Fala da Presidência durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à violência sexual, e em especial aos casos de estupro coletivo cometidos contra as mulheres.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Crítica à violência sexual, e em especial aos casos de estupro coletivo cometidos contra as mulheres.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2016 - Página 6
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, ABUSO SEXUAL, ESTUPRO, VITIMA, MULHER.

    Estou inscrita para fazer o uso da palavra, mas, antes de passar a Presidência ao Senador José Medeiros, eu queria tratar de outro assunto que não é objeto da minha inscrição para a fala de hoje. Trata-se de uma situação muito triste que ficamos sabendo agora, durante o feriado de ontem, de uma garota de 16 anos, no Rio de Janeiro, que foi estuprada por 30 homens. Nessa mesma noite em que ela foi estuprada, dia 20, na última sexta-feira, também uma jovem era estuprada em Bom Jesus, Piauí, por 17 homens. Nunca é demais lembrar que, há exatamente um ano, hoje, dia 27 de maio de 2015, quatro meninas foram vítimas de estupro coletivo em Castelo do Piauí e atiradas de um penhasco de mais de dez metros. Uma delas morreu logo depois.

    Estamos com uma intensa movimentação nas redes sociais de denúncia dessa barbaridade. Aliás, o caso do Rio de Janeiro, Senador Medeiros, só ficamos sabendo, porque uma das bestas que participou do crime postou, na rede social, fotos, vídeos da menina sendo estuprada, e isso veio a público nesta semana.

    Realmente é uma situação de comoção. É grande a dor da família da menina e de todos que acompanharam essa situação. Então, o nosso mais veemente repúdio a isso que aconteceu.

    E com certeza nós temos que tomar medidas muito firmes para que essa cultura do estupro não se torne algo corriqueiro, para que essa cultura do estupro coletivo não se torne algo corriqueiro, inclusive incentivada pelas redes sociais.

    Quero informar à Casa que conversei com a Senadora Simone Tebet, que é Presidente da Comissão de Combate à Violência contra Mulher, e também com a Senadora Vanessa Grazziotin, que é da Procuradoria da Mulher, aqui no Senado da República, a respeito. Nós estamos preparando uma nota de repúdio em conjunto com a Câmara dos Deputados, com a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. Na terça-feira, nós vamos fazer a leitura dessa nota aqui no plenário do Senado e no plenário da Câmara e também teremos o acompanhamento de um grupo de Parlamentares que irá, primeiro, fazer uma visita às vítimas, uma visita às famílias das vítimas e também pedir a adoção de medidas, principalmente à área de segurança pública, para que esses crimes sejam investigados.

    Não é possível que a gente conviva com essas situações de barbáries. Essas meninas não foram estupradas, porque estavam bêbadas; não foram estupradas, porque estavam com roupa curta; não foram estupradas, porque estavam se oferecendo. Foram estupradas, porque são mulheres, aliás, o que nós vemos, hoje, na sociedade, quando se tenta justificar uma situação de estupro, que estava nos posts da rede, é que, muitas vezes, as mulheres se expõem, seduzem, e, por isso, merecem ser estupradas.

    Houve uma pesquisa, se não me engano do Ipea, em 2014, em que 26% dos entrevistados consideravam que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas, o que é uma barbaridade. Na verdade, são atacadas pelo fato de serem mulheres. E eu fico me perguntando: as mulheres não atacam os homens que andam sem camisa, que andam de short, que andam de calção pelas ruas. Muitos deles andam normalmente assim.

    Então, nós temos que mudar essa cultura, nós temos que protestar contra isso e tomar medidas muito duras a respeito. Nós já avançamos muito na nossa legislação. Nós temos hoje leis muito mais avançadas e conseguimos também retirar do nosso ordenamento jurídico legislações que subjugavam as mulheres. Mas, infelizmente, a cultura da violência, a cultura machista, essa cultura do estupro ainda permeia as relações da sociedade. E nós vamos ter que enfrentar isso com uma discussão aprofundada.

    Isso tem muito a ver, Senador Medeiros, com a visão que a sociedade tem da mulher como extensão da propriedade privada do marido, como extensão da propriedade privada do homem. Nós não conseguiremos, só pela mudança no ordenamento legal, fazer a alteração da cultura. Então, nós vamos precisar do auxílio e, principalmente, do posicionamento dos homens para conseguir combater situações como essa.

    Eu queria aqui reafirmar não só em meu nome, mas também das Senadoras com quem eu conversei, a nossa solidariedade às vítimas, às famílias, e dizer que vamos estar atentas aqui no Parlamento, nós, mulheres, nós, Senadoras, Deputadas, para fazer esse enfrentamento e não deixar que essa barbárie continue acontecendo.

    Concedo a palavra ao Senador José Medeiros.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Sem revisão do orador.) - Senadora Gleisi, é um importante assunto que V. Exª traz na manhã desta sexta-feira. Eu só queria fazer uma ressalva aqui: é que o Ipea divulgou esses números naquela época, e isso foi até motivo de pedido de demissão do diretor, porque ele acabou dizendo que 65% dos brasileiros concordavam com que uma mulher que andasse com trajes mínimos estava incentivando o próprio estupro. E depois o Ipea reconheceu o erro.

