Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao Governo interino de Michel Temer por adotar uma agenda política de retrocesso social.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas ao Governo interino de Michel Temer por adotar uma agenda política de retrocesso social.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2016 - Página 42
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, INTERINO, MICHEL TEMER, CHEFE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ADOÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, REGRESSÃO, POLITICA SOCIAL, EXTINÇÃO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), MINISTERIO DAS MULHERES IGUALDADE RACIAL E DIREITOS HUMANOS, ALTERAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, REDUÇÃO, BOLSA FAMILIA, PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV), IDADE, APOSENTADORIA, FECHAMENTO, EMBAIXADA DO BRASIL, AFRICA, CARIBE.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Apoio Governo/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srªs Senadoras e Srs. Senadores, eu vou fazer um pronunciamento hoje aqui, uma semana depois do golpe contra a democracia. Talvez aqueles que nos assistem possam levar em conta que seja um discurso muito radical, mas o que custa, o que custou e o que custará para nós a questão da democracia é fundamental para compreendermos o momento que estamos vivendo e a reação daqueles que construíram a democracia hoje no nosso País. Por isso nós dissemos que é um golpe à democracia esse processo de violência contra o mandato da Presidenta da República.

    Ficou clara a intenção do Governo usurpador de implodir o ciclo que se iniciou em 1988, com a promulgação da Constituição, depois de muito esforço e pressão da sociedade civil organizada. Lá se vão conquistas sociais, trabalhistas, ambientais. Também estão sob ameaça vitórias da cidadania na educação, na saúde, na assistência social, sem falar do risco a que voltaram a ser submetidos os quilombolas, as populações indígenas, as mulheres, os movimentos que defendem a diversidade sexual, os militantes da identidade e da diversidade de nosso País através da cultura, dos costumes, do rico folclore do nosso Brasil. Tudo está sob ameaça.

    Vêm aí o desmonte do Estado, a privatização de empresas públicas. Novas ameaças à soberania nacional, desta vez embutidas nos acordos bilaterais que os golpistas já anteciparam. A ortodoxia econômica, que só é boa para os mais ricos, será a marca, com os assalariados e pobres do País sendo chamados novamente para pagar a conta.

    É o mando neoliberal, com rebaixamento dos salários do funcionalismo e o descumprimento da vinculação constitucional dos investimentos na educação, saúde, previdência, assistência social e seguro-desemprego.

    Todo esse arsenal que se volta contra a classe trabalhadora está nos planos "Uma Ponte para o Futuro" e "Travessia Social", com as ideias que o povo não aprovou nas urnas. O retrocesso é a marca de ambos. Mais atrasado e empoeirado só mesmo a cópia malfeita da bandeira nacional e o pensamento de Augusto Comte do século XIX. Embora novo, o Governo já cheira a mofo. E promete repressão para implantar todo o atraso social, cultural e econômico que se pretende enfiar goela abaixo do povo brasileiro.

    A plutocracia, que jamais aceitou o governo popular das forças de esquerda aglutinadas em torno do PT, está de novo no poder por meio do golpe. Os mesmos senhores que reproduziram no Brasil o exemplo mais bem acabado do capitalismo selvagem nunca aceitaram Lula nem Dilma. É o governo com o espírito da casa-grande, formado por patriarcas brancos e seus herdeiros, representantes da fina flor do autoritarismo, do clientelismo e das ideias velhas do nosso País.

    Lutar contra esse Governo ilegítimo que está aí não é somente se opor à sua agenda para o País: é defender os princípios do regime democrático.

    Muitos aqui pedem que a gente não se afobe, porque esse é um período transitório, um Governo interino e que o pesadelo vai acabar. Enquanto está aí, porém, vamos continuar denunciando o golpe e resistindo aos ataques, que já começaram.

    Se serve como alento, vale pensar que esse Governo usurpador pode se desmanchar a qualquer momento. E de podre, como fica evidente a cada dia que passa. A verdade é que nunca se viu um Governo com início tão acidentado, com anúncios e desmentidos diários ao que foi avisado. Ninguém se entende. O que vale hoje não vale nada amanhã. E o traidor-mor, no posto de Presidente interino, com menos de uma semana de atuação, já me parece bastante cansado de desmentir seus assessores mais próximos e desarmar armadilhas montadas por seus ministros.

    Ainda assim, é importante que estejamos atentos e não descuidemos. O caráter conservador dessa turma ficou bastante claro assim que a configuração do ministério de Temer se desenhou. É tão conservador, machista e empoeirado que suas primeiras medidas foram a extinção dos Ministérios das Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos e Juventude. E transformou as pastas para a Cultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Agrário em políticas de segunda classe.

