Discurso durante a 83ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a repercussão da delação premiada de Sérgio Machado sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Crítica à violência sexual, e em especial aos casos de estupro coletivo cometidos contra as mulheres.

Crítica ao jornal “O Estado de São Paulo”, por publicar artigo contrário à atuação de parlamentares que defendem a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL:
  • Considerações sobre a repercussão da delação premiada de Sérgio Machado sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
IMPRENSA:
  • Crítica à violência sexual, e em especial aos casos de estupro coletivo cometidos contra as mulheres.
IMPRENSA:
  • Crítica ao jornal “O Estado de São Paulo”, por publicar artigo contrário à atuação de parlamentares que defendem a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff.
Aparteantes
Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2016 - Página 36
Assuntos
Outros > CONGRESSO NACIONAL
Outros > IMPRENSA
Indexação
  • COMENTARIO, DELAÇÃO, AUTORIA, SERGIO MACHADO, EX SENADOR, REGISTRO, POSSIBILIDADE, INFLUENCIA, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, ABUSO SEXUAL, ESTUPRO, VITIMA, MULHER.
  • CRITICA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, MOTIVO, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, DESAPROVAÇÃO, ATUAÇÃO, SENADOR, DEFESA, REJEIÇÃO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Senador Jorge Viana, nós estávamos ali comentando, se V. Exª quiser fazer aparte, mesmo na cadeira de Presidente, nós teríamos muito prazer em conceder.

    Srs. Senadores, Srª Senadora, Sr. Presidente, penso que esses últimos dias, não só o final de semana, mas os dias anteriores ainda da semana passada, têm sido dias intensos. Aliás, o Brasil vive um momento extremamente delicado, em que os fatos refletem em anos, podem refletir e, sem dúvida nenhuma, estão refletindo para anos adiante.

    Depois da revelação da gravação do Senador Romero Jucá pela revista Veja, a cada dia, Senador Jorge Viana, Srs. Senadores, nós temos uma nova notícia, uma nova parte da gravação que é divulgada, Senador Lindbergh. A cada dia a imprensa lança uma nova fala dessa gravação, que parece ter dez horas, cujo conteúdo nós não conhecemos.

    Eu dizia há pouco, quando me perguntavam, que exatamente por essa razão nós não podemos continuar os trabalhos da comissão do processamento contra a Presidente Dilma como se nada estivesse acontecendo no Brasil, como se não estivéssemos diante de fatos graves que dizem diretamente respeito a esse processamento, Sr. Presidente.

    O Presidente respeitado por todos nós, Senador Raimundo Lira, já respondeu uma questão de ordem do Senador Lindbergh e da Senadora Gleisi indeferindo a solicitação de suspensão dos trabalhos. Mas nós voltaremos ao debate na próxima quinta-feira, e creio que até lá o Senador deverá pensar, porque nós apresentaremos duas questões - uma delas pedindo para sobrestar os trabalhos da Comissão até que tenhamos toda a documentação relativa a essa delação premiada do Sr. Sérgio Machado.

    E por que isso? Por que nós queremos fazer chicana? Por que nós queremos atrapalhar os trabalhos da Comissão? Não, é porque nós queremos que a Comissão trabalhe com a verdade.

    E eu creio que essas últimas revelações, essas novas gravações que estão sendo divulgadas mostram o quão é necessário, o quão é importante e, eu diria, imprescindível que tenhamos nós todos, membros da Comissão, acesso a esse processo, a essa delação premiada.

    É sigilosa? É sigilosa, Presidente. Mas há a possibilidade legal de compartilhamento, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Ministério Público Federal, das informações - aliás, do total das informações - para a Comissão de Processamento, para o Senado Federal. Isso porque nós estamos diante de um processo contra uma Presidente que, se aprovado, levará à perda do mandato. Aliás, ela já está afastada. E, se aprovado, nós tiraremos o mandato de quem foi eleita por 54 milhões de brasileiras e brasileiros.

    E o que dizem essas gravações? Essas gravações são a prova cabal do que nós dizemos o tempo inteiro - e que eles dizem também. Alguns dizem, outros são mais cautelosos e procuram não dizer. Procuram falar, mesmo sem saber o que estão dizendo, em pedaladas, em responsabilidade fiscal, em desajuste no Orçamento. Ora, eles sabem que não são essas as razões pelas quais a Presidente foi afastada e o processo aqui está seguindo. Não é isso. É o tal do conjunto da obra. Eles sabem disso tanto quanto nós. Eles sabem. E agora está revelado por eles, Sr. Presidente. Está revelado!