    Na verdade, era um número menor, mas concordo com V. Exª, porque ainda era um número grande: 26%. Não eram 65%, mas eram 26%. E é um absurdo, na época em que nós estamos, segundo dizem, no ápice da evolução humana, acontecer esse tipo de coisa, e ainda mais, sob a justificativa de que: "Olhe, se a mulher andou assim ou assado, ela deve ser responsável pelo próprio estupro!" Recentemente, em um país vizinho, também aconteceu isso, e, no próprio tribunal, a corte começou a insinuar que ela era culpada pelo próprio estupro.

    Então, a gente tem que, realmente, condenar isso da forma mais veemente possível. Eu não tenho dúvida de que a Procuradoria da Mulher deve se pronunciar, porque, se o sujeito fez esse tipo de coisa e ainda foi ostentar, fazer a modalidade do estupro ostentação - porque é a nova modalidade agora, estupro ostentação: ele faz, filma, para postar no Facebook -, isso é o cúmulo da falência do entendimento da convivência social.

    Mas dizem que o indivíduo é produto do meio. E, quando há condenação total do grupo, da sociedade, para uma ação dessas, com certeza esse tipo de coisa vai ser desestimulada. É importante que toda a imprensa, as igrejas, todos os movimentos sociais, enfim, todos os grupos, e até os "manos", como dizem no linguajar, possam condenar esse tipo de coisa, porque isso não é coisa de gente; isso é coisa de bicho, e de bicho da pior espécie.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Agradeço, Senador Medeiros.

    Vamos precisar da solidariedade e do apoio de todos os homens daqui do Senado da República, da Câmara, para que a gente possa, realmente, fazer esse enfrentamento. A vida da mulher não tem sido fácil na sociedade patriarcal. V. Exª falava sobre a pesquisa do Ipea, e, de fato eles fizeram uma correção, mostrando que 26% dos entrevistados, e não 60%, como tinham dito anteriormente, é que consideram que as mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Mas é um percentual muito alto: 26% terem essa visão de que a vítima é a culpada.

    Aliás, nós estamos com uma campanha nas redes de que vítima não tem culpa, de que vítima nunca tem culpa. E a gente quer que se denunciem todos os tipos de violência: violência interna, violência familiar, estupro, enfim. E eu estava dizendo que não tem sido fácil a vida da mulher no patriarcado, porque é muito recente a conquista que nós tivemos, por exemplo, de tirar da legislação, ou mesmo da doutrina penal, a defesa da honra como uma justificativa para a morte de mulheres. Tivemos essa justificativa muito presente em nossos tribunais.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Até bem pouco tempo, tínhamos o termo "mulher honesta" no Código Civil.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Exatamente. Conseguimos mudar isso muito recentemente. E a mulher vem sofrendo violências, vem sofrendo ataques sistemáticos em razão de ser mulher.

    Quando nós aprovamos aqui a Lei do Feminicídio, tivemos críticas de muitos setores da sociedade, principalmente de muitos homens, de que não devíamos ter um tipo penal próprio para o homicídio contra as mulheres, porque, afinal, o homicídio já estava tipificado no Código Penal e não precisava.

    Mas precisa, sim, porque, infelizmente, nós temos violência praticada contra as mulheres pelo simples fato de ser mulher. O estupro é um crime pelo fato de ser mulher. Então, nós não podemos deixar que isso permeie as relações na sociedade. Nós temos realmente de enfrentar isso com muita determinação para que não tenhamos um retrocesso. Quando nós achamos que estamos avançando, nós vemos situações como essas que envergonham a humanidade, não a sociedade, mas a condição humana. Muitas vezes, achamos que isso é coisa que se dá longe de nós, quando nós temos notícia sobre estupro coletivo na Índia ou em outros países. Mas isso está se dando aqui, muito perto, muito próximo. E se nós não tivermos uma reação firme, isso vai continuar acontecendo inclusive com divulgação; vai continuar acontecendo inclusive com estímulo, o que é muito grave.

    Então, eu queria agradecer a V. Exª, que se manifestou solidário, e também reafirmar aqui de novo a disposição das Senadoras Simone Tebet, que é a nossa Presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, e Vanessa Grazziotin, que é a nossa Presidente da Procuradoria da Mulher, com quem eu falei. Vamos fazer uma nota, montar um grupo de Senadoras e de Deputadas para fazer essas visitas nos locais, pedir que a apuração desses crimes seja feita o mais rapidamente possível, que a punição seja muito forte, muito firme, e que não tenhamos demora para fazer o julgamento desses criminosos.

    Eu queria convidar, então, o Senador José Medeiros para assumir a Presidência da Casa, para que eu possa usar a palavra da tribuna.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2016 - Página 6