Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, registrando a existência de fundamentação jurídica para o pedido de impedimento.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Considerações acerca do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, registrando a existência de fundamentação jurídica para o pedido de impedimento.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2016 - Página 20
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, EXISTENCIA, FUNDAMENTAÇÃO, JURIDICA, PEDIDO, IMPEDIMENTO.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu inicio com memorável frase de Ulysses Guimarães, que muito nos ensinou durante a sua extraordinária trajetória política, em tempos também difíceis neste País. Disse Ulysses: "Eu os abraço com a consagradora definição: democracia é o convívio de contrários".

    Sr. Presidente, estamos vivendo, sem dúvida, um momento histórico ímpar. De um lado, a tragédia política, abrigando a dramaticidade da crise moral, que provoca indignação no povo brasileiro, promovendo a existência de um verdadeiro furacão de vicissitudes, de contrariedades, de decepções, de frustrações, semeando a descrença, que se generalizou no País nos últimos anos, anestesiando uma sociedade que, diante da banalização da corrupção, não sofria o impacto da denúncia dos grandes escândalos de corrupção como se esperava.

    O que nós estamos discutindo é se o povo que elege tem o direito de retirar do poder aqueles que decepcionam. É exatamente o que ocorre com o processo de impeachment. A população decepcionada, inconformada - através dos artífices da sua representação, aqueles que, ocupando mandato eletivo, são responsáveis, como porta-vozes da indignação popular -, exerce a cidadania plena ao retirar do poder quem não cumpre os seus compromissos, comete delitos, desvios irreparáveis e estão, portanto, sujeitos ao julgamento político no Congresso Nacional.

    Sr. Presidente, o que se discute agora na Câmara é se existem razões para o impeachment da Presidente, e se o impeachment é golpe ou atende pressupostos constitucionais, que são indispensáveis para a sua concretização. Há razões de natureza jurídica e razões de natureza política.

    Creio que não há quem, no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados, não tenha construído a sua convicção pessoal ao longo do tempo a respeito da necessidade ou da insubsistência de um processo de impeachment nessa hora, porque o que constrói a nossa convicção, certamente, é o dia a dia da nossa atividade; é o dia a dia dos fatos e dos atos praticados por quem governa o País.

    Nesses anos, desde a posse do Presidente Lula, estive na trincheira oposicionista, apresentando denúncias, formulando críticas, encaminhando representações ao Ministério Público, mandados de segurança ao Supremo Tribunal Federal, pedidos de auditoria ao Tribunal de Contas da União, requerimentos de informações, instalando CPIs, investigando atos praticados pelo Poder Executivo - durante todos esses anos, mesmo nos momentos de grande popularidade dos nossos governantes.

    Portanto, não vejo necessidade, nesta hora, de alinhar aqui os fatos, as ocorrências, os ilícitos praticados, os desvios ocorridos que justificam minha posição pessoal em relação ao processo de impeachment - fatos, durante anos, que consagram uma convicção pessoal inarredável em relação ao processo de impeachment. Mas eu gostaria de dizer que aceito a tese de que há que se apresentar consistência jurídica para esse julgamento que ocorrerá brevemente, certamente, no Senado Federal. E as razões jurídicas estão consagradas nos julgados do Tribunal de Contas da União, relativamente às chamadas pedaladas, que têm origem na contabilidade criativa do Governo, à mágica fiscal, e aos decretos que afrontaram a legislação vigente, passando sobre o Congresso Nacional para a suplementação de verbas no orçamento da União.

    Esses, como se alega aqui, são os fatos que justificam juridicamente o processo de impeachment. Mas há razões de natureza política que nos confortam nessa decisão. As razões de natureza política e, sobretudo, de natureza ética têm origem na conclusão de investigações que já ocorreram ao longo do tempo e que levaram um Procurador da República, com a responsabilidade da função que exercia, a afirmar, durante a ação do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, que aquele escândalo de corrupção fora arquitetado por uma organização criminosa em nome de um projeto de poder de longo prazo. Um Procurador da República, nomeado pela Presidência da República, afirmava que o mensalão tinha origem em um complexo e sofisticado esquema de corrupção arquitetado em nome de um projeto de poder de longo prazo. E outro Procurador que o sucedeu definiu como um atrevido e complexo esquema de corrupção. E o petrolão, que hoje se investiga, veio como sucedâneo do grande escândalo denominado de mensalão.

    Enfim, esses fatos, os argumentos que decorrem dessas investigações e de julgamentos já efetuados são suficientes para oferecer o conforto de natureza moral, ética, nesse julgamento fundamental, que nós esperamos ganhe agilidade no Senado Federal se a decisão soberana da Câmara dos Deputados for pelo acolhimento do processo de impeachment no próximo domingo.

