Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o conceito de democracia, e solicitação de renúncia ao mandato pela Presidente Dilma Rousseff, a fim de que sejam realizadas novas eleições presidenciais com "mandato imperativo", e defesa da ilegitimidade de um possível governo de Michel Temer.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Reflexões sobre o conceito de democracia, e solicitação de renúncia ao mandato pela Presidente Dilma Rousseff, a fim de que sejam realizadas novas eleições presidenciais com "mandato imperativo", e defesa da ilegitimidade de um possível governo de Michel Temer.
Aparteantes
Otto Alencar, Ronaldo Caiado, Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2016 - Página 20
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, CONCEITO, DEMOCRACIA, SOLICITAÇÃO, RENUNCIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PEDIDO, REALIZAÇÃO, ELEIÇÃO DIRETA, POSSIBILIDADE, SUBORDINAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PLEBISCITO, OBJETIVO, DISCUSSÃO, CONTINUAÇÃO, MANDATO ELETIVO, DEFESA, ILEGITIMIDADE, HIPOTESE, GOVERNO, MICHEL TEMER.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a tolerância comigo, Srª Presidente.

    Sem a pretensão de uma aula sobre o assunto, para efeito preliminar à proposta que vou fazer, gostaria de relembrar, juntamente com as Srªs e os Srs. Senadores, antigas lições sobre a ideia de democracia, essa forma de governo tão deficiente, mas que ainda se revela insubstituível.

    Como somos, na definição de Aristóteles, anthropos politikon, isto é, animais gregários, societários, era natural que buscássemos, desde cedo, regras de convivência. Temos, assim, a ágora grega, em que os cidadãos, diretamente, sem intermediação ou representação delegada, decidiam os destinos da sociedade. E eram, Senador Maranhão, remunerados por disporem de seu tempo e afazeres para participarem da assembleia. Daí a origem, pelas mãos de Péricles, dos proventos dos Parlamentares hoje existentes no mundo inteiro.

    É claro, com o tempo, pela impraticabilidade do exercício democrático direto, instituiu-se a representação delegada pelo voto. O povo escolhe quem legislará em seu nome. Mas, desde que estabelecida a democracia representativa, conviveu com críticas aos limites de seu exercício.

    Por exemplo, Jean Jacques Rousseau, tido como o Pai da Democracia Moderna, na sua obra mais conhecida O Contrato Social, lançado em 1762, desdenha a tão decantada democracia representativa inglesa. Dizia ele: "O povo inglês acredita ser livre, mas se engana redondamente; só é livre durante a eleição dos membros do parlamento. Uma vez que estes são eleitos, o povo volta a ser escravo, não é mais nada."

    Para Rousseau, a soberania popular não pode ser representada, pela mesma razão de que ela não pode ser alienada. Nem representada, nem alienada. Essencialmente, a soberania consiste na vontade geral, e essa vontade geral jamais pode ser representada - dizia Rousseau. Logo - deduzia -, os Deputados não são e nem podem ser representantes do povo, porque eles não são mais que comissários do povo e, assim, não podem concluir nada definitivamente.

    Com essa crítica radical à democracia representativa, afirmando que os Parlamentares não podem concluir nada definitivamente, Rousseau retoma a ideia da democracia direta e revive o conceito de mandato imperativo. Segundo Rousseau, a soberania popular implica uma concentração de poderes nas mãos do povo, a tomada de decisões através da democracia direta e a eleição de simples comissários exercendo o poder em nome do povo.

    No entanto - e aí quem fala é Norberto Bobbio, em seu livro O Futuro da Democracia -, Rousseau também estava convencido de que uma verdadeira democracia jamais existiu, nem existirá, pois requer condições difíceis de serem reunidas. Por exemplo: exigiria um Estado muito pequeno, com poucos habitantes, no qual o povo facilmente reunir-se-ia, e cada cidadão poderia conhecer todos os demais. Exigiria uma grande simplicidade de costumes, que impediria a multiplicação dos problemas e as discussões espinhosas. Por fim, exigiria uma grande igualdade de condições e fortuna entre os cidadãos. Rousseau, como cita Bobbio, concluía: se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente, mas um governo assim, perfeito, não é feito pelo e para os homens.