    Vejam: tudo, as partes... É como se fosse aquele joguinho de montagem, aquele em que vamos montando, e, ao final, fica uma paisagem bonita. O conjunto da obra eles mesmo estão montando, como se fosse aquele brinquedo Lego, que se vai juntando e vai formando algo. Eles estão montando isso!

    E aí, Senador, nós tivemos a mesma preocupação, eu e o Senador Lindbergh. Eu ouvi com muita atenção, durante este feriado, uma notícia veiculada pela Rede Globo de Televisão, não sei se pelo Jornal Hoje ou pelo Jornal Nacional. No dia seguinte, li com atenção todos os jornais, os jornais de circulação nacional e os da minha cidade, e não encontrei essa notícia. Tive de ir à internet buscar o total conteúdo do jornal televisionado e fazer aqui a transcrição.

    Eu já o li, fazendo aparte à Senadora Gleisi Hoffmann; o Senador Lindbergh Farias já leu, fazendo aparte, acho, a V. Exª ou ao Senador Roberto Requião. Mas é tão grave o que está escrito aqui que precisa ser lido e relido, mesmo porque os meios de comunicação, salvo engano de minha parte, não publicaram isso no escrito. Isso se deu no noticiário somente de televisão. Então, é preciso que se repita e é preciso que se publique, porque o círculo vai se fechando.

    A primeira razão dita pelo Senador Romero Jucá está clara. O Brasil todo viu: "É para acabar com a sangria". E ele ainda teve a cara de pau de chamar a imprensa para dizer que ele se referia à sangria na economia. O que é isso?! Aí, pronto: rapidamente, o jornal Folha de S.Paulo encarregou-se de divulgar o restante de uma gravação que mostrava que ele se referia à Lava Jato.

    Então, esse é o objetivo principal. E ele diz - vamos delimitar aqui: "O que passou, passou. Daqui pra frente, não terá mais nada. O Brasil virá a paz, o Brasil virá a paz...". Essa é a razão nº 01.

    A razão nº 02, aliás, está sendo questionada pelo PDT no Supremo Tribunal Federal, e eu espero que o Supremo Tribunal Federal responda ao PDT. Como pode um Governo provisório, temporário, de no máximo 180 dias - nós não sabemos o resultado final -, mudar não só os ministérios, não só os ministros, mas mudar os ministérios? E não é só isso não! Mudar a política, a política econômica, a política externa, Srs. Senadores! A política externa não é algo que se constrói em meses, é algo que se constrói em anos. Querem mudar? Esperem concluir o processo. Não façam isso agora, Senador Aloysio Nunes!

    Então, o PDT está questionando perante o Supremo Tribunal Federal. E eu espero, com muita sinceridade, que o Supremo Tribunal Federal responda a isso, se é possível. Quando estivemos num encontro com vários Parlamentares, não só portugueses, mas europeus, eles nos perguntavam admirados: "Mas é possível mudar a política? O governo não é provisório?" É. É possível. Eles não entendem. E nós dissemos: "Nós também não estamos entendendo, mas, como lá no Brasil o que está acontecendo é um golpe, não é um impeachment, é óbvio que eles estão fazendo isso porque esse é o objetivo principal deles".

    Mas vamos à leitura daquilo que precisa ser escrito. É muito interessante: o Senador Jucá falando com Sérgio Machado:

É, tem que falar com o Tasso, na casa do Tasso. O Eunício, o Tasso, o Aécio, o Serra, o Aloysio, [V. Exª, Senador Aloysio], o Cássio, o Ricardo Ferraço, que agora virou peessedebista histórico. Aí, conversando lá [porque parece que a conversa já tinha havido], que é que a gente combinou? [Olha, Senador Lindbergh, "o que é que a gente combinou?"] Nós temos que estar junto para dar uma saída pro Brasil (...). E, se não estiver, eu disse lá, todo mundo, todos os políticos - entendeu? - têm que tá junto. Porque (...) Não, TSE, se cassar (...) Aécio, deixa eu te falar uma coisa: se cassar e tiver outra eleição, nem Serra, nenhum político tradicional ganha essa eleição. Não! (...) Lula, Joaquim Barbosa (...) Porque, na hora dos debates, vão perguntar: "Você vai fazer reforma da Previdência?" O que que tu vai responder? "Eu vou!" Tu acha que ganha eleição dizendo que vai reduzir aposentadoria das pessoas? Quem vai ganhar é quem fizer maior bravata. E depois não governa (...) vai ficar refém da bravata, nunca vai ter base partidária (...) Esqueça!

