Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de manifesto pela democracia, assinado por membros do Ministério Público, da Associação Juízes para a Democracia, da Defensoria Pública e por advogados públicos membros da APD, contra o impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Leitura de manifesto pela democracia, assinado por membros do Ministério Público, da Associação Juízes para a Democracia, da Defensoria Pública e por advogados públicos membros da APD, contra o impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2016 - Página 75
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • LEITURA, MANIFESTO, DEFESA, DEMOCRACIA, AUTORIA, MEMBROS, MINISTERIO PUBLICO, JUIZ DE DIREITO, ADVOGADO, DEFENSOR PUBLICO, CRITICA, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Senador Paim, quero dizer da satisfação de, ocupando a tribuna do Senado da República, dar conhecimento ao Senado, dar conhecimento ao Brasil de um manifesto pela democracia, assinado por membros do Ministério Público brasileiro, membros da Associação Juízes para a Democracia, magistradas e magistrados, defensoras e defensores públicos brasileiros e advogadas e advogados públicos, signatários e membros da APD - Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia.

    Veja bem esse manifesto em defesa da democracia, que passo a ler neste exato momento:

Visando ao respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado democrático de direito, à ordem jurídica e ao regime democrático, comprometidos com a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, em busca de plena efetivação de valores sociais e proteção de direitos humanos, dirigem-se [os abaixo-assinados, aqui já mencionados por mim, que são membros do Ministério Público brasileiro, Associação Juízes para a Democracia, defensoras e defensores públicos, magistrados, etc.] a V. Exªs, como Senadores [e Senadoras] da República, e aos brasileiros como detentores da soberania nacional, neste momento em que o pedido de impedimento da Presidenta da República, Dilma Vana Rousseff, se encontra sob apreciação, para dizer [o seguinte]:

Desde o advento da Constituição de 1988, o País escolhe seus presidentes por meio de eleições livres e o afastamento de um presidente legitimamente eleito por impeachment tem caráter absolutamente excepcional. Dentro do Estado democrático de direito, a medida somente será constitucional se confirmada a prática de crime de responsabilidade, consoante tipificação legal e disposição do art. 85 da Constituição da República.

É sabido que o juízo de impeachment a versar crime de responsabilidade imputado à Presidenta ou Presidente da República perfaz-se em juízo jurídico político, que não dispensa a caracterização, pelos membros do Congresso Nacional, de quadro de certeza sobre a prática delituosa que se imputa à autoridade assim questionada.

Ausente o juízo de certeza, de que se viu nitidamente carecer a Câmara dos Deputados na votação pela abertura do processo, a deliberação positiva do impeachment constitui-se em ato de flagrante ilegalidade, de ruptura da ordem democrática, de trauma constitucional, que marcará a história do País de forma indelével e irreparável.

Com efeito, a edição de decretos de crédito suplementar, para remanejar limites de gastos em determinadas políticas públicas autorizados em lei, e os atrasos nos repasses de subsídio da União a bancos públicos para cobrir gastos dessas instituições com empréstimos realizados a terceiros por meio de programas de governos são, ambos, procedimentos embasados em lei formal (vez que a Lei nº 13.115/2015 os ratificou, posteriormente, com a ampliação da meta fiscal), pareceres jurídicos e entendimentos do TCU, que sempre considerou [sempre considerou!] tais medidas legais, até o final do ano de 2015, quando houve mudança de entendimento do referido tribunal [no caso o TCU].

Registre-se que os fatos, que ora são imputados à Srª Presidenta da República foram praticados anteriormente por outros Chefes de Poder Executivo, federal e estaduais.

Assim, revela-se contrário ao regime democrático e à ordem jurídica vigente o impedimento da Srª Presidenta da República, Dilma Vana Rousseff, eleita pelo povo brasileiro com 54.501.118 votos, por não ter ela praticado crime de responsabilidade, observados os limites do respectivo pedido. A crise econômica atual do País, fortemente alimentada pela crise política sem precedentes, não é fundamento para a decisão de seu impedimento para o cargo.

As manifestações públicas recentes, protagonizadas pelos diversos segmentos da sociedade brasileira, têm demonstrado que a insatisfação popular é generalizada e clama por encaminhamento consistente das questões postas, o que não será obtido com o afastamento ilegítimo da Chefe do Executivo, medida que, em verdade, não resolverá os impasses nacionais, mas, sim, distanciará o País do almejado caminho de pacificação e de retomada do desenvolvimento.