    Com sua crítica radical à democracia representativa, decretando que os Parlamentares não podem concluir nada definitivamente, Rousseau retoma a ideia de democracia direta e revive o conceito do mandato imperativo. O que é, afinal, o mandato imperativo? Menciono dois juristas brasileiros que trataram do assunto.

    Diz Darcy Azambuja:

O mandato imperativo obriga o eleito a seguir fielmente as instruções [...] que lhe dão os eleitores. Por meio da existência do mandato imperativo, o povo tem o poder de ditar o seu plano de governo, o qual deverá ser observado pelo governante, sob pena de o mesmo ser destituído do cargo.

    Agora, o mestre Paulo Bonavides:

O mandato imperativo [...] sujeita os atos do mandatário à vontade do mandante; que transforma o eleito em simples depositário da confiança do eleitor [...].

    Juridicamente, equivale a um acordo de vontade ou a um contrato entre o eleito e o eleitor e, politicamente, reconhece a supremacia permanente do corpo eleitoral.

    Nas primeiras décadas deste século e na sequência da Segunda Guerra Mundial, o sindicalismo italiano, especialmente sua corrente anarquista, adotou o mecanismo do mandato imperativo para impedir que dirigentes se acomodassem ou traíssem os compromissos com as suas bases. Por votação direta, os trabalhadores ou confirmavam ou destituíam a direção sindical, uma espécie de referendo revogatório.

    Quer dizer, a ideia do mandato imperativo está vinculada à ideia do recall, da revogação do mandato concedido, do cancelamento da representação, da retirada da delegação por quem deu: o povo.

    Desse ponto de vista, a Presidente Dilma poderia ser afastada do cargo por não ter cumprido os compromissos que assumiu com o povo brasileiro em 2014, mas nunca, jamais por crimes de responsabilidade, que todos sabemos, inclusive a oposição, que ela não cometeu.

    Na verdade, a oposição pouco se dá se a Presidente cumpriu ou não cumpriu o programa acordado com os eleitores, mesmo porque a oposição era contra aqueles compromissos e, no fundo de sua alma neoliberal, o que a Dilma faz os satisfaz. Mas, pior ainda, é o pretenso governo que quer tomar a cadeira da Presidente Dilma. Se a Presidente poderia ter a sua delegação revogada, imaginem a tremenda ilegitimidade de um governo que nasce de um golpe, de um golpe parlamentar, cujos protagonistas saem por aí a encomendar programas aos bancos e às federações patronais, ao mercado. Além de um governo sem consenso e sem compromissos nacionais populares e democráticos, apartado, longe da soberania e da vontade popular. Definitivamente, não! Da mesma forma, para um governo assim nascido, nascido assim: não! O que legitimaria então um novo governo? Apenas, Senador Magno Malta, novas eleições; o povo é que deve decidir.

    Novas eleições com instituição do mandato imperativo, isto é, com a submissão do eleito a referendo popular para chancelar ou não o seu mandato. Decorrido determinado tempo da eleição, um ano por exemplo, Senador Caiado, por requerimento, talvez, de dois terços do Congresso, ou por requerimento de 10% dos eleitores, o Presidente da República seria submetido a uma avaliação popular, soberanamente o povo decidiria a continuidade ou não de seu governo.

    Caso o eleito não tivesse cumprido o que fora pactuado com o povo, durante o processo eleitoral, ele teria o seu mandato cancelado, e nós teríamos novas eleições.

    Enfim, com o mandato imperativo, os governantes serão escolhidos para realizar determinado programa, que, não executado, custará o mandato deles. A decisão é sempre do povo. O povo escolhe; o povo destitui. O povo entroniza; o povo derruba.

    Com a possibilidade de revogação do mandato presidencial, não correremos o risco, ou será menor o risco, de se prometerem certas coisas na campanha eleitoral e praticarem coisas completamente diferentes durante o Governo.

    Se o candidato pretende governar, por exemplo, para o mercado financeiro, para os ricos e poderosos, se o candidato pretende lanhar o lombo do trabalhador, tirando-lhe o emprego, revogando direitos trabalhistas e previdenciários, o candidato terá de defender essas ideias e lutar para convencer os eleitores, que lhe darão o tempo para implantar esse programa liberal.

