Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; e crítica à gestão do PT no Governo Federal, com ênfase ao descaso com o estado do Maranhão.

Autor
Roberto Rocha (PSB - Partido Socialista Brasileiro/MA)
Nome completo: Roberto Coelho Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; e crítica à gestão do PT no Governo Federal, com ênfase ao descaso com o estado do Maranhão.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 132
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ILEGALIDADE, PUBLICAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, ATRASO, PAGAMENTO, BANCOS, MOTIVO, REPASSE, BENEFICIO, PROGRAMA DE GOVERNO, CRITICA, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL, ENFASE, INVESTIMENTO, ESTADO, MARANHÃO (MA).

    O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA. Para discutir. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicio a minha fala cumprimentando o Presidente Renan Calheiros pela firmeza com que obstruiu a tentativa bisonha de um conterrâneo meu invalidar a vontade soberana do Parlamento brasileiro.

    Afirmo sem medo de errar que o Presidente da Câmara pode até carregar o Maranhão em seu nome, mas não traduz, em seus atos, o sentimento do nosso povo. O Maranhão, Sr. Presidente, foi o Estado que deu a maior votação proporcional à Presidente Dilma. Portanto, foi o Estado que nela depositou as maiores esperanças.

    O meu Estado foi o que recebeu menos investimentos em todos os governos do PT. Em treze anos, nenhuma obra pública de infraestrutura foi inaugurada em nosso território, sem desmerecer as outras unidades da Federação.

    Afirmo com clareza que o povo do Maranhão é o maior credor do governo que aqui estamos a julgar.

    Entendo que o processo de impeachment nasce de um fundamento jurídico. Contudo, o processo é político, tanto que ele corre no Congresso Nacional. Não fosse assim, ele seria nos tribunais.

    A denúncia que chega a esta Casa, amparada por 367 votos dos Srs. Deputados Federais, por si só já configura um veredito político que nós, Senadores, pelo menos nessa etapa do processo, não podemos ignorar.

    O aspecto jurídico, deveremos enfrentar na votação subsequente, com mais detalhado parecer sobre o reconhecimento dos três requisitos básicos que possam caracterizar a responsabilidade da Presidente, quais sejam: o elemento objetivo, o elemento subjetivo e a materialidade ou relevância.

    Registro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para a história, que a minha posição não implica qualquer censura à conduta e à dignidade pessoal da Senhora Presidente da República, de quem sempre recebi tratamento republicano marcado pela civilidade e respeito mútuo. A decisão que tomei envolve apenas a crítica política que manifestei pessoalmente à própria Presidente, quando tive oportunidade.

    Minha decisão está fundamentada em minucioso estudo realizado tecnicamente por minha assessoria, abordando os aspectos legais imputados na denúncia. Peço ao Presidente da Casa que faça registrar nos Anais desta sessão esse estudo sobre o qual assentei meu voto, que encaminho à mesa.

    Voto, Sr. Presidente, pela admissibilidade da denúncia, na expectativa de que o Senado conduza o processo de forma límpida, amparado na Constituição Federal e animado pelo senso de Justiça.

    Muito obrigado.

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ROBERTO ROCHA

    O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, uso da palavra para me filiar ao cuidado de outros que me antecederam por deixar a discussão nessa sessão plenária adstrita ao seu objeto, qual seja a admissibilidade do processo de impedimento contra a Excelentíssima Senhora Presidente da República. Não cabe aqui adiantar qualquer discussão de mérito, pois não se trata de um processo em curso, em que eu me sinta compelido a contraditar argumentações, aferir a validade e a integridade de provas que adiante teriam de ser repetidas ou, por ora, a formar livre convencimento motivado exigido do julgador, seguindo a mais consagrada doutrina processualística.

