Pronunciamento de Fátima Bezerra em 29/03/2016
Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Discussão sobre o mérito do impeachment que pretende afastar a Presidente Dilma Rousseff.
- Autor
- Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
- Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
GOVERNO FEDERAL:
- Discussão sobre o mérito do impeachment que pretende afastar a Presidente Dilma Rousseff.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/03/2016 - Página 78
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL
- Indexação
-
- CRITICA, ILEGALIDADE, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, MATERIALIDADE DO FATO, CRIME.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, agradeço a generosidade de V. Exª, uma vez que hoje foi um dia de agenda muito intensa. Estive tratando de demandas do interesse do nosso Estado, o Rio Grande do Norte, e participei de diversas reuniões. Portanto, só agora é que tenho tempo de ocupar a tribuna.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, especialmente ouvintes da Rádio Senado e telespectadores da TV Senado, quero aqui, mais uma vez, voltar ao tema da conjuntura, neste momento delicado que o País está vivendo, momento esse em que aqueles, repito, que não se conformam com o veredicto popular, aqueles que, derrotados nas urnas, tentam agora travestir de legalidade um golpe, sob o argumento de que o impeachment está previsto na nossa Constituição.
A todo momento, Sr. Presidente, a gente vê o esforço da mídia tradicional, quando coloca, inclusive, no ar Ministros do Supremo Tribunal Federal, como o Presidente daquele Tribunal, Ricardo Lewandowski, o Ministro Luís Roberto Barroso, além de outros ilustres juristas, dizendo que impeachment não é golpe, pois tem previsão constitucional.
Ora, isso é o óbvio! Na verdade, ninguém está aqui discordando disso de maneira nenhuma. O que nós queremos deixar claro, no entanto, é que, quando dizemos que o impeachment da Presidenta Dilma é ilegal, não estamos falando da legalidade do instrumento em si, até porque, repito, o impeachment está previsto na Constituição. O que nós estamos discutindo aqui, Sr. Presidente, é o mérito do impeachment.
O que acontece é que o instrumento constitucional, em nosso entendimento, está sendo irregularmente, indevidamente usado para tentar afastar uma Presidenta que não é acusada, até o presente momento, de crime nenhum. Por isso é que nós, mais uma vez, reafirmamos aqui que o pedido de impeachment contra a Presidenta Dilma, apesar de previsto na Constituição, é flagrantemente ilegal, porque não há comprovação de crime de responsabilidade direta por parte da Presidenta. Ou seja, o fato de o instrumento do impeachment estar previsto em lei não significa que possa ser aplicado a qualquer pessoa, em qualquer situação, sem que haja indícios de materialidade do crime.
Aliás, aqui é importante também ressalvar que o processo, inclusive, de impeachment contra a Presidenta Dilma não tem nada a ver com a Operação Lava Jato, até porque a Presidenta Dilma não é alvo de qualquer denúncia de corrupção. De que acusam a Presidenta Dilma, então? Das chamadas pedaladas fiscais, que são um procedimento de gestão de orçamento público, usado rotineiramente em todos os níveis de Governo: Federal Estadual e Municipal. As chamadas pedaladas são mecanismos utilizados, inclusive no atual mandato, por 16 governadores estaduais, muitos da oposição, para garantir a execução de políticas públicas. Não se trata de crime de responsabilidade. Havia jurisprudência: Itamar fez, FHC fez, Lula fez.
E, em todos os casos, o TCU inclusive validou.
Mas também se alega como motivo, no pedido de impeachment contra a Presidenta Dilma, a chamada edição de decretos de abertura, assinados pela Presidenta e pelo Vice-Presidente Michel Temer.
Eu não vou aqui discorrer sobre o mérito da edição de decretos de abertura de créditos. Quero apenas lembrar que se a assinatura desses decretos for considerada crime para apear do poder uma Presidenta eleita, que teve o voto de mais de 54 milhões de eleitores e eleitoras pelo Brasil afora, se o argumento da edição de decretos de abertura de crédito for usado contra a Presidenta Dilma para pedir o seu impeachment, então é bom aqui lembrar que o Vice-Presidente Michel Temer também assinou vários deles. Ele também teria que sofrer o processo de impeachment.