    Não teremos, então, discursos inflamados contra o desemprego, ao mesmo tempo em que se defende a flexibilização da CLT e das leis previdenciárias, a terceirização, a mudança da política do salário mínimo, as restrições e mais.

    Não teremos veementes protestos contra os juros altos, ao mesmo tempo em que se defende com unhas e dentes o mercado financeiro e têm-se os bancos como as vacas sagradas, intocáveis, do sistema.

    Não teremos aquelas arengas incandescentes sobre os investimentos em saúde, educação, saneamento, segurança, infraestrutura, ao tempo em que desvinculam receitas, estabelecem tetos para os gastos públicos, cingem os bancos estatais com camisas de força, para garantir os numerários para pagamento da dívida pública.

    Não mais trapaças! Não mais promessas enganosas e mirabolantes! Utopias, senhores, de forma alguma! Se somos sinceros e queremos, de fato, mudar as coisas, é o caminho.

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Senador!

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Srªs e Srs. Senadores, afunilam-se, cada hora mais, os caminhos para a salvação do mandato da Presidente Dilma. Se minha posição contra o impeachment é uma posição, há muito, consolidada, inamovível, não tenho os olhos fechados, a ponto de desconhecer o que se desenha à frente.

    Diante disso, apelo à Presidente não que desista, e sim que abra uma janela de esperança para o País, convocando novas eleições presidenciais para outubro deste ano. Consumado o golpe parlamentar, empresarial, midiático, poderemos ter, no comando da República, o mais deslavado, cruel e impiedoso Governo neoliberal. Não que o Governo da Presidente Dilma seja um primor, o suprassumo do progressismo, um paladino destemido das causas nacionais e populares!

    Não. Realmente, não é. Mas o que se vislumbra nas frestas da conspiração é o retrocesso, é a marcha a ré rascante, violenta, no pouco que se avançou.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - V. Exª me concede um aparte, Senador?

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Concordo com Dom Mauro Morelli, Bispo Emérito da Diocese de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, quando afirma: “Em um longo processo de negociação e concessões foram distribuídas volumosas migalhas sem medidas estruturais promotoras da cidadania”. É a negação do Governo que se fez até agora.

    Pois bem, com um previsível governo neoliberal, nem mais migalhas teremos.

    Presidente Dilma, ainda é tempo de salvar o Brasil de uma desgraça maior.

    Presidente Dilma, convoque, através de uma emenda constitucional novas eleições, para que o povo, e não um Parlamento desmoralizado pelas denúncias de corrupção e refém de financiadores de campanha, decida.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - O povo decide, a soberania é popular. Nós somos comissários do povo, a representação popular é indelegável. E se vamos discutir um novo modelo de sociedade em contraposição ao Estado social, que essa decisão não seja feita nas antessalas dos bancos, nas federações de indústrias, mas que seja feita em uma discussão ampla, diante do eleitor, da sociedade e do povo brasileiro.

    Dilma, eleições já!

    Com prazer, concedo um aparte ao Senador Caiado, com a condescendência da Mesa.

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - V. Exª discorreu sobre toda a história e mostrou, realmente, como tem sido a evolução das representações nos congressos, nas assembleias, instaladas no decorrer de todos esses anos.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - V. Exª historiou muito bem. É importante que seja dito que nós nunca fomos refratários ao recall. Nunca existiu nenhuma resistência ao recall, até porque concordo plenamente com a necessidade de o candidato ter o compromisso de colocar em prática aquilo que falou. Concordo plenamente com V. Exª, Senador Requião. Só que no sistema proporcional de lista aberta, V. Exª sabe que é totalmente incompatível um recall ser implantado, mas no caso específico da Presidente da República, a que V. Exª faz referência, eu concordo plenamente que existe esse compromisso. E é diante desse compromisso que eu pergunto a V. Exª: se no decorrer desses anos todos, a população foi induzida a um ganho irreal, a um desemprego que extrapola 10 milhões de brasileiros, ...

(Interrupção do som.)