    Isto aqui é o Senador Jucá falando como ele conseguiu convencer o PSDB para entrar nesse golpe, porque segundo...

(Intervenção fora do microfone.)

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - O senhor diga que maluco é ele, não precisa dizer para mim. Eu só estou dizendo o que eu li no jornal, o que eu ouvi na televisão.

    Então, veja, o Senador Jucá dizendo como foi que eles convenceram o PSDB.

    Eu não sei se foi naquela reunião de véspera, no dia em que o Presidente Lula veio aqui e teve um café na casa do Senador Renan Calheiros. Eu me lembro de que eu estava chegando em casa, e lá estavam chegando vários Senadores, do PMDB... Vi o Senador Jucá dando entrevista, e lá estava a Rede Globo - somos todos vizinhos ali de apartamento. Não sei se é a essa reunião que ele se refere. Mas é assim que ele diz, como foi que ele convenceu o PSDB a entrar nessa de golpe.

    Então, eu digo o seguinte: nós precisamos, na Comissão, debater isso. Nós precisamos que o Supremo Tribunal Federal compartilhe com a Comissão todo o conteúdo desse material - todo. E eu tenho certeza de que nenhum Senador, Senadora Gleisi, vai se colocar contra esse fato. Quem é que não quer saber a verdade? Quem é que quer dificultar que a Comissão faça as diligências?

    Vão dizer: "Isso não tem nada a ver." Não tem nada a ver? Isso tudo não é para tirar a Presidente? Como é que não tem nada a ver? É claro que tem a ver; tem tudo a ver. Claro que tem a ver, porque se pode falar. Eles acham que só pode falar do conjunto da obra; mas, na hora de votar, não: é por causa daquelas duas bobagens. Agora, na hora de falar, 98% do conjunto da obra e só 2% dos tais decretos e não sei mais o quê.

    Então, vamos pegar os documentos sobre o conjunto da obra. Nós vamos conhecer; o Brasil, nós. Aliás, o Brasil não; por enquanto nós, porque é algo que corre sob sigilo de Justiça, mas que pode o Senado, com os poderes que tem, pedir o compartilhamento. Então, a esses fatos me refiro.

    Segundo, eu quero aqui dizer que fiquei muito feliz de ver que o Brasil está acordando. Esse final de semana, nós tivemos muitas notícias e tivemos algumas notícias muito tristes. Mas todas elas redundaram... E é isto que eu disse aqui há pouco quando fiz aparte à Senadora Simone: isso tudo faz com que nossa alma seja lavada.

    Houve o fato ocorrido com aquela menina de 16 anos, no Rio de Janeiro, que foi violentada, estuprada por 33 homens, foi gravada, foi filmada. De 16 anos, 16! Se a menina precisa de alguma coisa é de apoio psicológico, é de apoio médico; não de pessoas como o delegado, que desrespeitou aquela menina. O delegado chamou aqueles que ele identificou à delegacia e permitiu que eles saíssem dando adeus - dando adeusinho, tchauzinho -, zombando do povo brasileiro, zombando de cada mulher; não só daquela menina de que eles abusaram. Eles ilegalmente colocaram imagens dela, através de fotografias e filmagens, na internet. Isso é o maior absurdo que eu já vi na minha vida.

    O delegado, Senador Requião, V. Exª disse que estava triste com ele porque ele é um burocrata. Nem isso ele é; eu acho que ele é pior do que isso; eu acho que aquele delegado tem envolvimento com o tráfico. Soltar meninos para dizer que não há crime? O menino confessou o crime. O rapaz, porque não é menor de idade, tem 20 anos, disse: "Fui eu que postei." Então, cadeia! É crime! É crime expor menores de idade, ainda mais nessa situação constrangedora. Mas não: deu liberdade, e os meninos, os rapazes saíram dando adeusinho. Ainda fica desrespeitando a garota quando vai fazer o seu depoimento.

    Mas eu ia dizendo: o que me mantém em pé e muito disposta é a reação do povo brasileiro, das mulheres. É algo assim fenomenal.

    E os senhores lembram o que aconteceu no ano passado, em outubro de 2015? O que as mulheres fizeram diante do Projeto de Lei nº 5.069, do Sr. Eduardo Cunha - o Presidente afastado da Câmara dos Deputados -, que dificultava o aborto legal? As mulheres tomaram as ruas; foram capas de todas as revistas semanais deste País. Pois a segunda demonstração nós vimos agora, e tenho certeza: elas não sairão das ruas! E não estão lutando só contra a cultura do estupro. Quando falamos em cultura do estupro, nós estamos falando em cultura do machismo, nós estamos falando em discriminação contra a mulher.

