Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 147
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ILEGALIDADE, PUBLICAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, ATRASO, PAGAMENTO, BANCOS, MOTIVO, REPASSE, BENEFICIO, PROGRAMA DE GOVERNO, CRITICA, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL.

    O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP. Para discutir. Sem revisão do orador.) – Senadores, pessoas de todo o País que nos ouvem ou nos veem pelo rádio e pela televisão, começo citando o ex-Presidente norte-americano John Kennedy. Evocando o inferno de Dante Alighieri, esse grande escritor, poeta italiano, precursor do renascimento, Kennedy dizia: "No inferno, os lugares mais escuros estão reservados aos que, em momento de grande crise moral, mantiveram-se neutros, não definiram suas posições".

    Eu começo por essa citação, Sr. Presidente, para elogiar o desempenho do Senado no dia de hoje. Em que sentido? Não tudo o que está sendo dito aqui corresponde à verdade; não tudo o que se está sendo dito aqui é correto ou errado, mas tudo o que está sendo dito aqui, de alguma forma, reflete uma tomada de posição.

    Nesse sentido podemos ficar tranquilos. Ninguém desta Casa, Sr. Presidente, vai ficar no lugar mais escuro do inferno depois deste dia memorável, eu diria, na história do Parlamento, em que de maneira civilizada, de maneira ordenada, os Parlamentares vêm à tribuna para expor as suas posições, as suas decisões e os seus raciocínios.

    Mas, exatamente nesta perspectiva, eu queria dizer que venho aqui para falar que sou a favor do impeachment, a favor do impedimento. E sou a favor, quero dizer, sem nenhuma alegria, Senador Moka, nenhuma comemoração. Venho apenas cumprir um dever.

    Ao fim e ao cabo, o impeachment é um processo arrastado, penoso, causa constrangimentos pessoais, produz até alianças estranhas e representa uma quase tragédia para o País. Eu penso assim. Nós deveríamos, de toda maneira, procurar evitá-lo se pudéssemos e se fossem outras as circunstâncias. Isso é que não foi possível. E agora esse impedimento, esse processo se impõe como um remédio que é amargo, mas é essencial.

    A continuidade do Governo Dilma, do meu ponto de vista, seria uma tragédia maior. Eu duvido que alguém neste plenário ache que nós chegaríamos a 2018 sem que a situação se deteriorasse de maneira insuportável.

    Enfim, este é o ponto a que chegamos: derretimento da produção e do emprego, derretimento das condições sociais de vida da população, deterioração moral no mundo político, a exacerbação dos conflitos dentro e fora da política e um verdadeiro risco, a meu ver, de colapso do Estado de direito.

    Isso nós estamos vivendo no Brasil. E posso falar à vontade, inclusive a partir da minha experiência de vida, porque eu vivi e sofri dois golpes nas costas. E posso dizer que sinto de maneira instintiva, já tenho uma intuição quando uma situação vai ficando sob descontrole e quando vai acabar mal. E é exatamente a minha percepção a partir de 2013, diante das manifestações e da pífia resposta, na época, do Governo da Presidente Dilma, inclusive no ano eleitoral e muito mais depois, já aqui no Senado, no ano passado.

    Quero dizer que existem também indícios – e nós estamos hoje votando a admissibilidade – de crimes de responsabilidade. Existem indícios disto. E eles não deixam outra saída realmente, Senadora Gleisi, senão o afastamento da Presidente pelo caminho preconizado na Constituição.

    Eu quero dizer de maneira muito clara: a Presidente da República não está sendo derrubada por seus adversários, não está sendo derrubada por cartórios organizados, não está sendo derrubada por um grupo de conspiração.

    Está sendo destituída pela marcha da insensatez que ela própria e seu Partido deflagraram a partir de seu primeiro mandato. São os fatos, a dura realidade dos fatos, e não a astúcia de seus opositores, que provocaram a atual situação de estarmos às vésperas de um impedimento dramático.

