento e o de Paulo Bernardo - questionável, entretanto -, baseado nessa versão absolutamente descredibilizada que apareceu no inquérito.

    Eu vou continuar minha defesa, Sr. Presidente, e provar inocência, mas antes gostaria de levantar um segundo questionamento a tudo isso. O indiciamento se deu por corrupção passiva. Eu não tinha e nunca tive conhecimento de qualquer esquema envolvendo desvios na Petrobras, não conhecia as pessoas envolvidas, assim como meu marido nunca pediu recursos a eles em favor de minha campanha. E isso ficou demonstrado nos depoimentos e na investigação. Portanto, como posso responder por um crime para os quais faltam as ações concretas que levariam a ele? Falta materialidade. Foi dito pelos próprios depoentes que nunca estive envolvida em qualquer caso relativo à Petrobras. Se, por acaso, tudo isso tivesse acontecido - o que não aconteceu -, seria, no máximo, um caixa dois de campanha,

    Quero reafirmar aqui: não tenho conta no exterior, Sr. Presidente, não tenho negócios na política, não fiz patrimônio com recursos escusos. Tudo que tenho é compatível com minha remuneração e é, aliás, público no meu Imposto de Renda, que já foi divulgado várias vezes, assim como o de meu marido, Paulo Bernardo. Tenho uma vida confortável, mas modesta, de classe média; viajo muito pouco; não frequento lugares badalados; não compro marcas famosas. Trabalho na política, porque ela é o caminho das transformações e mudanças que precisamos fazer em benefício da maioria do povo.

    Se cometi erros, esses são compartilhados com grande parte de quem integra esta Casa: pedir e aceitar doações privadas de campanha, que era e sempre foi a regra do jogo. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal, essa regra mudou. E eu espero, Sr. Presidente, que com ela mude também a forma de se sustentar e de se fazer política no Brasil.

    O que não podemos é incriminar a política e misturar aqueles que fazem política com aqueles que fazem da política instrumento para seus negócios. Continuarei confiando na Justiça e na política como meios de sustentar a democracia e dar respostas às demandas da sociedade. E continuarei fazendo a minha defesa, porque nada devo, Senador Paim, a não ser a responsabilidade de, nesta Casa, defender os direitos do povo brasileiro e dos trabalhadores do meu País.

    Muito obrigada.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Meus cumprimentos, Senadora Gleisi Hoffmann, pela sua fala. Eu percebo, Senadora, que algumas pessoas que são citadas ali ou acolá não vêm à tribuna se colocar claramente, como V. Exª fez, confiante na Justiça e na sua defesa. Meus cumprimentos a V. Exª. Eu conheço V. Exª há muitos anos, sei da sua história e tenho certeza de que a sua inocência será provada.

    Queria convidar V. Exª para assumir a Presidência, se possível, para que eu possa fazer um pronunciamento usando a tribuna.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Obrigada, Senador Paim. (Pausa.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2016 - Página 16