Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição da admissibilidade do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão da inexistência de crime de responsabilidade; elogio à gestão do PT no Governo Federal, e acusação de tentativa de golpe de Estado.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da rejeição da admissibilidade do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão da inexistência de crime de responsabilidade; elogio à gestão do PT no Governo Federal, e acusação de tentativa de golpe de Estado.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 126
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, AUSENCIA, CRIME DE RESPONSABILIDADE, ELOGIO, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL, ACUSAÇÃO, TENTATIVA, GOLPE DE ESTADO, OPOSIÇÃO, OBJETIVO, OBTENÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, ELEIÇÃO DIRETA.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Para discutir. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quem nos assiste pela TV Senado, nos ouve pela Rádio Senado, trinta anos nos separam do fim da ditadura militar, do início da nossa jovem democracia, jovem sim, mas uma democracia que nos proporcionou conquistas importantes, a começar pela Constituição Cidadã, que estabeleceu direitos e definiu deveres, a começar pela conquista do voto direto, com a campanha das Diretas Já, a eleição do primeiro operário, do primeiro trabalhador como Presidente da República, a eleição da primeira mulher para presidir o País.

    No reinício da democracia, Sr. Presidente, nós começamos a conviver com os diferentes e com as diferenças. Começamos ou recomeçamos a exercitar a tolerância, mas talvez ainda não na profundidade em que deveríamos fazer, porque devo confessar que, hoje, me assusta a forma como as pessoas estão se manifestando nas redes sociais, nas ruas, externando suas posições relativas à violência, ao enfrentamento das diferenças.

    Nós não temos a conquista suficiente do exercício da tolerância para deixar no passado o autoritarismo, a ignorância fascista, e, infelizmente, cresce entre nós aqueles que acham que a violência e a força devem prevalecer. Líderes de direita incitam manifestações contra minorias, contra negros, contra homossexuais, contra mulheres, contra os pobres. Mas também nós aprendemos, na nossa jovem democracia, a ouvir reivindicações, garantir, conquistar direitos, a ser mais exigentes, inclusive com a própria democracia.

    Nós aprendemos a cobrar mais, a fiscalizar, a exigir explicação, a exigir responsabilização de agentes públicos e políticos. Foi esse processo que nos trouxe até aqui. E é importante falar da democracia, porque ela não é um valor abstrato, ela é a condição, a base para os direitos conquistados. Sem ela, as reivindicações e as conquistas não seriam possíveis.

    Agora nós podemos estar à beira de um abismo. A radicalização da conduta pode significar a desestabilização da democracia. Se utilizarmos de maneira errada os instrumentos constitucionais que temos, com certeza, vamos levar a uma desestabilização.

    Tirar uma Presidenta eleita pelo voto popular através do impeachment sem crime de responsabilidade pode parecer democrático, mas não é, pode parecer atender à maioria, mas não trará a solução que ela tanto anseia. Impeachment é um instituto excepcional previsto na Constituição. É como o Estado de defesa, o Estado de sítio. Ele suspende direitos, ele interfere na decisão popular e tem que ser usado apenas em situações excepcionalíssimas.

    O uso não é para fazer disputa política, não é para questionar programas de Governo, não é para discutir o chamado conjunto da obra. Essa discussão e esse debate se fazem num processo eleitoral. Aliás, o Brasil tem eleições a cada dois anos, eleições consensuadas democraticamente. Não temos por que, para resolver problemas políticos neste País, lançar mão de um instituto tão excepcional como é o impeachment.

    O impeachment exige crime de responsabilidade, ato ilícito praticado pela Presidenta da República. O impeachment exige que tipifiquemos o crime. Não há nenhum ato de corrupção praticado pela Presidenta. Se houvesse, não seria esta Casa que julgaria, porque, como crime comum, seria julgado no Supremo Tribunal Federal. Aliás, são o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal que estão processando, julgando e investigando todas denúncias de corrupção deste País, permitidos, inclusive, pela Presidenta Dilma, que foi uma das mulheres que mais ousou no combate e no enfrentamento à corrupção, dando total liberdade e autonomia para a Polícia Federal, para o Ministério Público e para o Poder Judiciário.