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - ... a uma inflação ascendente, a uma situação de aumento da conta de luz, de diminuição do poder aquisitivo do cidadão, que compromisso a Presidente Dilma realmente tem entre aquilo que ela disse no palanque, na televisão, nos debates e o quadro real de hoje? Então, eu acredito que com um recall seria até mais fácil retirarmos a Presidente Dilma neste momento. Não seria necessário o impeachment. Porém, a Constituição brasileira não prevê o recall, prevê exatamente o impeachment. Se nós formos mudar as regras da Constituição, eu me coloco inteiramente à disposição de V. Exª para debatermos o assunto, em que tenho interesse especial por já debatê-lo há longa data, desde a Câmara dos Deputados. Só para concluir, quero deixar claro que a Constituição brasileira prevê a condição de o Vice-Presidente assumir.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O Sr. Ronaldo Caiado (Bloco Oposição/DEM - GO) - Nós não temos a prerrogativa no Congresso, por emenda constitucional, de aumentar mandato de quem quer que seja nem de diminuir mandato. Mas nós estamos abertos ao debate, é lógico, sem infringir as normas constitucionais. Muito obrigado pelo aparte que V. Exª me concedeu.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Um bom aparte, Senador.

    O caminho é esse. Eu não defendo a fidelidade da Presidente da República aos seus compromissos de campanha. Pelo contrário, eu acho que ela acabou governando com os princípios programáticos dos seus adversários eleitorais, e esse foi um erro brutal. Eu, desde o primeiro dia em que assumi o meu mandato no Senado, tenho feito críticas à política econômica do Governo. E talvez eu seja o único Senador que tem feito críticas persistentes, coerentes, estruturadas.

    Mas o que eu vejo hoje é que companheiros que estavam no ministério, companheiros que eram Líderes do Governo,...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - ... companheiros que apoiaram todos os erros em todos os momentos, repentinamente querem o impeachment, não pelo crime de responsabilidade, que realmente não existe no caso das tais "pedaladas", que são um artifício contábil para resolver um problema orçamentário; mas querem por um conjunto de circunstâncias que tiraram da Presidente a popularidade, a guerra midiática, a oposição dos bancos e o desejo fundamental do poder, porque, na verdade, eles concordavam com isso até agora. Nós temos o Vice-Presidente da República e seis ministros, e de repente eu vejo os Vice-Líderes do Governo se declarando a favor de um impeachment sem pé nem cabeça.

    Então, houve uma infidelidade ao mandato. Eu deixo isso claro e digo, com toda a clareza e sem subterfúgios, mas não acho legítimo que assuma um governo que está elaborando um projeto nas antessalas dos bancos,...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - ... contratando economistas ligados ao capital financeiro e que pode mudar os rumos de um projeto nacional.

    O povo brasileiro tem que se pronunciar a respeito disso. O PMDB deveria estar fazendo reuniões com as suas bases, com seus economistas, e discutindo amplamente um caminho para um Brasil soberano, para um projeto nacional. Mas não, o que eu vejo é uma negociação por cima. Negocia-se com banqueiros, com economistas ligados ao capital financeiro. E a única proposta que eu vi em todas as interpelações e manifestações, inclusive do nosso Presidente do Partido, Romero Jucá, foi combater o Estado Islâmico, o bolivarianismo e mais não sei o quê. Uma incoerência total e absoluta, jogando com prejuízos estabelecidos pela mídia no imaginário popular. Nós não...

(Interrupção do som.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - ... estamos sendo coerentes.

    Então... (Fora do microfone.)

    O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fazendo soar a campainha.) - Um minuto, Senador Requião.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Se o Brasil acha que o Governo não tem dado certo e está achando, pela imposição da mídia, pelo jogo do grande capital, pelos interesses geopolíticos sobre o nosso petróleo, vamos abrir uma discussão, e essa discussão tem que ser feita com a sociedade.

    Que apresente, o meu PMDB, um projeto de governo, mas um projeto discutido com o Partido, com a sua base social, não com os economistas dos bancos, não com os interesses de empresários que querem lucros absurdos e que propõem uma única coisa: a defesa absoluta do capital. Nenhum imposto, Senador Otto, nenhum imposto eles querem. Eles querem corte no salário, na Previdência Social, corte na educação.

