Discurso durante a 48ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à atuação político-partidária dos órgãos policiais e dos meios de comunicação.

Críticas a veículos de imprensa por abordarem o processo de “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff sob uma perspectiva machista e misógina, com ênfase à matéria “As explosões nervosas da Presidente”, veiculada na revista IstoÉ, e o artigo “Dilma e o Sexo”, de autoria do João Luiz Vieira, editor da revista Época.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA:
  • Crítica à atuação político-partidária dos órgãos policiais e dos meios de comunicação.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Críticas a veículos de imprensa por abordarem o processo de “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff sob uma perspectiva machista e misógina, com ênfase à matéria “As explosões nervosas da Presidente”, veiculada na revista IstoÉ, e o artigo “Dilma e o Sexo”, de autoria do João Luiz Vieira, editor da revista Época.
Aparteantes
Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2016 - Página 14
Assuntos
Outros > IMPRENSA
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • CRITICA, POLICIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, MOTIVO, ATUAÇÃO, INTERESSE, PARTIDO POLITICO.
  • CRITICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ENFASE, PERIODICO, EPOCA, ISTOE, MOTIVO, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA, VITIMA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidenta.

    Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, eu quero fazer uma abordagem de alguns pontos que têm a ver com o tema do momento.

    Antes, eu queria, de público, me solidarizar com o Senadora Gleisi e dizer que o que ela sofreu foi assédio moral. E pode ter certeza de que o componente machista está aí também. Duvido que fizessem aquilo com um homem. Até fazem manifestação, mas não fazem aquela agressão muito próxima, beirando a intimidação. Então, nossa solidariedade a V. Exª.

    Algumas coisas vêm acontecendo que estamos deixando passar. É aquela história: enquanto a caravana passa, os cães ladram. Então, precisamos prestar atenção ao que corre por fora do processo no Congresso Nacional. A postura das polícias, por exemplo, em alguns Estados está extrapolando, está visivelmente parcial. Nós vimos isso em São Paulo: porque uma pessoa se negou a receber um panfleto foi agredida até sangrar. Nós vimos isso aqui, no Ministério do Meio Ambiente, quinta-feira, o Frei Sérgio sendo preso porque rasgou o panfleto. Ele recebeu, mas se deu o direito de rasgar. E as pessoas, pagas pela Fiesp - é um panfleto da Fiesp que foi distribuído -, chamaram a polícia, que não quis saber: levou. O Secretário-Executivo do Ministério desceu e foi junto, porque ele ia para uma reunião com o Secretário-Executivo sobre a questão agrária. É para percebermos como a coisa está ficando muito séria, principalmente quando as polícias são aparelhadas para tomar partido.

    Mas quero falar também para prestarmos atenção aos vazamentos seletivos, porque eles voltaram. Ninguém deu importância ao Panama Papers, que tem um escândalo muito grande, mas, como diz a história, não deu Ibope. Ninguém divulgou, ninguém massificou. Assim como também a lista da Odebrecht, que tem gregos e troianos e que não foi à frente porque não tinha os nomes que interessavam, certamente. E agora essa da Andrade Gutierrez, que também foi vazada seletivamente. Só se falou da eleição da Dilma. Por que não das outras eleições, se a empresa ajudou a quase todos candidatos e candidatas?

    Há uma questão séria. É interessante que dizemos sempre assim: há um dinheiro que é sagrado e outro que é profano. Mesmo na conta oficial, prestadas as contas, mas, se for do PT, é profano. Dos outros, é sagrado. Saber que a Andrade Gutierrez se tornou uma das maiores controladoras da Cemig e da relação que ela tem com o Senador candidato em 2014... É para questionarmos isso.