Como lembrou o Presidente do Supremo, em declaração feita ontem, "golpe" é palavra do mundo político, e é bom que a opinião pública esteja consciente de que, ao contrário da Presidenta Dilma, os políticos que farão o seu julgamento político estão, muitos deles, sendo investigados, a começar pelo Presidente da Câmara, que, enquanto atrasa, trava, por meio de manobras regimentais, o seu próprio processo de impeachment, acelera o da Presidenta Dilma.
Além disso, dos 65 integrantes da Comissão que trata do pedido de impeachment ora instalada na Câmara dos Deputados, dos 65 Parlamentares, pasmem os senhores e as senhoras, mais da metade, portanto, 37 deles têm contas a acertar com a Justiça, na medida em que 37 dos 65 que compõem a Comissão de impeachment na Câmara dos Deputados estão sendo acusados, estão sendo investigados por corrupção.
Mais ainda, Sr. Presidente, o responsável pelo pedido de impeachment, o Presidente da Câmara, já é réu, está respondendo a vários inquéritos, acusado de ter recebido mais de R$52 milhões em corrupção, desviados de recursos da Petrobras; está sendo acusado de ocultação de bens e patrimônio, bem como está sendo acusado também de ser dono de depósitos milionários em contas secretas na Suíça e em outros paraísos fiscais.
Isso é um escárnio, Sr. Presidente. Como é que, de repente, o atual Presidente da Câmara - repito -, o responsável pelo processo de impeachment, réu, respondendo a esse conjunto de crimes que está sendo atribuído a ele, responde também a processo por quebra de decoro no Conselho de Ética daquela Casa, tem se utilizado de manobras regimentais para protelar, para travar, para atrasar o seu processo de julgamento no Conselho de Ética, ao mesmo tempo em que acelera o processo de impeachment contra uma Presidenta sobre a qual, até o presente momento, não paira absolutamente nada que desabone a conduta ética daquela mulher?
Isso é um escárnio. É um escárnio. A convicção que eu tenho é de que o impeachment, além de se dar nessas circunstâncias, seu julgamento político é feito por boa parte inclusive de políticos que respondem a acusações de corrupção. Podem dizer o que quiserem dessa mulher, mas não podem, de maneira nenhuma, acusá-la do ponto de vista da seriedade, do caráter, da ética e da honestidade.
Então, um processo de impeachment nessas circunstâncias, além de um pedido de impeachment sem fundamento legal, na medida em que não há comprovação de crime de responsabilidade contra a Presidenta, não tem outro nome a não ser golpe. Golpe! Golpe! Não é golpe contra a Presidenta Dilma, é golpe contra a democracia, é golpe contra o Brasil.
Por isso, Sr. Presidente, quero aqui dizer que tenho a convicção de que esse processo de impeachment será derrotado, porque o Brasil não merece isso, de maneira nenhuma.
Quero ainda acrescentar, Sr. Presidente, que não tenho dúvida de que muitos que apoiam esse impeachment travestido pretendem abafar a Lava Jato, que já tem políticos de vários partidos denunciados, inclusive do PMDB e do PSDB. Querem abafar as investigações que os envolvem e deixar toda a culpa para o PT.
E pergunto: o que o País ganharia se o golpe vingasse? Para responder a essa pergunta, faço minhas as palavras do jornalista Igor Fuser, doutor em Ciências Políticas pela USP e professor da Universidade Federal do ABC.
Diz o Prof. Igor - abro aspas -: “O Brasil se tornará um País conflagrado, por culpa da irresponsabilidade e da ambição desmedida de meia dúzia de políticos incapazes de chegar ao poder pelo voto popular.”
Não se enganem, meus caros ouvintes, se o golpe se consumar, todas as propostas conservadoras derrotadas nas urnas de 2014 - refiro-me às propostas conservadoras que o candidato derrotado Aécio planejava colocar em prática se fosse eleito - seriam efetivadas, trazendo para o País mudanças muito diferentes do que querem os que hoje vão para as ruas pedindo inclusive o impeachment da Presidenta.
Peço permissão, Sr. Presidente, para rapidamente ler um trecho do artigo do Prof. Igor, que alerta justamente para esse retrocesso.