    Portanto, não vejo razão, neste momento, para alinhar aqui os fatos que nos motivam a proceder desta forma.

    Prefiro olhar à frente e reconhecer que o Brasil está mudando. Prefiro valorizar o renascimento de instituições públicas fortalecidas, neste momento de tragédia política nacional, sob os escombros provocados pela descrença popular semeada na sociedade brasileira ao longo dos últimos anos. São instituições que reabilitam as esperanças do povo deste País.

    Ainda ontem o Supremo Tribunal Federal invadia a madrugada, e nós pudemos acompanhar e aprender lições preciosas e, sobretudo, fortalecer a nossa convicção de que essas instituições fundamentais no Estado de direito democrático se consolidam na crise, de forma a fazer com que acreditemos no futuro do Brasil. Sobretudo, fotografamos o surgimento de uma nova Justiça.

    No memorável voto do Ministro Edson Fachin, na madrugada de hoje, vimos a repetição do irretocável voto do Ministro Fachin quando o Supremo Tribunal Federal definiu o rito do processo de impeachment a ser submetido ao Congresso Nacional.

    Não se diga que está havendo invasão de competência. O Supremo Tribunal Federal não pediu para julgar essas questões, ele foi convocado a julgá-las pelos Poderes Executivo e Legislativo. O Poder Executivo, através da Advocacia-Geral da União, e o Poder Legislativo, através de partidos políticos e Parlamentares, que apresentaram razões para impedir que o processo de impeachment pudesse ser votado no próximo domingo. E o Ministro Fachin derrotou todos os argumentos apresentados, especialmente pelo competente Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, e também pelos Parlamentares que buscaram, através de ações interpostas junto ao Supremo Tribunal Federal, impedir que a Câmara dos Deputados se manifeste sobre o processo de impeachment no próximo domingo.

    Creio que é uma vitória da Constituição, uma vitória da justiça, uma vitória da democracia.

    O Brasil está realmente mudando, e a primeira mudança foi fotografada nas ruas deste País: multidões, como diria Ulisses Guimarães, como erva bendita, surgindo de todas as partes, invadindo as praças públicas, as avenidas e as ruas deste País, para escrever um manifesto de protesto e de indignação contra a corrupção e a incompetência dos governantes. Esta é a fotografia da mudança real: o povo nas ruas não só protestando, não só reabilitando a sua capacidade de indignação, mas sinalizando um futuro diferente para o Brasil que todos nós merecemos.

    No embalo das ruas, as mudanças ocorreram em instituições essenciais, como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça federal, instituições que consagram a sua independência de forma inquestionável e que, com ousadia e competência, invadem os segredos da corrupção neste País, revelando fatos estarrecedores que nos atormentam, mas que pela consequência da busca da justiça, do julgamento implacável, da investigação sem precedentes, que alcança também poderosos, lideranças políticas e, inclusive, ex-presidentes da República, são sinais de que a mudança é uma verdade e não apenas uma possibilidade.

    Não há como não reconhecer que essas instituições a que me referi, o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça Federal, cumprem o papel do avanço, respondem aos anseios da população, correspondem às expectativas do povo brasileiro. Mas e depois? Essas instituições cumprem o seu papel.

    O Supremo Tribunal Federal oferece-nos, da mesma forma, sinais de que teremos, na Suprema Corte também, um julgamento implacável dos principais envolvidos nos escândalos de corrupção. O que atormenta, certamente, o que coloca um pouco de dúvida, sem dúvida, é a lentidão dos procedimentos que são adotados na Suprema Corte, em contradição com a agilidade que se verifica na primeira instância, tendo à frente o Juiz Sérgio Moro, que se tornou figura emblemática da nova Justiça, que substitui aquele conceito antigo, arraigado, de que a Justiça no Brasil existia apenas para os pobres e que jamais alcançava os colarinhos brancos, os poderosos e, sobretudo, os políticos deste País. A substituição desse conceito pelo conceito de que a Justiça é realmente para todos nasce em Curitiba, sob a égide e o patrocínio do extraordinário Juiz Sérgio Moro.

    E depois? A operação Lava Jato, logo à frente, se esgota. A Justiça julga, o Supremo Tribunal Federal, um pouco depois, deve julgar, condenar e absolver - condenar os culpados, absolver os injustiçados -, porque sempre há injustiçados. Num processo complexo como esse, é inevitável que injustiças ocorram. Mas é preciso reparar injustiças, também, ao tempo em que se condenam os verdadeiros culpados.