    Mas o que quero mesmo falar aqui é da questão ainda do machismo presente nessa história. Eu quero falar de como a imprensa tem tratado a Presidenta Dilma. Precisamos, como mulheres, prestar atenção a isso, porque não é só ela. Já faz tempo que nós mulheres com mandato enfrentamos diuturnamente a chamada misoginia, que é o ódio às mulheres, é mostrar as mulheres como incapazes. Ela aparece em apartes, em conversas, em brincadeiras. A grande maioria masculina se utiliza disso e, às vezes, mulheres também.

    Eu quero dizer que o que a IstoÉ fez com a Presidenta na semana passada, na sua edição passada, é crime, até porque é falsa essa história, mas houve a intenção de passar a mulher - não a Presidenta Dilma, mas a mulher - como desequilibrada, como nervosa, como destemperada.

    Não é à toa que vemos que empresas não querem contratar mulheres, porque elas têm TPM, menopausa. Fizeram isso também com a Cristina Kirchner. Duvido que fizessem isso com um homem. Claro que este corpo não é dela. "A rainha está nua". Agora, mais recentemente, com a Hillary Clinton, candidata, estão passando-a como uma pessoa raivosa, um cão raivoso, para que as pessoas tenham medo de votar na mulher. Então, é muito grave isso que está acontecendo, porque, depois de todo um processo de muitas lutas das mulheres, ainda temos de passar por isso.

    Neste cenário de polarização, as revistas, os meios de comunicação, se prestarem a isso! É grave! Precisamos tomar providência! Não dá para aceitarmos que isso se chame jornalismo.

    Não é à toa que já existe uma campanha de cancelamento de assinaturas da IstoÉ. Apelidaram-na de "LixoÉ", porque isso não é jornalismo mesmo. Então, já existe muita gente vendo isso.

    Em agosto do ano passado, João Luiz Vieira, um dos editores da revista Época, publicou o artigo "Dilma e o Sexo", que queria fazer acreditar que os problemas do País tinham a ver com a falta de erotismo. Isso é misoginia. Isso é crime. Os memes na Internet, os adesivos para carros, as montagens, as colagens, circulando nas redes sociais, numa velocidade imensa, tudo isso para reforçar o impeachment, o golpe.

    Nós percebemos quanto o debate ganhou espaço. Lamentavelmente, há Ministério Público por aí querendo proibir debate. Essa queda no índice dos favoráveis ao impeachment tem a ver com o debate, porque é o lado que debate. Vemos advogados, jornalistas, professores, todo mundo promovendo debates, e isso vai mudando a opinião das pessoas, enquanto que os que defendem o impeachment não debatem. Eles vão para as passeatas, mas não promovem o debate. Já querem proibir o debate na Academia. Isso beira... Não sei nem a palavra que podemos dizer sobre isso.

    Ainda quanto à questão da misoginia, em março, a ONU divulgou nota condenando a violência política sexista contra a Presidenta.

    A ONU Mulheres divulgou nota condenando todas as formas de violência contra as mulheres, inclusive a violência política de ordem sexista contra Presidente da República: "Nenhuma discordância política ou protesto pode abrir margem e/ou justificar a banalização da violência de gênero - prática patriarcal e misógina que invalida a dignidade humana."

    Oito dias após a nota da ONU, a revista IstoÉ sai com esta capa: "As explosões nervosas da Presidente". É uma mentira, porque é uma montagem; já está provado que essa foto é uma montagem. A foto quer mostrar que ela está sem condições emocionais de comandar o País no atual período de crise.

    Jornalistas, coletivos e grupos feministas imediatamente saíram em defesa da Presidenta, criticando a revista por reforçar estereótipos machistas nos quais as mulheres são descontroladas emocionalmente e, por isso, inadequadas ao exercício do poder.

    No Facebook, entidades feministas também se posicionaram contra a publicação, como é o caso do coletivo Think Olga: "Este não é um post sobre política. Este é um post sobre gaslighting, que é uma forma de machismo cruel e perniciosa". É aquela forma de machismo em que os homens induzem a mulher a pensar que está ficando louca.

