Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; comentários sobre a situação política e social do país, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; comentários sobre a situação política e social do país, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 38
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ILEGALIDADE, PUBLICAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, ATRASO, PAGAMENTO, BANCOS, MOTIVO, REPASSE, BENEFICIO, PROGRAMA DE GOVERNO, COMENTARIO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, CRITICA, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Oposição/PSDB - ES. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Srªs e Srs. Senadores, brasileiros e capixabas que nos acompanham nesta data definitiva e decisiva da nossa história, a eleição de um Presidente da República, Sr. Presidente, não lhe confere uma coroa. Confere-lhe, ao contrário, um diploma que é o reconhecimento de sua escolha pelo povo, além, evidentemente, de muita responsabilidade. Escolha essa que decorre dos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral e de que realizará um governo de acordo com a lei, um governo decente e eficiente na condução dos interesses públicos e, evidentemente, no cuidado com a coisa pública.

    Até nas monarquias constitucionais o poder decorre desse compromisso para com a lei que a todos submete e nos iguala. Numa República, a lei vale para todos. Nossa escolha é republicana. O lado certo da história é a democracia. Constituímos um Estado democrático de direito fundado num reconhecimento de que todo poder emana do povo e que seus representantes realizarão as decisões populares, observando as leis.

    Nas repúblicas democráticas, por mais expressiva que seja a eleição dos governantes, o poder só se realiza conforme a lei. A lei é o nosso limite. A lei é o marco civilizatório. A eleição é um episódio conjuntural, a lei expressa uma vontade estável da sociedade. Por isso, a legitimidade dos governantes é construída dia a dia com muita atitude. O voto, Sr. Presidente, não é tampouco a eleição, como já disse da tribuna, um salvo-conduto, um cheque em branco que nos permita tudo. Permite-nos apenas o Governo, observando-se os limites, de novo, estabelecidos pela lei. O conteúdo democrático do nosso Estado vai além do simples reconhecimento de que a sua soberania decorre exclusivamente da decisão popular e de que os poderes de Estado são realizados por órgãos distintos e autônomos.

    O presidencialismo não é uma monarquia absoluta, com prazo determinado, o que acabaria por fazer com que amargássemos por tempo determinado um mandato presidencial, assim como seus desmandos e a irresponsabilidade de um mau governo. E é nesse sistema de controle que se insere o impeachment, o mais amargo dos remédios para se afastar um mau governante, que pratica crimes cuja gravidade reside na agressão aos valores em que se funda o Estado e à ideia do bom governo.

    Antes mesmo da República, mas realçado nela, surge o remédio extremo do impeachment. É no presidencialismo que o instituto do impeachment ganha relevo como instrumento de defesa do Estado contra o mau governante, que se desvia do compromisso de respeitar a lei. O presidencialismo sem a possibilidade do impeachment é a monarquia absoluta, é a ditadura, como bem frisou o nosso relator. O impeachment consiste em um julgamento político que tem como pressuposto o desrespeito à lei pelo governante e o reconhecimento social de que essa conduta o inabilita a continuar governando.

    Político notável e eminente jurista, Paulo Brossard debruçou-se sobre o impeachment, produzindo uma obra memorável, que é referência, que precisa ser lida e relida - O Impeachment. Leciona Brossard que, antes de tudo, o interesse maior do impeachment é proteger o Estado, e não punir o delinquente. Uma vez afastado o governante do seu cargo, o processo já não tem mais sentido algum e não prosseguirá. O que motiva o processo é o governante que gere erroneamente a coisa pública, e sua condenação não tem caráter de pena, visando apenas que ele deixe a gestão. Bebemos dessa fonte, retiramos a lição de que o impeachment tem forte ingrediente político e só avança na medida em que o Governo que transgride os bens constitucionalmente protegidos por sua figura se distancia da sociedade.

    Sua legitimidade se encontra no âmbito da Constituição e exige, além deste evidente ingrediente político, que tenha havido o chamado crime de responsabilidade, consistente no atentado aos valores basilares da República e da democracia, enunciados, em nosso caso, no art. 85 da Constituição Federal.

    São crimes cuja gravidade faz com que eles sejam previstos na própria Constituição e cuja pena é o afastamento do governante de sua função pública.

    Diferem dos crimes comuns por seus aspectos políticos que não denotam, necessariamente, a afetação, por exemplo, do caráter do governante. Por isso, a sua ocorrência não implica, necessariamente, julgamento do caráter do presidente. Não se julga a sua honorabilidade ou a sua honestidade. Julga-se, objetivamente, a transgressão aos valores tutelados na Constituição e tipificados na Lei nº 1.079 e a sua capacidade de continuar ou não governando o País.

    E quais crimes foram atribuídos ou são atribuídos à Presidente da República? Os de atentar contra a Lei Orçamentária, por expedir decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso, e o de realizar operação de crédito com entidades públicas e contra a probidade administrativa ao contrair esses empréstimos sem autorização legal.

    São crimes graves, os mais graves. Revelam o desrespeito da Presidente às leis e ao Congresso Nacional e denotam, evidentemente, a sua irresponsabilidade fiscal.

