Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Crítica ao sistema de governo adotado atualmente pelo país, e defesa da necessidade de realização de uma reforma política.

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das"pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Crítica ao sistema de governo adotado atualmente pelo país, e defesa da necessidade de realização de uma reforma política.
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das"pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 100
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, DEFESA, ADOÇÃO, PARLAMENTARISMO.
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ILEGALIDADE, PUBLICAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, ATRASO, PAGAMENTO, BANCOS, MOTIVO, REPASSE, BENEFICIO, PROGRAMA DE GOVERNO.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pela segunda vez, desde a promulgação da Constituição de 1988, o Senado tem a missão de conduzir um processo de impeachment de um Presidente da República.

    Como ponto de partida, precisamos compreender que a crise em que nos encontramos hoje decorre fundamentalmente da desorganização de nosso sistema político. Com certeza, não estaríamos mergulhados nessa situação se, após a Constituição de 1988, tivéssemos priorizado uma reforma política com regras que barrassem a corrupção eleitoral e evitassem negociações espúrias em favor de empresas dos donos do poder ou das elites governantes.

    Estamos vendo aqui e em todo o Brasil divisionismos e ânimos exaltados por esse processo de impeachment. Tudo isso porque o presidencialismo é um sistema rígido, que estimula a radicalização, a radicalização das posições políticas entre governo e oposição. O parlamentarismo ou ainda o semipresidencialismo, como proponho que adotemos para manter as eleições diretas para Presidente, é um sistema flexível e, sem dúvidas, já teríamos superado essa crise política com a substituição do Governo sem maiores traumas.

    Não foram poucas as vezes, Sr. Presidente, em que alertei desta tribuna que o nosso presidencialismo de coalizão estava falido, que precisávamos urgentemente de um sucedâneo para dar estabilidade ao Governo e assegurar a paz social.

    Cheguei até a apresentar, ainda em 2003, a PEC para introduzir o recall ou o voto destituinte, que é mais um instrumento de democracia participativa em que o mandato eletivo pode ser revogado diretamente pelo voto popular.

    Se essa proposta já tivesse sido aprovada, Sr. Presidente, o próprio eleitorado estaria votando hoje o afastamento ou não da Presidente da República.

    O Partido Socialista Brasileiro neste processo de impeachment atua de forma coerente com a sua história e com os valores que abraça. Assim temos agido desde que ajudamos a eleger o Presidente Lula. Reconhecemos que o governo do Presidente Lula foi responsável por avanços importantes para o País, sobretudo no campo social: deu prioridade máxima a políticas e ações que retiraram o Brasil do mapa da fome das Nações Unidas; fez valer o direito humano à alimentação adequada, direito esse que foi incluído entre os direitos sociais da Constituição, por meio da PEC da alimentação, de que fui autor, promulgada pelo Congresso Nacional.

    Sr. Presidente, essas ações transformaram o Brasil, com apoio do PSB, e deram dignidade à classe trabalhadora. Fomentaram a convicção não só entre os mais pobres, mas em todos os brasileiros, de que finalmente o País havia encontrado o ramo do desenvolvimento econômico e social, o caminho que nos levaria à construção de uma sociedade mais justa. Vivíamos naqueles anos um momento de euforia. Nosso povo seguramente estava mais feliz, estávamos mostrando que o Brasil podia de fato trabalhar para os que mais precisavam e promover o desenvolvimento inteiro da Nação.

    Da mesma forma que ajudou a implantar e conduzir essas políticas, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) começou a alertar o Governo para os equívocos na condução da política econômica, já no início da administração da Presidenta Dilma. Ela se manteve fechada, no entanto, ao diálogo com os aliados e insistiu em medidas que levaram o País ao descalabro fiscal. De tanto pregarmos no deserto, o PSB decidiu deixar a Base de Apoio ao Governo em 2013. E fizemos isso de forma transparente.

    Nosso então Presidente do Partido, o Governador Eduardo Campos, advertiu Dilma sobre a crise que a sua forma de governar estava gerando. Lamentavelmente, nenhuma mudança de rumo, Sr. Presidente, foi realizada. Eduardo Campos nunca se cansou de dizer que é preciso coragem para mudar e "Não vamos desistir do Brasil".

    Na entrevista ao Jornal Nacional, no dia 12 de agosto de 2014, às vésperas do acidente que lhe tirou a vida, Eduardo Campos descreveu as razões da saída do PSB do Governo da Presidenta Dilma.

    Disse ele - abro aspas:

Já em 2012 [...] vínhamos num processo de afastamento claro do Governo. Por quê? Porque esse governo é o único governo que vai entregar o Brasil pior do que recebeu. Nós vamos estar pior na economia, pior na questão da violência [estaremos] pior na logística, [pior] na relação externa com o resto do mundo.

Um governo que deixou a inflação voltar, um governo que está fazendo derreter os empregos.

    Foi o que disse em 2012 o saudoso Eduardo Campos, um dia antes de morrer.

    Eduardo Campos ressaltava a necessidade de unir o País em torno de um projeto de desenvolvimento, e ele liderou, de forma corajosa, a construção de uma alternativa de governo.