    A União Brasileira de Mulheres também repudiou veementemente a capa da revista. No Twitter, usuários classificam a revista como misógina, machista e desrespeitosa. E o Palácio do Planalto se pronunciou, dizendo que a Advocacia-Geral da União vai acionar a revista para apurar se houve crime de ofensa contra a honra da Presidenta na reportagem.

    A Prof. Ivana Bentes, da Escola de Comunicação da UFRJ, escreveu artigo contundente contra a reportagem, definindo-a como um acinte, um desrespeito e uma violência contra todas as mulheres. É importante que isso fique claro, porque há mulheres distribuindo cópia da capa da revista nos sinais de trânsito. Então, é uma ofensa a todas as mulheres e não só à Dilma. É impossível que aceitemos isso.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Senadora, me concede um aparte?

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Pois não.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Em primeiro lugar, quero cumprimentar V. Exª pelos trabalhos que realiza aqui no Senado, sobretudo em defesa dos direitos humanos. V. Exª, ao lado do Senador Paim e de tantos outros Senadores e Senadoras, tem se dedicado muito a esse tema. E eu quero aqui fazer justiça. E V. Exª levanta algo extremamente grave, que são as ofensas que a Presidente vem sofrendo por conta da sua condição de gênero, apenas pelo fato de ser mulher. Infelizmente, Senadora Regina, quando eu ocupei um dia desses a tribuna, tive que repetir um desses memes que V. Exª fala que aparecem na internet. Falei uma vez só, nunca mais vou repetir, porque são termos desrespeitosos à Presidente e a todas as mulheres brasileiras. Então, eu quero dizer, Senadora Regina, que V. Exª tem muito mais que autoridade para falar isso, porque tem toda uma vida dedicada à defesa os direitos humanos. E como V. Exª, todas nós estamos indignadas com a forma como a Presidente Dilma vem sendo tratada, assim como a forma como a Senadora Gleisi foi recebida. Eu disse que nós prestaríamos solidariedade a qualquer um, não apenas à mulher, mas também a qualquer homem que tivesse sofrido o que a Senadora Gleisi sofreu. E certamente a agressão foi tão virulenta, como V. Exª disse, pelo fato de ser ela uma Senadora mulher. Obrigada, Senadora.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Esta é a arma dos que não têm argumento. Em vez de irem fazer o debate, ficam agredindo as pessoas nos aeroportos.

    A Profª Ivana Bentes é uma das mais renomadas especialistas em comunicação no País e classifica o artigo da revista como "um texto que ultrapassa qualquer ética jornalística, com aspas sem nenhuma fonte!". Ela diz que é "Um ataque genérico de um jornalismo covarde que usa aspas fantasmas". Diz, ainda: "O texto é uma peça para ser analisada pelos professores e estudantes de Comunicação, as feministas, os analistas políticos e simbólicos, e qualquer leitor critico como a derrocada de tudo que entendemos como jornalismo.'

    Quer dizer, o jornalismo está-se rebaixando ao que há de pior.

    Ivana Bentes lembra que os adjetivos utilizados para desqualificar a Presidenta mulher não são um ato isolado, mas fazem parte de um extenso vocabulário moral, científico, médico e psicanalítico de destituição do feminino como força política, como sujeito social e como modo de ser e existir.

    Como bem aponta a jornalista Clarice Cardoso, da CartaCapital, o jornalismo político brasileiro é que parece estar fora de controle, mas, se perguntado, dirá que loucas são as mulheres!

    Nota de 2 de abril, do Blog do Planalto, intitulada "Isto é uma publicação fora de si", publicado no perfil da Presidenta no Facebook, assim se refere aos acontecimentos:

A frase é conhecida: 'Na guerra, a primeira vítima é a verdade'. A autoria é controversa, mas a aplicação tem sua vertente diante de crises políticas mais agudas. A revista IstoÉ tem se esforçado para trazer a máxima ao presente, sombrear o quanto pode a verdade e jogar na lata do lixo da história qualquer rastro de credibilidade que um dia já teve.