    Fica evidente, assim, que o projeto neoliberal e conservador, que jamais se viabilizaria pelo voto, por conta de seu caráter obscurantista e pragmático, descolado das necessidades da população, colocou a cabeça para fora da toca onde se escondia. Ocupar o poder à força é a maneira pela qual, historicamente, os donos do dinheiro costumam consolidar seu projeto de poder.

    E nós, que não vamos nos conformar com o ataque à democracia e com as medidas anunciadas logo no nascedouro do Governo golpista, temos que nos preparar, porque vêm mais "maldades" por aí. A justificativa para elas é a mesma, repetida como mantra: não há dinheiro em caixa, e Dilma deixou um rombo de R$150 milhões. Eles só não explicam de onde tiraram esses números e muito menos se contabilizaram as "bondades" deles, como o reajuste de salários para o Judiciário, por exemplo, que nós bem que tentamos evitar por causa de seu efeito dominó devastador.

    Por enquanto, sabemos que os ocupantes temporários dos ministérios estão decididos a rever e destruir ações construídas pelos governos petistas. Funcionários foram encarregados de olhar com lupa todas as ações imediatamente anteriores ao afastamento da presidenta eleita democraticamente.

    Quando acharam as portarias relativas ao Programa Minha Casa, Minha Vida, publicadas nos dias 10 e 12 e que viabilizariam a construção de 35 mil novas unidades, partiram para o ataque. Uma delas autorizou a Caixa Econômica Federal a contratar a construção de até 11.250 unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida para famílias que ganham até R$1.800,00. A briga é grande por conta de uma verba pequena. Mas o recado neoliberal é claro.

    Talvez a escolha do inimigo pelos neogovernistas tenha sido seu maior erro: mexeram justamente com uma das parcelas mais combativas da nossa sociedade: os movimentos sociais. Eles já se organizam para manifestações no próximo dia 22. E vai ser só o começo.

    Outra área na mira dos golpistas são as demarcações de terras. O novo ocupante da cadeira da Justiça já avisou que passará um pente fino em todas as portarias deste ano. Lá vem encrenca! E a reforma agrária deve se tornar um sonho bem distante. Em vez de prioridade para o novíssimo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, a reforma passa a ser a última das preocupações do Ministro Osmar Terra, que tem como missão fortalecer o microempreendedorismo rural. Os agricultores familiares, camponeses e indígenas, que garantem mais de 70% dos alimentos que os brasileiros consomem, passam a ser tratados como pobres e não mais como atores relevantes do desenvolvimento social e ambiental mais importante do País.

    Aliás, o pessoal do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário já alertou que a turma do Temer chegou com olhos postos sobre a portaria que criou o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, publicada no dia 9. A ideia é mexer com as terras quilombolas. Mas não vão conseguir, porque, para desmontar os programas sociais, esse Governo golpista vai enfrentar as ruas. Tornar invisíveis os programas que existiam dentro do MDS e cortar 10% dos beneficiários não fará com que o Bolsa Família, por exemplo, desapareça. Aliás, 10% é muito, porque Ricardo Paes de Barros, na elaboração do nefasto "Travessia Social", propõe que o programa tenha foco nos 5% mais pobres. Ou, se considerarmos que o total de famílias beneficiárias está em torno de 13,8 milhões, restarão apenas 700 mil famílias assistidas; outras 13 milhões ficarão de fora.

    Mas, mesmo que eles queiram, um programa que é reconhecido mundialmente e que tirou o Brasil do mapa da fome não acaba só porque a tirania dos mais ricos quer. Até porque, o fato é que, como acontece com ratos quando atacam alimento ou salteadores quando dividem o butim, os representantes do capital que tomaram o poder, há nem uma semana, começam a se atacar uns aos outros. E a levar pancada.

    Não é para menos: um anuncia que vai propor a redução da idade para a aposentadoria. Outro quer ampliar as regras para terceirização e fazer uma reforma profunda na legislação trabalhista. Relegam a Previdência Social a um "puxadinho" do Ministério da Fazenda. Outro ainda quer fechar embaixadas do Brasil na África e no Caribe. Outro diz que o SUS não pode ser para todo mundo e que quanto mais as pessoas tiverem planos de saúde, melhor. O companheiro Humberto Costa, que foi Ministro da Saúde e sabe muito mais do que eu sobre o assunto, falou ontem aqui sobre o que pode significar mexer com o SUS. E não dá para esquecer a proposta de cobrar mensalidade em universidades públicas e promover toda sorte de cortes em bolsas de estudo e qualificação.

    Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a verdade é que quem bateu panelas contra a corrupção e achava que ia se livrar dela tem muito o que temer - ou Temer, sem trocadilho aqui. Não há imaculados no novo Governo. Os aliados de primeira hora já começam a se arrepender. É um governo terminando antes de começar.