    É a predação do trabalho em favor do capital e o fim de um projeto de Estado social. O que está acontecendo aqui acontece no mundo, acabou com a Grécia, com a Espanha, com a Itália. É uma guerra.

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - V. Exª me permite um aparte, Senador?

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - É a guerra de reavivamento do capital, diante do avanço do Estado social que surgiu no mundo depois da derrota do nazismo, principalmente na Europa.

    Com prazer, concedo um aparte ao Senador Otto Alencar.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - V. Exª me concede um aparte, se possível?

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - Senador Roberto Requião, queria parabenizar V. Exª pela lucidez do pronunciamento, como sempre, aliás, bem próprio para este momento. Eu concordo plenamente com V. Exª quando diz que, há 15 dias, o maior partido do Brasil, o PMDB, partido de V. Exª, tinha sete ministérios e participava ativamente do Governo. Mas em razão dos fatos que aconteceram recentemente, que eu entendo que já existiam há muito tempo dentro na estrutura do Governo, comandada pelo PMDB, uma grande articulação...

(Interrupção do som.)

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - ... e até uma conspiração para (Fora do microfone.) se chegar ao ponto em que se chegou hoje.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - Eu fui conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Conheço bem a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que eu queria perguntar - ainda não deu para perguntar, mas vou perguntar - ao nobre Senador Antonio Anastasia, que é o Relator, é onde ele pontua, na Lei de Responsabilidade Fiscal, a graduação da pena para quem não cumpre os arts. 35 e 36 com cassação. Porque não existe nenhuma graduação na Lei de Responsabilidade Fiscal para a cassação. Não existe. Os arts. 35 e 36 dizem que não se pode utilizar recursos de bancos oficiais para programas da Administração centralizada, mas não gradua a pena. E nenhum prefeito ou governador no Brasil teve contas rejeitadas e foi cassado. Aqui perto, em Tocantins, o atual Governador Marcelo Miranda teve duas contas rejeitadas, com "pedalada", com decreto de suplementação orçamentária, sem autorização da Câmara, uma série de irregularidades - e é do PMDB -, e continua governador, assim como tantos outros. Então, o que eu digo é que, consumado o impeachment, creio que vai se abrir jurisprudência para os Tribunais de Contas dos Municípios e dos Estados cassarem também prefeitos e governadores que abriram conta sem a autorização das Assembleias ou das Câmaras de Vereadores. E lembro aqui o ideólogo do Código Penal francês, Montesquieu, que diz que...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - ... qualquer castigo que seja dado de forma absolutamente desnecessária, como é o caso da Presidente Dilma, é tirânico, é cruel, é opressivo. O que me chama a atenção e me preocupa é o dia seguinte, é o day after, o que vai acontecer depois com o governo que vai entrar já numa crise de confronto com a sociedade, com a Câmara e com o Senado. Na Câmara, a sessão foi fantasmagórica. O relatório foi aprovado sem nenhuma consistência, pachola, de brincadeira, com declarações de voto em favor "da minha tia", "do meu primo". Uma Deputada nominou seu esposo, Prefeito de Montes Claros, como homem correto, e, no outro dia, ele estava algemado.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - Houve uma série de ações e declarações que devem ser desconsideradas. O dia 17 de abril deveria ser tirado do calendário da Câmara dos Deputados, porque, quando um Presidente da Câmara dos Deputados é chamado 47 vezes de bandido, de déspota, de corrupto ou de gângster, e apenas ri, nós estamos com a Câmara Federal em uma situação que nunca esteve neste Brasil. E é uma Câmara Federal que teve grandes Presidentes, como existem lá outros Deputados que são corretos, direitos. Mas o fato de um Presidente de uma Câmara Federal ouvir de seus colegas, de seus pares, 47 vezes as palavras corrupto, gângster ou bandido - como Roberto Jefferson disse, "meu bandido preferido" -, e apenas rir me deixa constrangido.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - Realmente, aquela sessão deveria ser anulada, porque foi um ato cênico, comandado, na sua grande maioria...

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Pelo chefe...