    Para caracterizar o crime e tentar afastar a Presidenta Dilma, foram buscar no Orçamento público aquilo que estão dizendo que significa a infração e o crime de responsabilidade. Querem afastar a Presidenta Dilma por seis, ou melhor, quatro decretos de créditos suplementares ao Orçamento de 2015. Nunca decreto de crédito suplementar significou irregularidade nem para o Governo Federal nem para os governos estaduais. Eles nunca foram irregulares à visão do TCU; apenas em outubro de 2015 que foram considerados irregulares na análise de contas da Senhora Presidenta da República, mas temos que lembrar que os decretos que são objetos desse processo de impeachment foram editados em julho e agosto do mesmo ano. Portanto, estão usando, para caracterizar crime, algo que era prática regular na gestão orçamentária. O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso editou 101 decretos de créditos suplementares; o Presidente Lula editou 32; vários governadores fazem esses decretos. Aliás, o Senador Anastasia, que é Relator deste processo de impeachment, quando Governador de Minas Gerais, durante a sua gestão, editou mais de 5 mil decretos de crédito suplementar.

    Querem afastar uma Presidenta da República por atrasar seis meses no pagamento de subvenção de juros ao Plano Safra, no Banco do Brasil. Essa ajuda que o Governo dá aos agricultores é regulamentada por uma lei de 1992. Não há uma assinatura sequer da Presidenta nesse processo, um ato, um despacho, mas estão usando isso para justificar o crime. É desproporcional. É como se quiséssemos penalizar com pena de morte uma infração de trânsito, mas, se não achassem isso, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, população que nos ouve, não conseguiriam abrir o impeachment.

    Os pressupostos jurídicos que estão usando hoje para julgar a Presidenta Dilma não valerão para mais ninguém. Essa régua com que medem a Presidenta, com que medem os governos do PT não medirá mais nenhum outro governante, não medirá e não está medindo nenhum outro partido. Esse instrumento foi concebido agora para cancelar o resultado das eleições de 2014, o que, aliás, se tenta desde 2015. Por isso, dizemos que é uma farsa política, que é uma fraude jurídica.

    E é um processo que se iniciou com ilegalidades, com vícios. Houve desvio de poder, sim, do Presidente da Câmara, do Sr. Eduardo Cunha. Todos aqui lembram das pautas bombas e das declarações que o ex-Presidente da Câmara fazia em relação à Presidenta Dilma, de que era oposição. Todos lembram das manobras que havia para que não se votassem as medidas provisórias, para que as medidas para melhorar a economia não tramitassem na Câmara. Como não dizer, então, que não houve desvio de poder?

    E muito me admira que, para sustentar essa ação, houvesse o apoio do PSDB, prestando-se a esse papel, porque foi o PSDB que apresentou a denúncia na Câmara dos Deputados. Sim, foi o seu filiado, o dito jurista Dr. Miguel Reale Júnior, que apresentou a denúncia, apoiado pela Srª Janaína Paschoal, que recebeu do PSDB recursos para fazer esse parecer. E aqui, no Senado, completou-se o circuito. Entrou o Senador Anastasia, do PSDB, militante pela causa do impeachment, fazendo o parecer, pedindo que este Senado admita o processo de impeachment da Presidente Dilma.

    Para dar mais força ao que estão falando e para dar mais força a esse processo, agregaram a ele a crítica do "conjunto da obra" e disseram que foram essas intervenções orçamentárias que causaram a crise econômica por que estamos passando. Ora, essa é uma grande deslealdade política! A crise econômica que estamos vivendo tem essencialmente a sua raiz na crise econômica mundial. Ou será que os senhores não viram por que passaram a Grécia, a Espanha, a Itália, a França, o próprio Estados Unidos, a China, parceiros comerciais do Brasil? Os países da Europa chegaram a ter índices três vezes maiores do que os do Brasil em termos de desemprego. A nossa inflação e os nossos juros vieram em decorrência exatamente dessa política internacional perversa com a economia.