    Não, essa sessão cuida tão somente da aferição de indícios bastantes sobre a concorrência de três requisitos básicos ao reconhecimento da denúncia:

    1) O cometimento de conduta defesa, em virtude de descumprimento de princípios ou de regras constitucionais ou legais. Trata-se da subsunção dos fatos sob apuração a uma hipótese jurídica que prevê imputação, a constituir o elemento objetivo da conduta ilícita;

    2) Que o aludido cometimento tenha por autoria a Senhora Presidente ou alguém sob sua responsabilidade direta, a configurar o elemento subjetivo;

    3) E que da conduta defesa decorra relevante repercussão sobre as contas públicas, a caracterizara materialidade ou relevância.

    Com essa bússola, debrucei-me sobre a denúncia, o memorial de defesa e o rico debate ocorrido na Comissão Especial do impeachment, buscando avaliar em especial o escopo acusatório referendado pelo Supremo no julgamento da ADPF n2 348: cumpre-nos julgar, se assim referendar este Plenário, as assim denominadas "pedaladas fiscais" e a abertura de créditos suplementares por meio dos seis decretos arrolados nos autos.

    A primeira alegação, pois, é concernente às "pedaladas fiscais". Quanto a elas, reconheço os indícios objetivos de cometimento de conduta imprópria: não é exaustiva a relação de casos que caracterizam as operações de crédito ao art. 29, III, da LRF, que acolhe "operações assemelhadas" em seu bojo. Por outro lado, se a despesa não havia percorrido o curso regular, há de se apurar se não terá sido ela honrada materialmente por meio de Reconhecimento de Dívida, ainda que a forma possa divergir. Nesse caso, estaria a confissão dos débitos equiparada a operação de crédito, nos termos do art. 29, § 1$, da LRF.

    Como as operações teriam envolvido banco público controlado e ente político controlador, este na condição de tomador do empréstimo, ter-se-ia uma operação expressamente vedada pelo art. 36 da LRF, que não admite empréstimo de banco público para o ente que o controla. Isso configuraria, em tese, o crime de responsabilidade capitulado no art. 11, item 3, da Lei n2 1.079, de 1950.

    Um argumento robusto da Defesa, que merece ser investigado caso a denúncia seja acolhida, é respeitante à natureza das operações, em especial sobre eventual distinção entre os empréstimos dos quais haveria indícios em 2013 e 2014 e as operações relativas ao Plano Safra em 2015. Ademais, não por acolher a tese de continuidade delitiva, que só poderia ser invocada em benefício do réu, e não em seu prejuízo, preocupam-me não as operações cuja apuração foi obstada por força da ADPF 348, mas as consequências financeiras em 2015 do saldo devedor: os juros de permanência, o descontrole fiscal e o falseamento das contas públicas.

    Haver-se-ia, inclusive, de dar oportunidade para a Presidente, em defesa, de comprovar que as alegadas operações de crédito não contabilizadas (receitas de capital) não foram de tal monta a ofender a chamada regra de ouro das finanças públicas insculpida no art. 167, III, da Constituição Federal. Este dispositivo veda que as operações de crédito tomadas em globo excedam o montante de despesas de capital, independentemente das fontes de financiamento destas. Não foi possível, em um mero exame de admissibilidade, destrinçarmos as contas públicas para aferir se houve descapitalização da União. Creio que não, mas trata-se de apreciação sobre a qual não foi juntado elemento probante para formação de convicção, até porque prova se produz no processo, e não na denúncia, para a qual se requer não mais do que indícios contundentes.

    No tocante ao elemento subjetivo, a Advocacia Geral da União alegou que os atos concernentes aos pagamentos são de responsabilidade direta do Ministério da Fazenda. Pareceu-me um argumento frágil, pois a responsabilização poderia ocorrer, ao menos, por culpa in elegendo e por culpa in vigilando da agente política imputada, caso sejam confirmados o elemento objetivos e a materialidade da infração. De qualquer forma, as Contas Anuais são assinadas pela mandatária. Não se há, pois, de afastar a responsabilidade da Presidente sobre os erros em que o seu governo possa ter incorrido na condução da Política Econômica, como também não seria justo se lhe afastar os méritos que seguramente há.