    Para mim, está claro o desrespeito à Lei Orçamentária e a irresponsabilidade fiscal deste Governo. E mais, a lesão premeditada e dolosa do atentado à Lei Orçamentária, quando da alteração da meta fiscal proposta pela Presidente da República. O expediente usado foi criar, através da alteração da meta fiscal, um álibi para descaracterizar o ilícito, como se pudesse limpar a cena do crime.

    O Governo utilizou bancos federais para financiar suas políticas, o que é vedado pela legislação, por configurar uma operação de crédito proibida.

    Segundo o Tribunal de Contas da União, mais de R$31 bilhões de recursos de bancos públicos, por meio da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES, foram utilizados irregularmente pelo Governo em apenas um ano. Além disso, o Governo também passou a atrasar recursos aos Estados e Municípios de royalties, de compensação financeira pelo uso de recursos hídricos e até do salário-educação com o único objetivo de maquiar o seu resultado primário.

    Ou seja, não satisfeito em desorganizar completamente as suas contas públicas, o Governo Federal, o Governo da Presidente Dilma, passou a contribuir para desorganizar as contas dos Estados e Municípios, ferindo o pacto federativo estabelecido na Constituição.

    Segundo concluiu ainda o Tribunal de Contas da União, todas essas irregularidades apuradas superariam os R$100 bilhões.

    O Governo mascarou a real situação das suas contas públicas de todas as formas e pelo maior tempo possível. E não foi um ato isolado, circunstancial. Foram vários atos, numa delituosidade contínua. Tudo para lhe garantir a reeleição e a preservação do poder a todo e qualquer custo. Não apenas em 2014, mas durante o exercício de 2015.

    Essa conduta, reveladora de um mau Governo e que transgrediu a lei, está no centro da grave crise por que vive o nosso País.

    Hoje, a sociedade e principalmente os mais pobres são os mais penalizados pela desorganização que o desequilíbrio das contas públicas provocou. E, aí, há que se perguntar: a quem interessa essa irresponsabilidade fiscal? Aos mais pobres, aos mais humildes, aos desprovidos materialmente é que não.

    O reflexo dos crimes praticados se dá nos indicadores sociais que já reverteram todos os históricos ganhos que foram contabilizados nos últimos anos. Hoje, temos 11 milhões de desempregados em nosso País. Neste ano, se tudo continuar como está, haverá mais 1,5 milhão de trabalhadores perdendo a sua ocupação.

    O desemprego não está afetando apenas os jovens e os trabalhadores em tempo parcial, mas já chegou a atingir milhares e milhões de chefes de família, pessoas que perderam a esperança de um futuro digno; milhares de empresas estão fechando, e a economia está se acabando. A inadimplência já atinge 60 milhões de brasileiros, que representam 40% da população adulta do nosso País. Não há programa social que sustente uma crescente massa de desempregados, empresas fechando e a economia se desintegrando. O Estado perde, portanto, a capacidade de financiar qualquer política pública. O mau uso, enfim, do dinheiro público é madrasta com os mais pobres, pelo simples fato de que são eles os mais pobres, os principais usuários e beneficiários dos programas sociais, dos hospitais e das escolas públicas.

    Vejam os cortes que foram feitos nos programas sociais ao longo de 2015: o Pronatec teve uma redução de R$1,6 bilhão; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, uma redução de R$1 bilhão; até mesmo a educação básica, uma redução de R$1,5 bilhão; o ensino profissional, uma redução de R$800 milhões; e até mesmo o saneamento básico, um dos grandes e mais importantes desafios do nosso País, uma redução de R$1 bilhão em seus investimentos.

    Esse é o tamanho e o reflexo da irresponsabilidade do Governo da Presidente Dilma e dela própria; esse é o reflexo da irresponsabilidade de corte de programas que são fundamentais para o bem-estar da população, acompanhado da carestia que volta a sacrificar o orçamento das famílias brasileiras, da recessão.

    Em 2015, o País pagou mais de R$500 bilhões de juros, o que corresponde a aproximadamente 20 anos do Programa Bolsa Família, um programa importantíssimo, que gerou a ascensão de milhões de pessoas na sociedade brasileira.

    E, como ensina, Sr. Presidente, a futura Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Profª e Ministra Cármen Lúcia: "Sem responsabilidade não há democracia, sem democracia não há justiça, sem justiça não há dignidade, menos ainda cidadania." Ao Senado compete, pois, processar. Competência não é faculdade, é dever. Competência é obrigação.

    É em face desses princípios e desses valores que, em nome dos capixabas, do meu querido Espírito Santo, manifesto minha convicção da necessidade inadiável do Presidente da República, no caso, da Presidente Dilma, para que nós possamos dar uma nova chance ao Brasil de uma reconstrução que seguramente vai exigir novas e importantes atitudes, sobretudo na mudança das práticas políticas, da incorporação do mérito e do resultado na prática e na gestão pública.

    Por isso mesmo, Sr. Presidente, não há outro caminho que não o impedimento da Presidente Dilma. É como me manifesto.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 38