    O Sr. Otto Alencar (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) - Pelos Deputados que estavam ali. E, naquele dia, a virtude estava em minoria, meu prezado amigo e Senador que eu tanto admiro, Roberto Requião.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Presidente, eu estou entusiasmado com o resultado desta discussão que eu acabo de abrir no Senado. Eu sempre acreditei no Senado da República como um Poder equilibrado e moderador. O aparte do Senador Caiado e o aparte que recebo agora do Senador Otto me sinalizam que esta discussão está, sem a menor sombra de dúvida, num bom caminho.

    Se a Mesa me permitir, concedo um aparte à Senadora Vanessa Grazziotin.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Senador Requião, em primeiro lugar, não poderia deixar, estando eu aqui, de fazer um aparte a esse...

(Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES. Fazendo soar a campainha.) - V. Exª se apodere do espírito de Suplicy e tenha a capacidade de síntese de Suplicy, para podermos adiantar.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Eu acho que vou me espelhar mais na capacidade de síntese de V. Exª, Senador Magno Malta. Serei mais breve.

    O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco Moderador/PR - ES) - Se fosse na de Suplicy, V. Exª ficaria o dia inteiro com a palavra.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Mas eu não poderia, ouvindo o Senador Requião, deixar de fazer um aparte, Senador. Em primeiro lugar, quero destacar aqui a permanente coerência de V. Exª, não importa que cargo público ocupe, se Governador do seu Estado do Paraná, se Senador da República, V. Exª tem uma ideologia e um pensamento. Portanto, quero, em primeiro lugar, cumprimentar V. Exª. Em segundo lugar, quero dizer que não foi uma, mas muitas vezes discuti com V. Exª quando ocupava a tribuna e fazia críticas a algumas medidas da Presidente, após a sua reeleição. E medidas de que, assim como V. Exª, eu também discordava.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - À época, dizia-se o seguinte: "Mas estão exigindo que façamos isso. Há uma exigência do mercado". E o que aconteceu, Senador Requião? Ninguém, muito menos o mercado, deixou a Presidente governar. Para quê? Para criar os fatos que estamos vivenciando hoje. É a velha tese do quanto pior, melhor. Espero que ainda tenhamos condições de brecar isso que estão querendo fazer. Estão querendo cometer, como disse o Senador Otto, a maior injustiça: condenar alguém sem que esse alguém tivesse cometido um crime sequer. Mas, se levarem adiante, se insistirem, penso como V. Exª: vamos conversar com o povo nas ruas. Não podemos entregar, permitir que assuma a cadeira da Presidência quem nunca colocou o seu nome para apreciação popular. É verdade, o povo está meio insatisfeito com o Governo, mas o povo tem dito que não quer o Vice-Presidente Temer na cadeira da Presidente Dilma. Então, parabéns, Senador Requião. O Brasil precisa muito da atuação contundente de V. Exª. Muito obrigada! 

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E chegaremos, Senadora, à exposição plena das contradições. O mercado financiou a insurreição na mídia, nos jornais, nas televisões, nos panfletos; ofereceu, inclusive, aviões no dia da votação na Câmara - conversas pessoais de líderes de federações empresariais -, mas o mercado, o verdadeiro mercado exige, por exemplo, o Banco Central independente.

    Quero lembrar a este Plenário, para encerrar a minha participação nesta tarde, que o Presidente do PSDB, o famoso Fernando Henrique Cardoso, para poder governar à moda dele, demitiu cinco Presidentes do Banco Central. Será que agora, perto da possibilidade concreta do impichamento ilegal da Presidente Dilma...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - ... eles insistirão no plenário em Banco Central independente para tirar completamente a possibilidade de governabilidade de um próximo governo com o Temer em parceria com o PSDB? Vamos começar a viver contradições pesadíssimas, mas uma coisa é clara: o privilégio absoluto do capital financeiro contra o trabalho. É o mesmo que ocorre na Itália, na Grécia, na Espanha, em Portugal, que tem desgraçado o mundo e que se faz elevar a palavra de um líder importantíssimo neste momento, que é Jorge Mario Bergoglio, o nosso Papa Francisco, na reunião de Davos e em todos os seus pronunciamentos: não é possível que mamon prevaleça diante da ventura e da possibilidade de vida e felicidade dos povos. Mamon, em hebraico, não é nada mais nada menos do que a palavra dinheiro. 

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2016 - Página 20