    Na vereda da materialidade, em se confirmando os elementos objetivo e subjetivo, há de avaliar o impacto preciso das operações contestadas no resultado fiscal brutalmente frustrado em 2015. A transmutação de uma meta superavitária de R$ 55,3 bilhões para um déficit primário de até R$ 119,9 bilhões em 2015, um desvio de R$ 175,2 bilhões, deve ser creditado apenas a questões conjunturais?

    Pelas razões expendidas, entendo pelo acolhimento da denúncia em relação às denominadas "pedaladas fiscais", por reconhecer presentes indícios bastantes de materialidade e autoria a recomendar uma avaliação mais detida, inclusive por meio do contraditório e da garantia de ampla defesa.

    Sobre os decretos, acho prudente uma análise mais detida, mesmo em sede pré-processual. A alegação é de que não haveria autorização legislativa para a edição dos créditos, e que isso confrontaria os arts. 10, item 4, e 11, item 2, da Lei n^ 1.079, de 1950. Sob o prisma subjetivo, não restam dúvidas de que se atribua a conduta à Presidente, porquanto tenha ela assinado os certificados infralegais sob impugnação. Do ponto de vista objetivo, contudo, tenho dificuldade de acolher o impacto real da sua abertura na geração de resultado primário desconforme com as metas previstas na LDO. Passo a compartilhar minhas dúvidas com os nobres pares.

    Primeiramente, a autorização orçamentária per si não constitui dispêndio de recursos. As despesas podem nem sequer ser empenhadas no exercício, mas apenas servirem para a feitura e publicação de editais de licitação de obra, serviços públicos ou mesmo aquisição de material. O art. 7^, § 25, III, da Lei nº 8.666, de 1993, expressamente demanda que haja previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes do certame. Além disso, uma vez que a discussão que ora se trava orbita em torno da LRF, convém rememorar que o art. 16, II, desta lei complementar o reforça, ao reclamar ao ordenador de despesas declaração de que a expansão dos gastos tenha adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual

    Tome-se por hipótese que o globo das dotações resultantes dos créditos suplementares ou fosse destinado a financiar despesas em andamento, ou que a licitações residuais fossem ultimadas nos cerca de cinco meses, em média, entre a abertura dos créditos - de 27 de julho a 20 de agosto - e o final do exercício. Nesse caso, poder-se-ia emitir as notas de empenho ainda em 2015. Entretanto, haver-se-ia de aguardar o implemento das condições contratuais para, em vista da liquidação, realizar o efetivo pagamento. Apenas então resultar-se-ia em uma despesa primária (um conceito financeiro, e não orçamentário) a compor o resultado.

    Nessa mesma linha, informe-se que o volume de Restos a Pagar (RAP) inscritos e reinscritos de um exercício para o outro denota que a assunção de compromissos requer uma maturação temporal. O estoque de RAP inscrito no final de 2014 era de R$ 227,1 bilhões. Logo, alegado excesso de autorização orçamentária em 2015 não tem o condão, isoladamente, de comprometer a gestão fiscal responsável. Repiso isso porque da leitura do art. 42 da LOA 2014, nutro convicção de que a relação causai deve ser a de que o crédito suplementar não pudesse comprometer o resultado fiscal e não o contrário, que em vista do resultado fiscal comprometido não se admitisse a abertura de crédito por decreto.

    Essa pode parecer uma diferença meramente sintática, mas é o que esteia a segunda razão porque não vislumbro elemento objetivo a tipificar o ilícito político-administrativo. Entre as alegações favoráveis ao Impeachment, consta que a abertura de créditos suplementares para realização de despesas primárias mediante decreto somente seria compatível com a obtenção da meta de superávit primário vigente se as alterações promovidas na programação orçamentária se valessem de cancelamentos compensatórios. Ora, os seis decretos impugnados montaram R$ 96 bilhões, dos quais R$ 93,4 bilhões foram oriundos de cancelamento de outras despesas. Logo, majoritária mente, não se tratou da expansão de autorizações, mas da redefinição de prioridades para o gasto público. Adiante voltarei a esses valores, mas, antes, tentarei esgotar a questão objetiva.