Seria fácil rebater minuciosamente a escandalosa, leviana, sexista, covarde e - por que não? - risível peça de ficção que produziu na edição do fim de semana passado. Mas fazer isso seria tratar como jornalismo o que não é; seria conferir respeito ao que, no fundo, é inqualificável; seria pensar que algo ali pode ser crível e confiável, o que está muito longe de ser.

O único respeito que merece é para os eventuais remédios que se possam tomar contra os delírios e surtos de descontrole da revista. Uma publicação fora de si.

A democracia trouxe a liberdade de imprensa e de expressão, cláusulas pétreas de uma sociedade madura como a brasileira. Exercê-las, no entanto, exige responsabilidade com que se escreve e se publica. Por essas razões, e de tão inconsistente e intolerável, a única resposta adequada são as medidas judiciais que a Presidência da República tomará contra a revista.

    A feminista Helena Vitorino, do blog Lado M, resume bem a situação:

Em suma: se a governante optar por conduzir o governo diplomaticamente, por meio do diálogo e do pragmatismo, é tida como uma líder “fraca” e “emocional”. Mas, se admite uma conduta dura, resoluta e por vezes usa do enfrentamento, é tida como “descontrolada” e “agressiva”. E, em ambos os comportamentos, a mulher é incapaz de conduzir seu governo, ora por ser emotiva, ora por ser destemperada. O que se espera, então, da mulher na política?

    É, nesse clima, que nós mulheres fazemos política. Em ambiente tão inóspito, não é de se espantar a falta de representatividade feminina nas altas esferas do poder. As mulheres são mais da metade da população do País, mas ocupam apenas cerca de 10% das cadeiras do Congresso Nacional. Mas estamos vindo, estamos crescendo, estamos ocupando espaço num País em que as mulheres são protagonistas.

    O que as revistas Época e Istoé esqueceram-se de dizer é que, no Governo Dilma, a renda per capita das famílias chefiadas por mulheres dobrou entre 2011 e 2014; esqueceram-se de dizer que, das famílias inscritas no Cadastro Único, 88% são chefiadas por mulheres, entre as quais, 68% são negras; que, das famílias beneficiárias do Bolsa Família, 93% são chefiadas por mulheres; que mais de 1,17 milhão de mulheres foram matriculadas em cursos de qualificação profissional; que 137,8 mil das famílias campesinas chefiadas por mulheres são beneficiárias de programas de Inclusão Produtiva Rural do Ministério de Desenvolvimento Agrário; que 615,7 mil cisternas de consumo e 108,5 mil cisternas de produção e outras tecnologias sociais foram entregues a famílias chefiadas por mulheres que não possuíam reservatório de água em suas propriedades rurais; e que outros programas - como o Agroamigo, o Bolsa Verde, o Luz para Todos, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, o Minha Casa, Minha Vida e a Ação Brasil Carinhoso - tiveram um impacto impressionante na vida e luta por autonomia das mulheres brasileiras. Portanto, temos orgulho de ter uma Presidente mulher, de termos chegado à Presidência da República.

    E precisamos ficar atentos. Vou repetir, mostrando as capas de novo. Houve uma capa com a Presidente Dilma, mas há uma capa com a Cristina Kirchner e com a Hillary Clinton, todas colocadas como descontroladas.

    É o que eu falei: mulher tem TPM, sim; tem menopausa, sim; mas é inerente à nossa situação. Não é por isso que temos de ser desrespeitadas, consideradas incapazes.

    Eu acho que precisamos, junto com todo esse debate do impeachment ou do golpe, debater também esse assunto, porque está subjacente. Se passar qualquer coisa de sim ou de não, essas coisas vão valer, porque já estão introjetadas nos corações e mentes das pessoas que leem essa revista, que veem essas reportagens do mau jornalismo.

    Era o que eu tinha a dizer.

    Agradeço à Senadora Vanessa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2016 - Página 14