A repercussão internacional dos últimos acontecimentos envolvendo o processo de impeachment não pode ser desconsiderada, pois revela que a deposição da Presidenta Dilma Rousseff, no contexto já claramente desenhado até aqui e, portanto, sem motivação, representará irreparável risco à imagem e ao respeito conquistado pelo Brasil perante a comunidade internacional. Por sua relevância, nesse cenário, o País se encontra sob a observação atenta do mundo, o que, somado ao direito da sociedade brasileira a uma decisão que respeite as instituições democráticas do País, impõe às Srªs Senadoras e Srs. Senadores elevada responsabilidade.

Pelas razões apresentadas, conscientes as subscritoras e os subscritores desta nota e na estrita e impostergável obediência à missão constitucional, que lhes é atribuída, todas e todos confiam que as Srªs e os Srs. Senadores não aprovarão o impedimento da Presidenta da República.

Por isso, conclamamos V. Exªs a votarem contra o processo de impeachment da Presidenta da República e envidar todos os esforços para que seus pares de legenda igualmente rejeitem aquele pedido.

    Assina, Senador Paim, assina a Associação Juízes pela Democracia, dezenas; assinam também membros da magistratura, inclusive do meu Estado, o Rio Grande do Norte, e de todo o País; assinam membros de carreiras jurídicas de Estado, do meu Estado, do seu Estado e de todo o País; assinam ainda também o manifesto defensores públicos federais e estaduais, dezenas e dezenas de assinaturas; membros também do Ministério Público, Senador Paim.

    Ou seja, eu quero solicitar, Senador Paim, que esse belo manifesto seja inscrito nos Anais da nossa Casa. E mais do que isso, Senador Paim, V. Exª, que preside os trabalhos neste exato momento, que cópia desse manifesto seja entregue nos gabinetes dos 81 Senadores. Não é um segmento qualquer - não é um segmento qualquer!

    Aqui, são os magistrados e magistradas, advogados, carreiras jurídicas de Estado, Ministério Público, defensores públicos, que, simplesmente, apresentam ao Senado do Brasil e, vale dizer, também ao povo brasileiro, detentor que é do direito sagrado, conforme a própria Constituição, através do voto secreto e universal, de escolher os seus representantes... Pois bem, é a eles também que este manifesto se dirige, neste exato momento, para solicitar ao Senado da República que possa não acolher a admissibilidade do pedido de impeachment aprovada na Câmara dos Deputados, por tudo, como diz aqui o manifesto, que este pedido de admissibilidade não tem, do ponto de vista de legalidade e de fundamentação jurídica.

    Então, quero aqui, neste momento, sei que faço em meu nome e no do Senador Paim, que deverá falar também, agradecer pelo belo manifesto, agradecer aos magistrados e magistradas do meu País, aos membros do Ministério Público, aos defensores e defensoras públicas, aos de carreiras jurídicas do Estado, quero agradecer a vocês pela corajosa posição que estão tomando neste exato momento, voltados unicamente para o compromisso inalienável de defesa da Constituição, de defesa da democracia, de defesa do Estado democrático de direito.

    Esse manifesto que acabei de ler é um manifesto muito, muito, muito importante que vai, com certeza, Senador Paim, fundamentar, reforçar e reafirmar mais ainda a nossa convicção de que o pedido de impeachment ora em discussão aqui, no Senado da República não se aplica à Presidenta Dilma, por aquilo que não tem, de acordo com a própria Constituição, que é a comprovação de crime de responsabilidade direta por parte do Presidente, portanto, por parte da Presidenta.

    Esse manifesto - digo mais - é um manifesto muito importante para nós, tem um simbolismo muito grande, porque, afinal de contas, é um manifesto assinado por aqueles que lidam com direito, por aqueles exatamente que passaram pelas academias, pelas universidades da vida e, portanto, por aqueles que são os operadores de direito e aqueles, mais do que qualquer um, que têm o compromisso, a obrigação, de respeitar a Constituição.

    Então, parabenizo aqui a todos que subscreveram esse belo manifesto pela democracia. A nossa esperança e confiança é de que o Senado vai corrigir, repito, o grave erro, o equívoco histórico, político, jurídico que a Câmara dos Deputados realizou, quando, infelizmente, naquele domingo trágico, naquele circo de horrores, aprovou o pedido de admissibilidade com relação ao impedimento da Presidente Dilma.

