Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, a fim de melhorar a atual situação política e social do país; e crítica à gestão do PT no Governo Federal.

Autor
Tasso Jereissati (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Tasso Ribeiro Jereissati
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, a fim de melhorar a atual situação política e social do país; e crítica à gestão do PT no Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 122
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, MELHORIA, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, CRITICA, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL.

    O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente me permita, Senador Renan, antes de iniciar propriamente o meu discurso, fazer dois registros: um, louvar a dignidade do discurso do Senador Armando Monteiro, que demonstrou muita firmeza de caráter. E, aliás, também aproveitar para elogiar o conteúdo do seu discurso, profundamente liberal na economia. E lamentar o discurso feito por alguns que me antecederam, cheio de ofensas, raiva, rancor e ofendendo, inclusive, Senadores ausentes. Lamento profundamente que essa discussão passe para as ofensas e saia dos argumentos.

    Pela segunda vez na vida participo de um processo de impeachment. Hoje, como em 92, vislumbro que, independentemente da inquestionável responsabilidade dos Presidentes, há nos dois episódios um elemento comum: o fracasso do modelo político, um modelo que se exauriu e está na raiz das diversas crises que nos atingem.

    Não deixa de ser constrangedor estarmos aqui, pela segunda vez em menos de um quarto de século, reunidos para julgar um Presidente da República. Diga-se de passagem que, se por um lado vivemos uma época de instabilidade, também é reconfortante perceber que as instituições têm dado prova de sua solidez.

    Como disse, a atual crise, assim como aquela que levou ao impeachment do Presidente Collor, é resultado, entre outras razões, das imperfeições graves do nosso sistema político. Findo esse processo, seja qual for o seu resultado, o Congresso Nacional tem o dever de se debruçar sobre formas de corrigir o modelo.

    Precisamos encontrar mecanismos que confiram maior representatividade aos nossos representantes. Apenas para exemplificar, um dos problemas é a multiplicidade de partidos. A pretexto de estimular a pluralidade de pensamento - o que é saudável na democracia -, as distorções acabam por deslegitimar boa parte dos eleitos, que, graças a um anacrônico sistema de eleição proporcional, pegam carona nos mais votados, desqualificando a representação parlamentar.

    Sejamos sinceros. Os pequenos partidos, as chamadas legendas de aluguel - não me refiro aqui, Sr. Presidente, a partidos comprovadamente ideológicos, que apesar de pequenos contemplam importante vertente da nossa política -, esses chamados partidos pequenos já representam uma parcela considerável da Câmara dos Deputados, uma bancada que acaba sendo relevante na construção da chamada governabilidade.

    Assim, qualquer Presidente da República se vê obrigado a formar um governo de coalizão, com o único objetivo de obter sustentação no Congresso, premido por acordos firmados em torno dos interesses dos grupos de poder assim formados. Essa sistemática tem gerado, ao longo dos tempos, enormes e irremediáveis prejuízos ao nosso País.

    Para atender a esses interesses, os governos têm que recorrer, por exemplo, à famigerada prática do "ministério de porta fechada". Isso gera, inevitavelmente, a fragmentação e descontinuidade das políticas públicas, na medida em que não existe integração entre os diversos órgãos do Governo. Além disso, a cada crise, trocam-se os seus titulares por critérios exclusivamente políticos.

    Não resta dúvida de que o apoio parlamentar é essencial a qualquer governo. Mas é basilar, é regra fundamental em qualquer manual de boa política que as alianças têm que ser construídas em bases programáticas, tendo em vista os interesses maiores da população, e não para consolidar o poder de grupelhos que se apoderam de nacos do aparelho estatal.

    A constatação da realidade não exime de culpar, de forma alguma, a Presidente da República. Ela conhece muito bem os meandros do sistema, assim como conhece seus personagens. Ninguém mais que a Presidente da República dispõe dos elementos para transformar o modelo. Dilma não apenas cedeu ao sistema, pior que isso, tirou benefício dele, permitiu a continuidade dessa prática em troca de se manter no poder.

    Dito isso, volto-me a este momento histórico. E o nosso dever, por mais doloroso que seja, é de julgar uma Presidente da República que não cumpriu com os seus deveres. Se é verdade que foi legitimamente eleita, é também inegável que ela própria forneceu todos os motivos para ser legalmente impedida. Pavimentou, passo a passo, o seu caminho até aqui. Parafraseando o imortal Cartola, "cavou sobre os seus pés" não apenas um abismo entre ela e a sua frágil base parlamentar, mas entre ela e a maioria do povo brasileiro.

