Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro de que o processo de impeachment não configura golpe de Estado e que é constitucional e democrático.

Comentários acerca de matéria intitulada “O aviso foi dado: pedalar faz mal”, publicada no jornal Valor Econômico, sobre a política fiscal adotada pelo governo da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Registro de que o processo de impeachment não configura golpe de Estado e que é constitucional e democrático.
GOVERNO FEDERAL:
  • Comentários acerca de matéria intitulada “O aviso foi dado: pedalar faz mal”, publicada no jornal Valor Econômico, sobre a política fiscal adotada pelo governo da Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2016 - Página 39
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSTITUTO, DEMOCRACIA, AUSENCIA, GOLPE DE ESTADO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ASSUNTO, ANALISE, CRITICA, POLITICA FISCAL, GOVERNO FEDERAL, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente, Senador Paim; Srs. Senadores, Srªs Senadoras. Meus cumprimentos ao Senador Paim, pela forma como superou esse impasse, e à Senadora Ana Amélia, pela paciência com que resistiu nesta tribuna durante tanto tempo nos ouvindo.

    Havia até imaginado não cansar os nossos telespectadores que acompanham, através da TV Senado, com a palavra golpe. Imaginei que hoje fosse dispensável falar sobre essa questão, mas, infelizmente, veio à tona, com muita força, em razão do episódio que vivenciamos há pouco.

    Eu me socorri de um ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, que respeito demais e que afirmou que "golpe seria o crime de responsabilidade sem punição".

    Trago agora também palavras de um professor renomado, o Dr. Marcelo Guedes Nunes, da PUC de São Paulo, que afirma:

    Impeachment é um exemplo dos mais claros e eloquentes da democracia direta. A sua aprovação depende de maiorias qualificadas. O seu procedimento é controlado pelo Supremo Tribunal Federal, que detalhou de maneira muito precisa o rito que deveria ser seguido e vem sendo cumprido exemplarmente.

    Aliás, é bom que se registre: o Senado Federal está cumprindo a lei. O rito estabelecido está sendo rigorosamente perseguido, tanto é que estamos cumprindo os prazos da lei. Não há atraso nesse itinerário percorrido até hoje, que terá prosseguimento, com maior eficácia, certamente, a partir da próxima sexta-feira, quando se deliberará na Comissão Especial e, depois, no dia 11, quando, provavelmente, o Plenário desta Casa estará sendo convocado para a deliberação sobre a admissibilidade.

    Deixando essa questão do golpe de lado, Sr. Presidente, imagino que essa tentativa reiterada de confundir a opinião pública, semeando a ideia do golpe, vai passar para a história dessa fase de transição, como o maior vexame político a que assistimos. Não tenho dúvida de que essa falácia se constituirá no maior vexame político. E o que é pior: um vexame político internacional, porque os propagadores da tese levaram-na para o exterior, e chegaram até às mentes lúcidas de um Prêmio Nobel, que foi aqui, lamentavelmente, usado pela Presidente Dilma, com quem esteve há pouco, e pelo PT, que o acompanhou até a Mesa desta Casa.

    Episódio superado, Sr. Presidente, ontem, na Comissão Especial apresentei um itinerário das pedaladas, que foi narrado com muita eficácia pelo jornal Valor Econômico, aliás, em matéria que se denominou "O aviso foi dado: pedalar faz mal." Nós, durante o trabalho de ontem da Comissão, apresentamos parcialmente esse itinerário; hoje, pretendo prosseguir com ele. Ontem, disse que a história das pedaladas começa dois anos e meio antes deste debate, um ano antes das eleições, quando técnicos do Tesouro Nacional alertavam o Governo para a imprecisão dos procedimentos que estavam sendo anunciados e recomendavam que o Governo e a Presidência da República não permitissem a adoção da prática de irregularidades que trariam consequências inevitáveis, inclusive com a existência de esqueletos que ficariam aguardando, durante certo tempo, para uma inevitável exposição, com também inevitável desgaste para o Governo. O Tribunal de Contas foi obrigado a expor esses esqueletos, denominados de pedaladas, que se consubstanciam em crime de responsabilidade, dando sustentação jurídica, portanto, ao processo de impeachment da Presidente da República.

    Eu prossigo nesse itinerário. Vou narrar, Senador Fernando Bezerra. O cenário: sala do Conselho Monetário Nacional, 6º andar do prédio do Ministério da Fazenda. Data: 22 de novembro de 2013. Essa pesquisa é do jornal Valor Econômico. Participantes da reunião: Secretário do Tesouro, Arno Augustin; os 19 Coordenadores-Gerais do Tesouro; os seis subsecretários e seus assessores mais próximos para discutir o documento elaborado pelos técnicos com avisos ao Governo - um dos momentos mais tensos dessa história agora revelada. Portanto, estou me referindo a 2013, novembro.