    Senador Paim, muito obrigada. 

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senadora Fátima Bezerra, primeiro os meus cumprimentos pelo seu pronunciamento.

    Quero já convidar V. Exª e o Senador Medeiros para fazer um ciclo de debate sobre a democracia. O ciclo de debate sobre a democracia visa a trazer grandes juristas, grandes personalidades da vida pública brasileira para debater esse momento que estamos vivendo. Vamos debater economia? Vamos. Vamos debater direitos sociais? Vamos. Vamos apontar qual é a alternativa. Tenho certeza de que essa é uma iniciativa que tomamos com objetivo de ouvir a todos, olhando para a vida, olhando para 210 milhões de brasileiros, olhando para a democracia, olhando para a liberdade, olhando para a justiça e olhando pelos direitos humanos.

    Então, Senador Medeiros, quem tiver grandes nomes para apresentar, nós iniciaremos um ciclo de debate neste sentido, com objetivo de ajudar o País a encontrar uma saída diante da situação que nos encontramos, porque - permita-me, Senadora Fátima Bezerra, dizer isso - não dá, não dá para achar que um partido, que estava há 13 anos governando junto com o atual Governo, uma composição, Senador Medeiros, de quase 20 partidos, e o PP esteve lá nesses 13 anos, o PMDB esteve lá nesses 13 anos.

    Não quero lembrar outros aqui para não cometer nenhuma indiscrição, ou até mesmo errar, mas a maioria esteve lá, a não ser os partidos que, historicamente, sempre estiveram na oposição. O seu sempre esteve na oposição, por exemplo. Até respeito os que sempre estiveram na oposição, porque fizeram o seu papel. Pobre daquele país que não tem oposição. O PSDB sempre esteve na oposição, o próprio DEM sempre esteve na oposição, mas os partidos que estiveram lá mamando nas tetas do Governo durante 13 anos, na última hora, conspiram o combate à democracia e se apresentam como salvadores da Pátria. Isso não existe! O povo não é bobo. É por isso que as pesquisas já vão chegar. A próxima - estou sabendo - vai ultrapassar 70% do povo dizendo não, dizendo que quer novas eleições. Mas, aceitar que o Vice-Presidente da República a partir de agora, do dia 11 de maio, vai se chamar Eduardo Cunha? Esse que está parando totalmente a Câmara dos Deputados? E os Deputados não fazem nada. Isso não existe! Não teremos dinheiro para nada já a partir do mês que vem, se a Câmara não votar o correspondente às verbas da União, que têm de votar, pois são da peça orçamentária.

    Então, levanto essas preocupações. E neste momento, em que se faz crítica a um e a outro, só dou o exemplo de que a Casa está parada. A Câmara não pode continuar parada! Eduardo Cunha, com toda a divergência que a gente tem, eu faço um apelo a V. Exª: a Câmara tem de voltar a funcionar. O povo brasileiro não pode ficar nesse debate do impeachment sem que as comissões e a própria Comissão do Orçamento voltem a funcionar, senão amanhã ou depois não teremos dinheiro para pagar nada. Será o caos total mesmo! Então, eu que caminho, que travo o combate em uma trincheira diferente da sua, digo isso: assim também não dá. Essa não é a melhor forma de fazer política, deixando a Câmara parada.

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senador Paim, mais uma vez eu o parabenizo pela reflexão de V. Exª, que o faz não somente com sabedoria, mas com muita responsabilidade, com muita sensibilidade. Eu quero mais uma vez reafirmar aqui, Senador Paim, que não perdi a esperança. Mais do que a esperança, eu não perdi a confiança de que nós vamos, enfim, superar essa página dramática que vive a história de luta, de resistência do povo brasileiro - dramática, porque não se pode conceber que, de repente, a Constituição esteja sendo violada da maneira como está sendo. Eu espero, Senador Paim, que aqui, no Senado, nós possamos fazer um debate pautado pela seriedade, pautado pela responsabilidade. Eu espero que aqui não ocorra o circo de horrores que aconteceu na Câmara dos Deputados.