    Por limitação do tempo, não vou me ater aqui aos aspectos jurídicos dos atos praticados pela Presidente. Neste momento, que é de admissibilidade da denúncia e o prosseguimento do impeachment no Senado Federal, me bastam os argumentos trazidos pelo brilhante relatório do Senador Anastasia.

    Tratando-se, portanto, de um processo político, o que estaremos aqui julgando? Qual teria sido, por assim dizer, o pecado político da Senhora Presidente?

    Afirmo que, movida pela tentação de manter-se no poder a qualquer custo, cometeu o maior pecado que possa ser atribuído a um governante: mentiu para seu povo.

    A partir deste pecado original, muitos outros foram cometidos. As chamadas pedaladas fiscais são apenas as ferramentas utilizadas para enganar a população brasileira, mascarando a realidade da economia, fraudando os dados das contas públicas, agindo com a consciente, dolosa e única intenção de ganhar as eleições de 2014.

    Eis aí o dolo, o inegável e premeditado propósito de esconder não apenas da população, mas dos agentes econômicos, do mercado em geral e dos órgãos de controle a real situação da economia. Isso acabou minando irremediavelmente o que um governo tem de mais precioso: a credibilidade.

    Ensinam os juristas que o que é notório prescinde de provas, pois as consequências deste rosário de pecados são notórias. Há mais de dois anos, o Brasil está mergulhado em profunda crise político-econômica, que se retroalimentam mutuamente, paralisando o País. Sem investimento, não há emprego. Sem emprego, não há renda, gerando queda na arrecadação de tributos, refletindo diretamente na capacidade do Governo de responder às necessidades mais elementares da população.

    A Presidente peca ainda pela arrogância e falta de humildade. Em vez de reconhecer os próprios erros, prefere esconder-se no papel de vítima, atribuindo às elites, à mão invisível do mercado, à imprensa a construção de um golpe. Insiste agora, como já fazia nas eleições, na perigosa estratégia de dividir o País entre ricos contra pobres, o "nós" contra "eles", repetido à exaustão, e aqui novamente repetido por seus defensores.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não bastasse isso tudo para justificar o seguimento do processo de impeachment, avançando para a fase de julgamento propriamente dito, há um fato incontestável da realidade política: infelizmente, a Senhora Presidente da República não mais reúne o mínimo de condições necessárias para governar o País. Não dispõe de credibilidade interna ou externa, não conta com sustentabilidade política, não consegue hoje nem ao menos atrair lideranças políticas ou quadros técnicos para compor um ministério minimamente capacitado.

    A realidade é que este Governo chegou ao fim, antes mesmo do julgamento final do processo pelo Senado Federal.

    É bom que se reconheça que não recai na figura da Presidente Dilma toda a responsabilidade por este quadro trágico. É bem verdade que, aqui e agora, é a Presidente que está sendo julgada. Mas não podemos nos esquecer de que ela faz parte de um projeto de poder muito mais amplo, um projeto que aparelhou o Estado, promoveu o maior escândalo de corrupção da história e afundou o País em uma crise moral, econômica, fiscal e social sem precedentes.

    Finalizando, Sr. Presidente, virada a página da história, o nosso maior desafio, a partir de amanhã, será a construção de um novo modelo político. O que está aí se exauriu completamente e está na raiz das sucessivas crises, como a que estamos vivendo hoje.

    Por isso, conclamo todos os partidos, independente de posição ideológica, mesmo aqueles partidos diametralmente opostos, a unirem esforços nessa obra, que começa a partir de uma reforma política, uma reforma ampla, que não se limite a remendos na legislação eleitoral, acomodando os interesses dos políticos.

    Além disso, é urgente uma transformação radical do Estado brasileiro, tornando-o finalmente capaz de promover o bem-estar comum, em que prevaleça sempre o interesse público, e não deste ou daquele grupo de poder.

    Não se trata de ingenuidade. Continuo acreditando firmemente que é possível fazer política com ética, transparência, decência e dignidade. Os fins não justificam os meios.

    Portanto, mãos à obra. Sem as reformas, novas crises virão. Se não as fizermos, estaremos confessando a nossa incompetência. Se não as fizermos, estaremos diante do risco de que o povo brasileiro, cansado de tantos fracassos, passe a descrer da democracia.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 122