    Nós conseguimos aqui proteger a nossa população, proteger a nossa população mais pobre. Nós tivemos aqui para enfrentar essa crise o Bolsa Família, o salário mínimo decente, a Previdência que agregou mais de 30 milhões de pessoas nesses últimos 13 anos, programas como o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos e creches, que deram e estão dando sustentação à nossa população para enfrentar essa crise grave pela qual estamos passando. É uma crise maior do que a da década de 80 e do que da década de 90, mas, com esses programas e com uma intervenção voltada aos direitos e interesses populares, nós conseguimos fazer o enfrentamento.

    Infelizmente, há uma elite neste País que não tem um projeto comprometido com o desenvolvimento nacional. É uma elite que, desde o descobrimento do Brasil, tem como cultura se apropriar dos seus bens. Está certo o Prof. Bresser Pereira ao explicar a nossa diferença, em termos de desenvolvimento, com os Estados Unidos. Fala ele: "Lá nós tivemos uma ocupação de território com projeto de desenvolvimento de nação. Aqui, nós tivemos uma exploração de território e das riquezas nacionais para levar para fora do Brasil". Até hoje, é essa a concepção que essa elite tem. Ela não tem generosidade suficiente para ter um projeto para contemplar o povo, criminaliza a pobreza. Foi por isso que eu disse hoje de manhã: depois de Getúlio, depois de Jango, é esse projeto popular, iniciado por Lula e continuado por Dilma, que tem que ser derrotado.

    Eu não tenho dúvidas nenhuma de que esse impeachment não é por crime de responsabilidade. É um impeachment proposto pela direita e pela elite para que seu projeto prevaleça sem submetê-lo ao voto popular, porque, se o submetesse, não teria condições de ser aprovado, já que para essa elite não há programa que contemple a maioria do povo. É uma elite preconceituosa: "Pobre não pode andar de avião; pobre e negro não podem ter cota na universidade; pobre não pode fazer curso superior; pobre não pode comprar carro, não pode ter acesso aos bens de consumo". É isso que incomoda tanto essa elite. Incomoda ter que pagar os direitos trabalhistas para as empregadas de casa. Incomoda também o protagonismo das mulheres. A política ainda é um espaço majoritariamente masculino com seus códigos, tapinhas nas costas, com seus encontros comensais, com as suas articulações feitas fora dos espaços constitucionais, dos espaços institucionais.

    A Presidenta sofreu uma enorme desconstrução na sua imagem, na sua imagem pessoal e política de Presidenta, mas, sobretudo, na sua condição de mulher, com mentiras, calúnias, difamação, falso moralismo, um desrespeito total pelo fato de ser mulher.

    E estão tentando vender agora para o povo brasileiro que o afastamento, o impeachment da Presidenta é a solução de todos os problemas. Não, não é. Não é a solução de nenhum problema. Pior do que isso: é o agravamento dos problemas. Não há esperança popular no governo do Vice-Presidente Temer. Não há o que esperar a não ser perdas de direito e de retrocesso. O que estão querendo vender para o Brasil é uma mentira de que, tirando a Presidenta Dilma, todos os problemas estão resolvidos. Isso não é verdade, e nós temos que deixar claro isso aqui. Por isso, nós temos repetido que esse impeachment, por não ter base constitucional, por ser exatamente um instrumento para que a elite e a direita coloquem o seu projeto de governo no Poder sem passar pelo voto, é um golpe. Não temos o que esperar desse futuro.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) – Termino aqui o dia ou começo um novo dia da mesma forma que comecei o de ontem, na companhia do Prof. Darcy Ribeiro: sou uma mulher de causas, sou uma mulher de lutas. Detestaria, não suportaria estar no lugar de quem me vencerá hoje.

    Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 126