    Os Senadores e Senadoras aqui, para além de suas posições ideológicas, partidárias... Isso é normal, faz parte da democracia. Mas nós não podemos, de maneira nenhuma, para além das nossas diferenças partidárias, fazer um debate histérico, fazer um debate aqui inclusive sem se ater àquilo que de fato está no processo, que é infelizmente - pasmem - quererem apear do poder uma Presidenta da República por tecnicalidades, ou seja, uma pedalada fiscal feita em 2015 e edição de decretos-leis.

    Não é à toa que o manifesto aqui pela democracia, assinado inclusive pelos operadores de Direito no nosso País, coloca aqui com toda a clareza, com toda a convicção, que o pedido de impeachment carece exatamente de embasamento, de fundamentação legal. Por isso, eles fazem um apelo ao Senado da República para que corrija o equívoco histórico, político de maior gravidade que o Congresso Nacional na história contemporânea cometeu, que foi no último domingo votar pela admissibilidade.

    Mais ainda, Senador Paim, eu espero que não tenhamos aqui também no Senado um debate oportunista porque, sinceramente, é muito cinismo. Eu aqui não generalizo, mas é muito cinismo de repente ver hoje Líderes da oposição com posturas arrogantes aqui dentro, Líderes da oposição dizendo: "não, nós vamos ter que agora analisar pelo conjunto da obra... não, porque o Brasil parou, porque o desemprego chegou a 10 milhões, enfim, porque o País vive um caos".

    Por favor, façam um exame de suas consciências! Façam um exame de suas consciências para ter o mínimo de gesto de grandeza e, portanto, fazer uma autocrítica e reconhecer que boa parte dessa oposição contribuiu e muito para agravar a situação pela qual passa o nosso País hoje, na medida em que não se conformou com o resultado eleitoral, fez uma oposição irresponsável, apostou o tempo todo no "quanto pior, melhor" - pior para o povo e melhor para o Brasil.

    Depois, não venham agora aqui extrapolar o que está lá no pedido contra a Presidenta Dilma, que é uma pedalada fiscal e a edição de decretos-leis, tudo isso amparado pela LOA, pela LDO, etc., etc.

    Não venham agora extrapolar esse debate para vir fazer o debate da ética. Se quiserem vir, então, vamos fazer, Paim, vamos fazer, porque esse é um debate de que nós do Partido dos Trabalhadores não temos medo, muito pelo contrário, até porque temos clareza de que se há um Governo e um Partido que não têm medo de serem investigados é o Governo do PT e o próprio Partido dos Trabalhadores, por tudo que se investiu do ponto de vista dos instrumentos para combater exatamente a corrupção e combater a impunidade.

    Agora, eu quero dizer uma coisa, meu querido companheiro, Paim, que me assiste nesse exato momento: eu não vou me calar nunca - nunca, nunca. Eu estou aqui nesta tribuna, representando o povo do meu Estado, o Rio Grande do Norte, e o povo brasileiro.

    Portanto, essa voz aqui não vai se calar nunca diante de farsa, diante de fraude e diante de cinismo. O que é que eu chamo inclusive de cinismo neste exato momento? É, de repente, ver um tribunal em que, como Parlamentares que somos, alçados neste momento à condição de juízes, vemos juízes que têm, infelizmente, uma biografia e uma trajetória manchada pela corrupção quererem tirar do poder uma Presidente honesta.

    Não, não, Paim. Nós não vamos nos calar diante desse debate. Já basta o que aconteceu exatamente na Câmara dos Deputados. Aquilo traumatizou as gerações presentes e vai traumatizar as gerações futuras - repito -, o circo de horrores que a gente viu lá. De 342 que votaram contra a Presidenta, 157 estão respondendo a processos de investigação na polícia, sem contar o Presidente da Câmara, réu - réu! -, respondendo a vários inquéritos. Tanto é que, naquela sessão, os Parlamentares que não concordam com essa inquisição que está sendo feita contra a Presidenta Dilma não conseguiam conter a insatisfação e a revolta deles. Muitos deles se dirigiram ao Presidente da Câmara como chefe de quadrilha.

    Então, pelo amor de Deus! O Brasil não merece isso de maneira nenhuma e eu acredito piamente que o debate vai se aprofundar no Senado e que nós vamos corrigir isso, porque não é esse o legado que o Congresso Nacional deve deixar para as gerações presentes e para as gerações futuras. O legado que o Congresso Nacional deve deixar é, acima de tudo, de respeito à Constituição, de respeito à soberania popular, de respeito à democracia para que a gente possa avançar cada vez mais na luta em prol da cidadania.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2016 - Página 75