Diz o Prof. Igor Fuse, da USP - abro aspas -:
O presidente golpista irá, com toda certeza, mudar as leis trabalhistas, em prejuízo dos assalariados; revogar a política de valorização do salário mínimo; implantar a terceirização irrestrita da mão de obra; entregar as reservas de petróleo do pré-sal às empresas transnacionais (como defende o [ seu parceiro] Senador José Serra); privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal; introduzir o ensino pago nas universidades federais, como primeiro passo para a sua privatização; reprimir os movimentos sociais e a liberdade de expressão na internet; expulsar os cubanos que trabalham no Programa Mais Médicos; dar sinal verde ao agronegócio para se apropriar das terras indígenas; eliminar a política externa independente, rebaixando o Brasil ao papel de serviçal dos Estados Unidos. É isso, muito mais do que o mandato da Presidenta Dilma ou o futuro político de Lula, o que está em jogo na batalha do impeachment.
Diz ainda o Prof. Igor:
É um engano supor que a economia irá melhorar depois de uma eventual mudança na Presidência da República. Todos os fatores que conduziram o País à atual crise continuarão presentes, com vários agravantes. A instabilidade política será a regra. Os líderes da atual campanha golpista passarão a se digladiar pelo poder, como piranhas ao redor de um pedaço de carne. E Dilma será substituída por um sujeito fraco, Michel Temer, mais interessado em garantir o seu futuro, certamente uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, e em se proteger das denúncias de corrupção do que governar efetivamente.
A inflação continuará aumentando e o desemprego também. No plano político, o Brasil mergulhará num período caótico de forte instabilidade.
Fecha aspas.
E agora pergunto: é esse o País que queremos? Tenho certeza de que não. Tenho certeza de que não é isso que querem os 54 milhões de eleitores da Presidenta Dilma. Mais do que isso, tenho certeza também de que boa parte daqueles que estão nas ruas hoje, sem saber inclusive ao certo pelo que brigam, também não quer isso para o Brasil de maneira nenhuma.
Por isso estamos confiantes de que a população está cada vez mais acordando para os riscos do que seria um processo de impeachment nessas condições, sem fundamento legal e, portanto, um golpe, e um golpe de consequências trágicas para as instituições democráticas do nosso País e para a imagem do próprio Brasil.
Por isso, Sr. Presidente, quero aqui desde já reiterar o nosso convite para, na próxima quinta-feira, aqueles que defendem a legalidade, aqueles que neste momento entendem que o que está em jogo é a defesa da democracia ocuparem as ruas deste País, para que possamos, mais uma vez, fazer uma manifestação de caráter pacífico, mas com muita convicção de defender a Constituição, de defender a democracia e de defender as conquistas sociais e trabalhistas dos últimos 13 anos.
No dia 31, Sr. Presidente, não tenho nenhuma dúvida de que o movimento de resistência ao golpe será cada vez maior, até porque assim está se pronunciando a sociedade civil pelo Brasil afora.
Nós vimos ontem, aqui no Congresso Nacional, de um lado, a direção formal da OAB apresentando um pedido de impeachment e, por outro lado, a reação forte dentro da própria OAB, dentro do ambiente daqueles que militam em defesa da justiça se insurgindo cada vez mais contra a atitude equivocada e infeliz da OAB de aderir a um processo de impeachment sem base legal, sem fundamento legal.
Não é só a dissidência no campo da OAB que se multiplica em todo País, com atos em defesa da democracia, que está tomando conta do País, tendo à frente juristas, operadores de direitos, advogados e advogadas respeitados em todo o País.
Na verdade, esse movimento está ganhando as universidades, está ganhando as escolas, está ganhando corpo nas comunidades religiosas. Ou seja, esse movimento de resistência, em defesa da legalidade democrática e contra o golpe está cada vez mais crescendo. O Brasil está acordando para os riscos à nossa democracia ao se consumar um impeachment nessas condições, sem base legal e sem fundamento legal.
Por isso, Sr. Presidente, encerro dizendo que, no próximo dia 31 de março, data de aniversário do golpe militar que nos jogou nas sombras da ditadura por mais de 20 anos, nós daremos o nosso grito de liberdade muito mais forte ainda, para dizer que o fascismo não passará, que desta vez não vai haver golpe, até porque golpe não é a solução para a crise. Muito ao contrário: golpe é o agravamento e o prolongamento da crise.
Muito obrigada.