    E o desmonte que eles pretendem fazer sobre as conquistas obtidas por anos de muita luta está aí para quem quiser ver. Quando o Ministro da Fazenda, em seu primeiro pronunciamento, diz que direitos adquiridos não prevalecem sobre a Constituição, o que devemos entender?

    Que podemos torcer a Carta Magna até que ela permita, por exemplo, que a reforma previdenciária pretendida incida sem dó nem piedade sobre os direitos dos aposentados ou de quem está na ativa há anos e anos? Porque disse o Ministro, agora responsável pelo "puxadinho" da Previdência: "O importante é preservar o maior direito, que é receber a aposentadoria".

    É quase como dizer: "Quer receber alguma coisa? Pois, então, aceite o que estamos dando sem reclamar". E por quê? Porque a Previdência, segundo eles, é um gasto que consome 8% do PIB. E os liberais querem avançar sobre essa gorda fatia do bolo. Para quem não se lembra, na ditadura militar, a política social financiava a política econômica, na medida em que recursos para financiar as políticas sociais eram capturados para a gestão macroeconômica.

    Para evitar essa prática, os Constituintes de 1988 criaram novas fontes de financiamento (CSLL, Cofins e outras), que foram constitucionalmente vinculadas à Seguridade Social (Previdência, saúde, assistência social e seguro-desemprego).

    A ideia agora é aumentar a idade mínima para as aposentadorias, igualar esse limite de ideias para homens e mulheres e acabar com o piso atrelado ao salário-mínimo, além de outras maldades.

    E vamos aceitar esse desmonte? Ora, sabemos que uma reforma é necessária, mas somos obrigados a aceitar regra que nos impõem como nos impuseram este Governo? Não, não temos e nem iremos. Apesar das ameaças do Ministro da Justiça, que disse que vai tratar os movimentos sociais como guerrilhas. Como assim? E o salário mínimo? Aí estão eles, a defender a revisão da regra de valorização.

    E todas essas tungadas na pauta social têm alguma explicação? Segundo eles, esses direitos são a causa da crise porque impactam irremediavelmente os gastos públicos e comprometem as metas fiscais, já que crescem de maneira vertiginosa desde 1993, por conta dos direitos assegurados pela nova Constituição. É a velha cartilha dos neodemocratas.

    Vai daí que eles pretendem "reformar" tudo. Quem leu Monteiro Lobato quando menino lembra o que acontece quando se tenta reformar o que não deve ser alterado. A boneca Emília bem que tentou. Fez abóboras nascerem em jabuticabeiras e jabuticabas nascerem no pé de abóbora. Foi um desastre. Pois não é que a pobre boneca teve que se render à lógica de que mexer no que está consolidado e correto não dá certo? Então, literatura infantil também serve como alerta, Srªs e Srs. Senadores. Essa história de mexer em tudo, de acabar com a vinculação orçamentária para saúde, educação, Previdência, assistência social e seguro-desemprego não tem como funcionar.

    Indo no contrafluxo de conquistas sociais e trabalhistas, o Governo mostra suas garras. Tiraram do poder uma Presidenta honesta para colocar à frente do Executivo um Governo sem voto, sem base legal e, pelo que se está vendo, com credibilidade em queda e popularidade zero.

    É tão contraditório que, depois de baterem e rebaterem na tecla de que é preciso reduzir a carga tributária e prestar homenagem ao Grande Pato da Fiesp, aparecem agora com a história de que novos tributos são necessários. E acenam até com a volta da CPMF! Ou seja, enganaram toda aquela gente de boa-fé que foi para as avenidas defender o golpe porque não queria pagar o pato. Olha, o pato cresceu, foi inflado com tanta homenagem e ameaça comer todas as conquistas. Em vez de Ponte para o Futuro, teremos um grande tobogã para o passado, com propostas do século dezenove.

    Mas erram as elites financeiras, os políticos conservadores e a mídia tradicional quando acreditam que os brasileiros de hoje são os mesmos de 200 anos e que a sociedade aceitará recuos. As ruas seguirão cheias de militantes que não estão dispostos a abrir mãos de direitos para manter o status quo de uma elite carcomida e mofada.

    A fragilidade deste Governo se mostra maior a cada dia. As idas e vindas sobressaltam o País por seu caráter arcaico, suas posturas preconceituosas, suas prioridades equivocadas. Tudo, desde o momento em que o vingativo Eduardo Cunha aceitou a denúncia contra a Presidenta Dilma, é um grande erro, que ficará comprovado e claro quando Temer e sua turma voltarem aos bastidores.

    Muito obrigado, Srª Presidenta.

    Quero saudar, por fim, a nossa brava a combativa Senadora Vanessa, que vem do Velho Mundo para nos trazer boas notícias sobre a recepção da nossa bancada por lá.

    (Soa a campainha.)

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Apoio Governo/PT - PA) - Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2016 - Página 42