    Acho que é preciso também, Sr. Presidente, ficar bastante claro que o crime de responsabilidade tem uma natureza político-administrativa e é julgado pela Câmara e pelo Senado. Não é o mesmo que crime comum, que tem natureza penal e é julgado pelo Poder Judiciário. Eu me lembro de uma citação do saudoso Paulo Brossard, que dizia: "o impeachment é um processo político com feições, contornos judiciais". Essa é a verdade. Não vamos nos iludir a esse respeito.

    Os defensores, os que se opõem, a maioria deles, à destituição, ao impeachment da Presidente martelam o refrão do golpe, como se a sua retórica pudesse sobrepor-se à Carta de 1988. O impeachment, Srªs e Srs. Senadores, não é uma medida de exceção. Regime de exceção – aliás, pregado por Carlos Lacerda – é caminho para a ditadura. O impeachment não é uma medida de exceção; é uma solução constitucional, cujos passos têm sido hoje formulados ou aceitos pelo Supremo Tribunal Federal.

    Agora, é evidente que isso tudo envolve um processo político, mas não se esgota na dimensão jurídico-formal, tanto que o tribunal, neste caso, é formado por Parlamentares com mandato eletivo. Nós estamos atuando hoje como tribunal de júri, políticos eleitos. É claro que tem uma dimensão política! Senão, deixar-se-ia por conta do Poder Judiciário. Bastaria entrar com um processo.

    Eu não estou aqui menosprezando as provas dos crimes de responsabilidade que estão sendo apontados, cujo mérito vai ser considerado nos próximos meses. É preciso, porém, levar em conta os fatores políticos que condicionam os Parlamentares. O mais essencial deles, na minha opinião, é a rejeição avassaladora ao Governo Dilma – medida pelas pesquisas, a que os políticos prestam uma enorme atenção –, escancarada pelas manifestações de protesto que ganharam as ruas em escala inusitada no Brasil. É uma rejeição constatada pelos Parlamentares quando retornam aos seus Estados nos fins de semana. Os que são opositores passaram a voltar mais radicais, e os que eram governistas passaram a retornar menos governistas. Por quê? Porque temem por suas chances de reeleição. Esta é a preocupação obsessiva dos Deputados: a reeleição. Desde o primeiro dia de mandato, ao ver a reeleição ameaçada, muda, retira o apoio do Governo ao qual ele dá sustentação. Esse fator está sendo desprezado, subestimado, mas tem uma importância imensa.

    E de onde vem a rejeição? Do agravamento da crise econômica, das revelações da Operação Lava Jato, tudo em um contexto de inépcia administrativa, isolamento político autoinfligido, debilidade na comunicação; todas marcas do Governo Dilma muito fortes.

    Agora, como é que a gente pode – ou poderia – subestimar a responsabilidade da Presidente pelas causas da erosão da sua popularidade? O quadro atual é de mergulho do PIB, explosão do desemprego, fechamento de empresas, expansão alucinada da dívida pública. Isso tudo não é um efeito retardado da crise de 2008 e 2009, não. A crise de 2008 e 2009, no mundo, não teve um efeito duradouro, negativo, sobre a economia brasileira, nem se repetiu depois. Essa crise é fruto de profundas distorções econômicas que o Governo Dilma herdou do governo Lula, do qual ela foi Chefe da Casa Civil e que o seu governo, o Governo Dilma, agravou mediante uma série de equívocos da sua lavra: emperramento das parcerias com a área privada na infraestrutura, isenções tributárias caras e ineficientes, que agravaram a crise fiscal, repressão insustentável e eleitoreira dos preços dos derivados de petróleo – isso, sim, é que ameaçou e ameaça a vida da Petrobras e da energia elétrica, para acrescentar – e o prosseguimento das loucuras. Além da questão do arrocho dos preços, os investimentos da Petrobras continuaram na sua marcha da insensatez também, levando a empresa aos limites da sua própria destruição. E ainda pesou o estelionato na reeleição da Presidente, cuja campanha acusava o seu adversário de pretender implantar medidas econômicas perversas, que ela própria tratou de emplacar em seguida.