    Pauta da reunião: o primeiro ponto de preocupação era o risco de rebaixamento e seus impactos; os seguintes: a política fiscal e suas consequências, a imagem do Tesouro e o aperfeiçoamento de processos internos; por último, o relacionamento interpessoal, uma forma educada de se referir às explosões pelas quais o Secretário Arno Augustin era evitado por sua equipe.

    Naquele momento, quando a burocracia do Tesouro Nacional alertava para uma tragédia fiscal arriscada, a economia brasileira ainda era comandada pela nova matriz macroeconômica, definida por um câmbio artificialmente desvalorizado, juros reduzidos na marra e políticas anticíclicas de subsídios e desonerações setoriais.

    Mas o importante é destacar o retrato da insensatez que demonstra a gestão temerária do Governo na reunião do dia 22 de novembro de 2013: em plena fala do então Coordenador-Geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Otávio Ladeira, a quem coube fazer o alerta de que a política fiscal já entrava numa trajetória insustentável, destacando como o mercado vinha perdendo a referência de qual era a meta fiscal perseguida pelo Governo, o Secretário Arno deixou claro que havia convocado a reunião para pôr fim ao que considerava uma rebelião contra a política econômica e não para tratar de cenários fiscais.

    Portanto, havia uma rebelião de técnicos, especialistas em economia, em política fiscal, que não concordavam com as medidas adotadas pelo Governo, que acabaram nas pedaladas.

    Nessa sequência, com perplexidade, tomamos conhecimento do seguinte:

    Enquanto Ladeira expunha a dificuldade de o governo atingir a meta de superávit primário de 2,3% do PIB em 2013, o secretário [Arno, o idealizador da contabilidade criativa] interrompeu: “Quem disse que não vamos cumprir a meta? O mercado pode projetar qualquer coisa. Eles fazem isso o tempo todo para ganhar dinheiro” [...].

    Isso, porque não importa o que o mercado expõe como verdade, importa o que a contabilidade criativa idealiza, para ocultar a realidade das contas públicas no País.

    Naquela ocasião, a exposição do Secretário Arno Augustin reafirmou a tese de que "a política fiscal era fundamental para garantir o crescimento econômico e não levaria o Governo à bancarrota, como queriam fazer crer os técnicos do Tesouro" - os técnicos de um lado e o Secretário do outro.

    Mas vamos ao desfecho:

    O ex-secretário [Arno] desistiu da retaliação por concluir que daria mais combustível ao “motim”. Mas preparou o Tesouro para enfrentar as eleições de 2014 sob o mais estrito sigilo e com a política fiscal sob seu absoluto controle. Acabou ali a tentativa da burocracia do Tesouro de conter o processo de desajuste fiscal que deságua neste ano num déficit primário de R$119 bilhões, dívida bruta chegando a 70% do PIB e uma trajetória vista pelo mercado como insustentável.

    Os servidores do Tesouro, evidentemente, não se expuseram, para falar a respeito dessa narração.

    Uma constatação:

    O processo decisório do governo Dilma, e aí não apenas da política fiscal, foi marcado pela aversão ao dissenso. Ministros e servidores que participaram de decisões importantes descrevem reuniões longas, como 30 ou 40 participantes, em que questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do governo e davam margem a broncas, em vez de discussões. [Aliás, dizia o ex-Ministro:] "É um governo de muitas certezas e quase nenhuma dúvida", complementa uma alta autoridade do alto escalão do Governo.

    O açodamento do Secretário Arno só foi interrompido quando o Ministro Joaquim Levy foi confirmado Ministro da Fazenda.

    Sua fala foi emblemática: "Fizemos tudo o que ela pediu. E agora ela nomeia o Levy!", "Fizemos tudo o que ela pediu e ela nomeia o Levy. Isso não vai dar certo, eu a conheço". Portanto, nessa reconstituição da história feita pelo jornal Valor Econômico, não houve contestação.

    Sr. Presidente, ainda me resta um pequeno tempo. Eu gostaria de encerrar este discurso exatamente dizendo que a Presidente Dilma, apesar da crise que assola o Brasil, não precisaria ter-se utilizado desse expediente das pedaladas, que se constitui crime e que vai levá-la ao impeachment inevitavelmente, porque, se isso diz respeito a cerca de quarenta e poucos bilhões de reais, os repasses do Tesouro Nacional ao BNDES dizem respeito a muito mais.