    Depois, o papel será da classe política, dos governantes do País. Não creio que um governo de transição, nos moldes do que se alinhava hoje no País, como decorrência do inevitável processo de impeachment, seja a solução para o Brasil. Não creio. Não é esse governo que se anuncia. O caminho da mudança é o voto. Creio em mudança por meio do processo eleitoral, do confronto nas urnas, depois de um debate competente que se deve travar, em respeito ao povo brasileiro, durante a campanha eleitoral.

    Mas há aí a tarefa que não pode esperar do Congresso Nacional, que deve se dedicar ao aprimoramento da legislação, especialmente da legislação penal, como consequência dessa notável experiência que se adquire hoje em função do trabalho competente dos investigadores e julgadores, fornecendo subsídios para alterações fundamentais na legislação brasileira, impondo maior rigor na caça à corrupção, aos corruptos, e no combate implacável à impunidade, como sinais de esperança para o povo brasileiro.

    Enfim, essa é uma tarefa, uma missão que compete ao Congresso Nacional. E não temos por que esperar. Há projetos que já tramitam. Há propostas que chegam, como essas do Ministério Público, as dez medidas de combate à corrupção. Não há razão para esperar. Não há razão também para que se adotem expedientes protelatórios se, eventualmente, no domingo, houver acolhida do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados. O Senado Federal deve agir com agilidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PV - PR) - O Brasil já esperou demais, já está cansado desse debate, quer virar esta página e espera do Senado Federal responsabilidade e competência no julgamento da Presidente da República.

    Nós advogamos exatamente a agilização dos procedimentos. Esperamos que o Presidente da Casa honre a função que exerce, não a apequene. Temos convicção de que isso ocorrerá e teremos a adoção dos procedimentos indispensáveis para a conclusão desta fase da história política do Brasil o mais rapidamente possível. Este impasse, que perdura já há muito tempo, é um prejuízo de proporções ilimitadas. Esta indefinição prejudica o País. É uma expectativa do povo brasileiro que a superação desta indefinição venha a ocorrer o mais rapidamente possível.

    Ao final, Sr. Presidente, é evidente que tenho advogado a mudança desse sistema de governança.

    E tenho afirmado não alimentar esperanças de que o Brasil possa voltar a crescer em percentuais compatíveis com a sua grandeza se esse sistema de governança promíscuo, que estabelece essa relação desonesta entre os poderes, perdurar. É preciso sepultar definitivamente um sistema que se transformou em usina dos grandes escândalos de corrupção, em matriz de governos incompetentes e desonestos e suprapartidariamente, porque esse modelo foi clonado, foi transplantado para Estados e Municípios do Brasil, alcançando praticamente todos os partidos que governam. Sepultar esse modelo é uma responsabilidade também do mundo da política, especialmente através dos governantes que assumirão a responsabilidade de administrar este País no futuro. Mudar esse modelo para que o Brasil volte a crescer e substituir o balcão de negócios pela relação republicana entre os poderes, admitindo, consagrando e valorizando a interdependência entre eles, mas numa relação respeitosa e honesta, para plantar eficiência na construção do futuro deste País. É o nosso desejo.

    Mas, ao final, Sr. Presidente, ainda, as demonstrações de civilidade que brotaram nas grandes manifestações populares dos últimos tempos nas ruas do Brasil nos animam a acreditar que encerraremos de forma pacífica, ordeira, sem violência, seja qual for a decisão do Congresso Nacional. Ocorra o impeachment ou não ocorra o impeachment, esta frase lapidar de Ulysses Guimarães deve ser colocada à frente das nossas expectativas: "Democracia é o convívio de contrários".

    É lamentável ver um muro instalado à frente do Congresso Nacional para separar brasileiros. Que esse muro seja dispensado! Ele lá está, mas que ele seja desconsiderado pelos manifestantes.

    Que ajam como se lá não estivesse esse muro da vergonha, esse muro da discórdia, esse muro que celebra a contrariedade, o enfrentamento! Que o enfrentamento seja democrático, pacífico, legal. E que isso seja também um exemplo de que nós estamos construindo uma nova Nação, repito, sobre os escombros da desesperança do nosso povo.

    Que, no próximo domingo, a decisão soberana da Câmara dos Deputados seja respeitada por todos aqueles que vierem à frente do Congresso Nacional ou que encherem as ruas deste País onde estiverem!

    Mas que, sobretudo, surja deste evento um exemplo de civilidade, de responsabilidade cívica do povo brasileiro, de amadurecimento do cidadão deste País, que, hoje, liga-se à atividade pública com maior clareza!

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PV - PR) - Os desinteressados se interessam; os alienados se informam. E nós passamos a ter, certamente, uma nova Nação, uma Nação que todos exigimos e o povo brasileiro merece.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2016 - Página 20