    É inadmissível viver num Parlamento - espero que os homens agora entendam - onde 52% da população brasileira só ocupa 10% das cadeiras. Não adianta as mulheres terem um nível de escolaridade maior do que os homens - porque elas o têm, hoje nós já o temos -, mas ganharem 25% a menos. Temos o direito de votar, mas não estamos aqui. E por que isso? Não é porque não queremos, é porque o sistema político brasileiro não nos permite, e essa maioria não permite mudarmos o sistema político brasileiro. Esse é o grande problema.

    Então - eu vou conceder aparte a V. Exª -, vejam o que está acontecendo. Enquanto a mulher não for reconhecida, nós vamos continuar vivendo isso. Daqui a alguns meses, será outro estupro. Aliás, o do Rio de Janeiro não foi o único. Lá no Piauí, na terra da nossa querida Regina - eu já estive no Piauí com a Regina -, fez um ano, há poucos dias, outro fato também bárbaro de meninas que foram estupradas coletivamente e jogadas ladeira abaixo. E aconteceu outro exatamente um ano depois: cinco homens abusaram de uma menina não de 16 anos, mas de 15 anos de idade.

    Então, enquanto à mulher não for dado o empoderamento, o espaço de poder, nós estaremos sempre assim: na nossa sociedade, o homem manda, e a mulher obedece.

    É essa cultura que nós temos que mudar, é essa cultura que explica a cultura do aborto. Eu usei como exemplo, Senadores, esse fato que nós já debatemos bastante. Se tudo der certo, amanhã, vamos aprovar projetos; já conversamos, e o Senado vai se manifestar publicamente de forma contundente. Mas eu trouxe esse assunto novamente para falar da reação, uma reação importante, uma reação não passiva, uma reação de luta, de indignação.

    A mesma coisa aconteceu ontem em São Paulo: milhões de pessoas - eu não sei quantas, disseram que eram mais de dois milhões de pessoas - na rua, na Parada LGBT. E o que as pessoas estavam lá dizendo? "Liberdade. Amar sem temer", que, na realidade, é amar "sem Temer". Então, aquilo virou um ato contra o Temer. E eu costumo dizer: a Presidente Dilma está com o nível de aprovação baixo, mas o do Presidente Temer, esse golpista, é pior. Então, eu acho que ainda dá tempo de construirmos isso.

    Antes de conceder aparte, eu quero só dizer que seria importante, porque ele é muito elucidativo, o editorial do jornal Estadão do dia de ontem: "O jogo sujo da desinformação."

    Gente, eu não acreditei quando eu estava lendo isso - eu vou já conceder aparte a V. Exª.

    Diz o seguinte, Senador Lindbergh:

O Brasil, sua democracia e instituições estão sendo enxovalhadas no exterior por uma campanha de difusão de falsidades cujo objetivo é denunciar a "ilegitimidade" [entre aspas] do presidente em exercício Michel Temer. Diante da ousadia desses delinquentes [então, eu sou uma delinquente; Senador Requião, o senhor é um delinquente; a Senadora Gleisi é uma delinquente; o Senador Lindbergh é delinquente. Estivemos nesse encontro parlamentar internacional e falamos nisso; e falamos nisso não foi para denegrir a imagem do Brasil, foi para limpar a imagem do nosso Brasil, que esse, sim, está sendo enxovalhado por eles, por esses golpistas] a serviço da causa lulopetista, não basta ao Itamaraty limitar-se a orientar suas missões no exterior sobre como responder a essa onda de desinformação. Será necessária uma atitude mais resoluta para contra-arrestar as mentiras e deixar claro aos governos e à opinião pública de outros países que o processo de impeachment da presidente Dilma vem cumprindo todos os requisitos legais, e também para defender a decisão soberana dos eleitores brasileiros, devidamente representados no Congresso que votou pelo afastamento da [presidente].

    Ora, vejam bem, no mínimo, o jornal é deselegante com nossos irmãos de fora do Brasil, os latino-americanos, os europeus, os asiáticos, porque, fora do Brasil - este é o problema do jornal -, eles têm a consciência, a clareza...

(Soa a campainha.)

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - ...de que o que aqui acontece é um golpe. E por que eles têm essa clareza? Porque lá eles trabalham com as informações do jeito que elas chegam, e não manipuladas, como o povo brasileiro aqui as recebe.