    Valho-me de um terceiro argumento para afastar a denúncia sob esse aspecto, de fácil percepção por todos, conquanto alguém possa a ela não se filiar. A meta de Resultado Primário foi mudada, e por decisão do Congresso Nacional! Poderíamos tê-las contestado, mas acolhemos as alegações da Presidente no exercício da nossa função legiferante e, agora, no nosso papel judicante, iremos denegá-las e reformar o entendimento que firmamos e que resultou na Lei n^ 13.199, de 2015?

    O descumprimento da meta fixada é que caracterizaria infração a um dispositivo da lei orçamentária, tipificada como crime de responsabilidade no art. 10, item 4, da Lei n^ 1.079, de 1950. Se para alguém há dúvida de que a lei mais benéfica deveria retroagir em benefício do réu, nutre-me, acima de tudo, um sentimento de justiça e de coerência lógica. Votei pela revisão da meta, entendendo as dificuldades por que passava o País, e que infelizmente ainda nos assola. Por isso, não exigiria atitude menos do que proporcional do Governo com relação aos fatos de então.

    Ainda que ignoremos a diferença entre a natureza orçamentária e a financeira na despesa pública, ao retomar os valores dos decretos de créditos suplementares que não gozam de amparo em cancelamentos compensatórios, o que se discute é o saldo de R$ 2,52 bilhões. Deste, R$ 780 milhões foram destinados a cumprir despesas financeiras e, portanto, não impactaram o resultado primário. Isso me leva ao questionamento acerca da materialidade da conduta, para justificara interrupção do mandato da Presidente.

    Terá o cerca de R$ 1,8 bilhão o condão de provocar relevante repercussão sobre as contas públicas? Parece-me que não. O valor corresponde a cerca de 0,13% das despesas originalmente orçadas na LOA 2015, e a 126 vezes menos do que o volume de Restos a Pagar inscritos no final do exercício de 2014. Portanto, independentemente da situação de execução dos decretos, não vislumbrei nada que se lhes pudesse imputar pelo desequilíbrio que caracterizou a condução da política fiscal no exercício de 2015.

    Por essas razões, não reconheço da denúncia contra os decretos de crédito suplementar, tenham sido eles editados pela Presidente ou mesmo pelo Excelentíssimo Senhor Michel Temer, no efetivo exercício da Presidência quando de afastamento ou licença da mandatária. Com isso, adianto posicionamento sobre a discussão incidental havida na Comissão Especial de Impeachment, que buscou alcançar agente político externo à denúncia que ora poderá ser apurada, caso confirmada a sua admissibilidade.

    Apesar dos argumentos que aduzi, importa aclarar que não me filio à tese simplória de busca da meta anual. O art. 9e, caput, da LRF determina expressamente que os Poderes e o Ministério Público, por ato próprio e nos montantes adequados, promovam limitação ao empenho e à movimentação financeira quando a avaliação bimestral da receita indicar a necessidade para alcance das metas fiscais definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Se o contingenciamento não foi proporcionai à meta em vigor, parece-me ter havido flagrante descumprimento da norma fiscal. E o art. 73 da LRF endereça as infrações aos dispositivos da mesma lei à apuração e à punição segundo a Lei n^ 1.079, de 1950. Ou seja, infrações à LRF poderiam ser julgadas como crime de responsabilidade.

    Logo, parece-me que é preciso refletir se cabe responsabilização a esse respeito, contra quais autoridades e em que foro? A indicação de valor menor do que o necessário pelo Executivo para que, proporcionalmente à participação de cada órgão orçamentário dos Poderes, na forma do art. 52, caput e §1º, da LDO 2015, procedam estes ao contingenciamento é excludente de ilicitude dos seus titulares? Se os balanços orçamentários são claros para atestar o não cumprimento da meta pelo Poder Executivo, não seriam também para atestar que os demais Poderes deveriam limitar o empenho e a movimentação financeira?

    Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Pares, não estou convencido do afastamento dos indícios sobre a integralidade das imputações contra a Presidente na Denúncia nº 1, de 2016, e instruo o voto pela admissão do processo de impeachment.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 132