    O Senador Walter Pinheiro disse aqui que, saindo a Presidente Dilma, entra um Vice-Presidente, que não foi eleito, cujo programa aprovado em 2014 não vai ser aplicado por ele. O programa defendido em 2014, Presidente Renan, foi tudo, menos implantado pela Presidente Dilma, que adotou o programa supostamente do seu opositor. E essa foi uma das coisas que aconteceu que mais contribuiu para o desgaste da Presidente.

    Agora, depois das eleições de 2014, em entrevistas e pronunciamentos, eu sempre reiterei a minha convicção de que a Presidente Dilma não chegaria ao fim do seu mandato. Vários Senadores aqui ouviram isso de mim, do Presidente a Senadores do Partido dos Trabalhadores, com alguns dos quais converso com frequência. Essa sempre foi a minha opinião. Eu não sabia como, mas sentia que o aprofundamento da crise econômica, a rejeição popular crescente, a perda de sustentação política, o descrédito geral, a Lava Jato e o desnorteamento das ações governamentais ampliariam, ou melhor, abreviariam o segundo mandato da Presidente.

    Repito aqui: alguém acha que nós iríamos chegar a 2018 se recuperando dessa crise, com este Governo? Impossível. Houve até quem, como Fernando Henrique, sugeriu a renúncia da Presidente e a organização de uma transição negociada e mais suave para o novo governo, mas a proposta, evidentemente, foi menosprezada por quem deveria praticá-la.

    Incompetência, impopularidade, perda do controle da Administração Pública não são motivos suficientes para afastar um Presidente, como, aliás, Dilma e seus defensores têm melancolicamente repisado. Mas a perda de legitimidade decorrente desses fatores, e isso provoca perda de legitimidade, e da deterioração – por que não dizer? – de boa parte da direção do Partido do Governo, outrora arauto da moralidade e da ética na política, ao lado das transgressões fiscais comprovadas, não deixa outra saída, a meu ver.

    Quero dizer, com muita clareza, que o impeachment não representa o fim dos problemas do País, é apenas o começo do começo do enfrentamento das questões que permitirão reconstruir o País, a reconstrução nacional. Ninguém tem a ilusão, acredito, de que o impeachment vai resolver as questões da economia, do desenvolvimento, da justiça social. Não. É o começo do começo. Estamos prestes a dar esse passo.

    Essa reconstrução, a meu ver, tem que passar pela reforma política. A situação que nós vivemos no Brasil hoje, tão penosa, é fruto, é reflexo e é consequência do sistema presidencialista, do sistema eleitoral e do sistema partidário que nós temos no nosso país. É um sistema que elege um monarca absoluto a cada quatro anos, com as consequências que nós conhecemos: só depois da Constituinte, quatro presidentes eleitos, um já destituído e outro em vias de sê-lo. Essa é a situação, para não falar de períodos anteriores a 1964. Esse é um desafio fundamental da reconstrução nacional e não custa dinheiro, não traz perdas para ninguém, para os pobres, para os oprimidos, nem para os ricos, para a classe média, para ninguém. A reforma política, a meu ver, Sr. Presidente, deveria ser a grande tarefa para este Senado assumir nos próximos meses.

    Mas o desafio da reconstrução vai além. É muito árduo, difícil, exige a reforma política, exige muitas outras coisas.

(Soa a campainha.)

    O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) – Isso depende do esforço convergente de grandes instituições: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

    Vamos unir forças para que o futuro não seja vítima de um presente de irresponsabilidades políticas. Temos que somar forças para reconstruir o Brasil.

    Mãos à obra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 147