    Senador Lindbergh, com o maior prazer, concedo um aparte a V. Exª.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Vanessa, eu queria falar do caso do estupro no Rio de Janeiro. Quero falar aqui como homem, inclusive, que ficou chocado com aquilo tudo. E se vê que há dois brasis que se confrontam neste momento. Primeiro, há uma reação muito forte, em especial, das mulheres. Falo de uma nova geração de mulheres feministas, que, no Rio de Janeiro, foram para as ruas imediatamente, na sexta-feira. Houve um grande ato, um ato importante, contra tudo aquilo. Mas, por outro lado, a gente vê outra parcela da sociedade ainda tentando culpar a vítima, criminalizar as atitudes da vítima, sem falar no papel do delegado, que foi um papel lamentável naquele processo todo. Então, esses brasis que existem brigam em cima de um debate como aquele. Quero chamar a atenção para o papel da educação, da educação dos homens também. V. Exª falou da cultura do estupro. Desde 2014, por iniciativa do governo Obama, há um debate nos Estados Unidos sobre a cultura do estupro, que não é só a do estupro, mas a de antes. A gente tem de ver concretamente o que acontece, às vezes, nos carnavais pelo País afora, quando os meninos tentam dar beijo à força nas meninas. Há ainda outro machismo, que é um machismo mais invisível no nosso dia a dia de relacionamentos, quando se trata a mulher como posse, como objeto, com chantagens emocionais. Acho que é um momento de reflexão do País, dos homens também sobre o seu papel, sobre a limitação de cada um. Eu, como homem, tenho de falar da limitação que tenho também, porque há um machismo que não é o machismo da agressão, mas é outro tipo de machismo, igualmente opressor. Então, acho que é hora de os homens também refletirem neste momento. E temos de educar nossos meninos também. Tenho um filho de 20 anos. É preciso haver uma educação dos nossos meninos para o futuro. Tenho muito medo, Senadora, de fazermos esta discussão aqui, porque, sempre que há um debate como este, há uma discussão no Legislativo sobre a aprovação de legislações. Eu já coloco que sou contra qualquer tipo de legislação para aumentar pena aqui no País, porque nós já temos a terceira população carcerária do mundo. Então, creio que o Senado não deve fazer isso. Deve haver uma discussão importante sobre esse tema. A questão é de educação, é de nós entrarmos em um debate sobre a cultura do machismo, a cultura do estupro, o que é fundamental. E tem de haver cuidado, em especial, com a educação dos nossos homens, dos nossos meninos, dessa juventude. Era essa a fala que eu tinha a fazer.

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Eu lhe agradeço e incorporo, com muita alegria e com esperança, Senador Lindbergh, o aparte de V. Exª, como também o aparte do Senador Requião, que ouvi com muita esperança, quando falava do delegado, fazendo a ele críticas contundentes.

    A cultura do estupro é fruto dessa cultura maior do machismo, que, como a gente sabe, vem lá de trás, da exploração do homem pelo próprio homem. A partir do momento em que os bens começaram a ser acumulados, a mulher passou a ser tratada como um bem também, aquele bem que dava ao ser masculino todos os seus herdeiros. E de lá para cá começou esse problema grave.

    Agora, quando nós falarmos em educação de filhos, Senador Lindbergh, vamos começar desde o nascimento. É preciso perguntar quando foi que uma mãe ou alguém da família levou de presente à menina, no aniversário, um carrinho...

(Soa a campainha.)

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Sem revisão da oradora.) - ...ou um aviãozinho ou um bonequinho daqueles que brigam. Não! Levam a cozinha, a vassourinha, a bonequinha para dar de mamar e tal. Quando foi que o menino ganhou, na vida, uma boneca de presente? "Não, porque essa função é de cuidador. Não é do homem, não. É da mulher."

    Então, acho que são esses estereótipos que mantêm a mulher nessa situação de submissão ao homem. E digo que o maior espaço que temos de conquistar, o espaço mais necessário, é o espaço da divisão de poder com os homens, porque assim vamos ser vistas de forma igual. Não adianta nada a mulher estar na fábrica, mas nos cargos mais subalternos. Digo isso, porque na direção ela não está. A ela não é dado esse direito. No dia em que a mulher chegar a ter uma paridade com os homens na política, na vida profissional, aí, sim, nós construiremos uma nova sociedade.

    Era o que eu tinha a dizer.

    Lamento que a Senadora Gleisi não esteja mais aqui. Eu gostaria muito de conceder um aparte a ela.

    Agradeço também a paciência de V. Exª, Senador.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2016 - Página 36