    Desde então, o PSB mantém uma posição de independência no Congresso Nacional. No entanto, votamos a favor de vários projetos para dar governabilidade.

    Recupero, Sr. Presidente, esses fatos para demonstrar de forma cabal que o PSB sempre agiu e continuará agindo com coerência e responsabilidade.

    Eu gostaria de trazer ao Plenário um trecho da célebre obra intitulada O Impeachment, do ex-Senador e ex-Ministro do Supremo, o Jurista Paulo Brossard. Disse ele:

Entre nós, como no direito norte-americano e argentino, o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e é julgado segundo critérios políticos, julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios jurídicos. Isto ocorre mesmo quando o fato que o motive possua iniludível colorido penal e possa, a seu tempo, sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, estas porém, aplicáveis exclusivamente pelo Poder Judiciário.

    Disse, finalmente, Paulo Brossard. As palavras dele nos dão segurança quanto à constitucionalidade e, sobretudo, quanto à legitimidade deste processo de impeachment.

    O impeachment é um mecanismo de defesa da Constituição, de proteção dos valores nela cristalizados, contra o exercício abusivo do poder titulado do Poder Executivo. Ele existe para apurar uma infração político-administrativa do Presidente da República, que é o crime de responsabilidade, de índole constitucional.

    O impeachment não serve para aplicar ao governante uma pena de multa, de reclusão ou de devolução de dinheiro público. Isso seria da competência do Supremo. Mas não há indício de que a Presidente tenha praticado crime comum.

    No impeachment, o Senado faz o juízo político. O processo pode resultar na aplicação de sanções políticas: perda do cargo e inabilitação para o exercício de função política depois do julgamento final.

    A denúncia que deu origem a todo este processo chega ao Senado com a delimitação das acusações: abertura de créditos suplementares por decreto presidencial sem autorização do Congresso Nacional e contratação ilegal de operações de crédito. Portanto, é sobre esses fatos que iremos nos debruçar durante o processo de investigação, caso o Senado aprove a sua admissibilidade.

    Ainda não estamos julgando. Neste momento, atuamos à semelhança do juiz que analisa uma denúncia oferecida pelo Ministério Público em um processo penal comum. O Senado Federal decidirá se estão presentes os requisitos para a abertura do processo de impeachment.

    Quero afirmar que em nosso entendimento a denúncia descreve adequadamente fatos que podem configurar crimes de responsabilidade, com todas as suas circunstâncias. Foram apresentados indícios suficientes da materialidade e autoria. Os documentos mostram que há o lastro probatório mínimo indispensável para a abertura do processo de impeachment a respeito de ilegalidades na abertura de créditos suplementares e na contratação de operações de crédito.

    Estão preenchidos, portanto, os requisitos para a instauração do processo de impeachment, conforme evidenciou no seu relatório o Senador Antônio Anastasia.

    Vivemos em um País democrático, com instituições sólidas e um Judiciário independente. Se a Presidente da República - e eu a trato com todo o respeito -, se a Presidente da República Dilma Rousseff considera este processo sem base legal e constitucional, e que ela está sendo injustiçada e perseguida, como tem afirmado e repetido por aí, por que, então, não provoca o Supremo Tribunal Federal para dizer que não há justa causa para o impeachment? Por que não provoca a Suprema Corte? Até agora, a Advocacia-Geral da União procurou barrar o processo alegando apenas questões formais ou procedimentais. E o Supremo, repetidas vezes, considerou que tudo está transcorrendo normalmente.

    Aliás, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, já declarou, publicamente, que, se provocado, o Tribunal não fecharia as portas para uma eventual análise da justa causa, ou seja, do mérito do impeachment.

    Quero revelar a minha estranheza e a minha suspeita com o fato de que, até agora, o único recurso que o Governo não levou ao conhecimento do Supremo é aquele que poderia anular o processo de impeachment na sua raiz, com o reconhecimento, pela Corte, de que os atos da Presidente da República foram praticados, claramente, de acordo com a lei, em obediência à lei e à Constituição. E eu pergunto: será que o Governo tem medo de que o Supremo lhe dê uma decisão contrária e acabe com o discurso do golpe?

    A decisão do Senado, hoje, não significa um afastamento definitivo da Presidente da República. Não é uma sentença final condenatória, como se diz nos julgamentos que ocorrem na Justiça. Claro que entendemos ser de extrema gravidade tirar do poder um presidente, mesmo que temporariamente. Mas a Constituição Federal, ao dar essa prerrogativa ao Senado, assim o fez para que durante esse período, de até 6 meses, seja feita uma investigação dos fatos citados na denúncia e a Presidente, fora do poder temporariamente e sem a influência do cargo, tenha o direito de demonstrar a conformidade de seus atos com o nosso ordenamento jurídico.

    (Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Ao final desse processo, o Senado terá condições de formular um juízo definitivo, e dizer ao povo brasileiro se esta Casa considera que a Presidente da República praticou ato atentatório à Constituição Federal e cometeu alguma ilegalidade ou crime de responsabilidade.

    O PSB, Sr. Presidente, vai trabalhar até o final deste processo para que ele seja conduzido na observância rigorosa dos princípios constitucionais, como o da ampla defesa e o do contraditório.

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 100