    Se nós contabilizarmos os recursos oriundos do FAT, do FGTS, do PIS/PASEP transferidos ao BNDES - a meu ver indevidamente, porque em prejuízo dos trabalhadores, já que a remuneração oferecida a valores pertencentes aos trabalhadores brasileiros é uma remuneração aquém da remuneração do mercado, portanto uma transferência indevida em prejuízo dos trabalhadores brasileiros, que são os proprietários do FAT e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - e, além desses recursos, outros, cerca de quatrocentos e setenta e três bilhões, somando a esses recursos, chegamos a R$716 bilhões, portanto o repasse do Tesouro ao BNDES chega a R$716 bilhões, entre 2008 e 2014.

    Se nós contrapusermos esses valores aos valores das pedaladas, verificaremos que realmente a infelicidade das chamadas pedaladas poderia ser perfeitamente evitada: bastava a Presidente da República não repassar tanto dinheiro ao BNDES, que o transferiu. Esses recursos foram transferidos pelo BNDES, eles não estão no caixa do BNDES. Esses recursos não retornaram ao Tesouro Nacional. Esses recursos não retornaram ao FGTS, ao FAT, a esses fundos pertencentes aos trabalhadores brasileiros.

    Esses recursos foram transferidos aos campeões nacionais, numa política de empréstimo que fracassou, e a outros países, aí de forma ainda mais injusta para com os trabalhadores brasileiros, porque foram recursos repassados com taxas de juros subsidiadas, com longo prazo para retorno - retorno questionável, porque, inevitavelmente, os países que receberam esses empréstimos generosos do Governo brasileiro, através do BNDES e de empreiteiras de obras públicas, são países com dificuldades financeiras e sem o poder de caixa para saldar os seus compromissos em dia. Foram recursos generosamente repassados especialmente a algumas nações conhecidas internacionalmente como nações de governos ditatoriais e corruptos.

    Nós verificamos que o Governo brasileiro, além dos empréstimos concedidos, tentou - e obteve êxito - perdoar dívida de algumas nações. Não obteve êxito em relação a todas elas, porque houve uma resistência aqui no Senado Federal, mas, em relação a uma delas, obteve êxito, exatamente uma nação com um governo autoritário e corrupto.

    De 2003 a 2013, o BNDES emprestou US$8,8 bilhões, sendo que Angola abocanhou 33%; Argentina, 22%; Venezuela, 14%; e Cuba, 7%.

    A indagação que nós temos que fazer - esta dúvida é uma certeza - é: o BNDES receberá os R$10 bilhões que foram emprestados ao Grupo EBX, de Eike Batista? O Porto do Açu, empreendimento levado a cabo pela LLX Logística, recebeu empréstimo do BNDES no valor de R$6,7 bilhões; e a OSX, 399 milhões. E esses países pagarão ao Governo brasileiro?

    O saldo dessa aventura descabida é o gigantesco aumento da dívida e o pagamento de mais de R$20 bilhões ao ano de equalização de juros, que nada mais é do que a diferença entre os elevados juros que o Tesouro Nacional paga aos investidores que compraram os títulos emitidos e o juro mais baixo que o Tesouro Nacional recebe do BNDES. São R$20 bilhões ao ano que o Governo brasileiro generosamente oferece a esses países nessa compensação de juros e a esses grupos econômicos, a alguns dos quais me referi há pouco, já que os juros que pagam são privilegiados.

    A equalização de juros nada mais é do que o pagamento de subsídio com dinheiro dos contribuintes. Este é dinheiro dos contribuintes: R$20 bilhões ao ano, dinheiro arrancado de quem paga imposto neste País. O contribuinte brasileiro continuará pagando, até 2060, pela aventura delirante realizada pelo BNDES de 2008 a 2015. Até 2060, o contribuinte brasileiro pagará em subsídios pelas operações do BNDES o valor de R$184 bilhões.

    Eu estou colocando essas questões para demonstrar que os equívocos do Governo o levaram a praticar o crime das pedaladas. Esse crime poderia ser evitado se o Governo tivesse agido com o mínimo de competência na administração financeira de recursos disponíveis, que foram repassados e foram transferidos para beneficiar grupos econômicos e países que não mereciam esses benefícios, porque, em alguns casos, o Governo brasileiro alimentou ditaduras corruptas mundo afora.

    Portanto, Sr. Presidente, nós não temos dúvida, não precisamos nada para aplacar a nossa consciência. Nós estamos com a consciência tranquila de que esse gesto radical, esse gesto...

    (Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PV - PR) - ... que certamente provoca um impacto traumático na vida brasileira, o gesto do impeachment, deve ser adotado por nós com absoluta paz de consciência.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2016 - Página 39