Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio aos assassinatos ocorridos em boate de Orlando, nos Estados Unidos.

Defesa do Estatuto do Desarmamento no Brasil, e comentário sobre visita ao Senado de comitiva de secretários estaduais de segurança pública contrários à flexibilização dessa lei.

Repúdio aos índices de mortalidade de jovens negros no Brasil e defesa da aprovação do projeto de lei que põe fim aos autos de resistência e do que dá acesso à informação da segurança pública.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE:
  • Repúdio aos assassinatos ocorridos em boate de Orlando, nos Estados Unidos.
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Defesa do Estatuto do Desarmamento no Brasil, e comentário sobre visita ao Senado de comitiva de secretários estaduais de segurança pública contrários à flexibilização dessa lei.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Repúdio aos índices de mortalidade de jovens negros no Brasil e defesa da aprovação do projeto de lei que põe fim aos autos de resistência e do que dá acesso à informação da segurança pública.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2016 - Página 30
Assuntos
Outros > CALAMIDADE
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REPUDIO, HOMICIDIO, CASA NOTURNA, CIDADE, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VITIMA, HOMOSSEXUAL.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, MOTIVO, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO, AUMENTO, HOMICIDIO, VIDA HUMANA, OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), OBJETO, FLEXIBILIDADE, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), OBJETIVO, INOVAÇÃO, ACRESCIMO, CATEGORIA PROFISSIONAL, BENEFICIARIO, ACESSO, ARMA DE FOGO, COMENTARIO, VISITA, GRUPO, SECRETARIO DE ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • REPUDIO, CRESCIMENTO, MORTE, NEGRO, ANALISE, CONCLUSÃO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), HOMICIDIO, JUVENTUDE, DEFESA, PROJETO DE LEI, OBJETO, EXTINÇÃO, AUTO DE INFRAÇÃO, RESISTENCIA, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, ACESSO, INFORMAÇÃO, SECRETARIA DE SEGURANÇA PUBLICA.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, certamente atenderei ao pedido do Senador da Bahia Roberto Muniz.

    Mas, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Paim, V. Exª, que tem, juntamente com a Senadora Angela Portela, uma vasta folha de serviços prestados à luta em defesa dos direitos humanos no Brasil, certamente, como eu, ficou chocado diante das notícias que iniciaram o dia do domingo próximo passado, quando o mundo foi surpreendido com mais um ato de barbárie com o atentado que resultou no assassinato de mais de 50 pessoas e muitas outras feridas numa boate em Orlando, nos Estados Unidos.

    Esse crime, que chamou a atenção do mundo, que é expressão de intolerância, expressão de preconceito, de incapacidade de conviver com os diferentes, com as diferenças, é também, no entanto, um crime que chama a atenção pela forma da sua realização. Aqueles que foram mortos não foram mortos por uma bomba; foram mortos por armas de fogo, Senador Paulo Paim, por metralhadora, por fuzil, por revólver carregados por uma pessoa num país em que adquirir arma de fogo é algo muito fácil, em que é permitido o acesso à arma de fogo de maneira muito ampla e que, aliás, tem sido alvo repetido de episódios criminosos em escolas, em ambientes públicos, muitas vezes feitos até por jovens próximos mesmo à adolescência.

    E é esse acesso a arma de fogo que a sociedade americana ainda não foi capaz de dar o exemplo civilizatório de suspender. E esse ambiente serve infelizmente como exemplo negativo também para países da América Latina, como é o caso do Brasil, que, mesmo tendo em vigor o Estatuto do Desarmamento, que é democrático e avançado, sofre permanentemente ataques como o que sofre agora, quando a Câmara dos Deputados vota um projeto de flexibilização do Estatuto do Desarmamento e quando aqui no Senado se discute também a possibilidade de novas categorias passarem a ter acesso a armas no Brasil.

    Nós recebemos representantes dos secretários de segurança do País inteiro. O Senador Presidente desta Casa, Renan Calheiros, recebeu uma comitiva em que nós estávamos presentes, eu, V. Exª e muitos outros Senadores, onde foi claro o posicionamento desses secretários, da preocupação desse segmento com a possibilidade da flexibilização do Estatuto do Desarmamento no Brasil, identificando na restrição ao acesso a arma de fogo a salvação de milhares de vidas por ano no nosso País.

    Eu quero, portanto, antecipar que essa discussão vinda ao Senado, ou qualquer outra manifestação no sentido de flexibilização, de dar mais acesso a profissionais para terem acesso ao uso de arma de fogo, receberá do meu mandato uma representação contundente.

    O Brasil, Sr. Presidente, convive com cerca de 56 mil assassinatos por ano. Nós acabamos de finalizar os trabalhos semana passada da CPI de investigação dos assassinatos de jovens no Brasil. Esses 56 mil assassinatos por ano equivalem a uma guerra. Há países em guerra hoje que não registram o número de mortes que o Brasil tem anualmente.

    E o que constatamos na CPI do Assassinato de Jovens é que, destes 56 mil, 77% são negros, e 93% são jovens, do sexo masculino entre 12 e 29 anos de idade. Estamos convivendo no Brasil com cerca de 30, mais de 30 mil, 33, 34 mil assassinatos de jovens por ano. É uma geração inteira que está sendo impedida de viver e de, portanto, construir o futuro desta Nação.

    Ouvimos mais de 200 especialistas na CPI em segurança pública, em direitos humanos, em políticas públicas de inclusão social, representantes da anistia internacional, do Unicef, representantes de familiares. Temos hoje, no Brasil, a infeliz situação de constituirmos nas grandes cidades já associações de mães de filhos assassinados neste País. A CPI nos indica que um grande número destes assassinatos se dá, ou por omissão, ou por ação do Estado brasileiro. Esses jovens são vítimas ou atores da violência.

    Nas nossas polícias, há, na sua maioria, jovens negros policiais que arriscam e perdem suas vidas também na polícia que mais morre e mais mata no mundo. E é esta situação que faz com que não possamos abrir mão da discussão da manutenção do Estatuto do Desarmamento no Brasil.

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com o Estatuto em vigor, o que estamos assistindo são jovens, são crianças de 10, 11, 12 anos de idade nas periferias do nosso País, das grandes cidades brasileiras, com metralhadoras, fuzis e revólveres nas mãos, para servir à cooptação do crime organizado, do tráfico de drogas, diante de um Estado que é incapaz de lhes oferecer alternativa e projeto de vida melhor, diante de um Estado que é incapaz de lhes oferecer a inclusão nos programas sociais, a oportunidade de que eles possam, ao sair da escola, ter um emprego, ou mesmo não sair da escola, já que é imenso o índice de repetência e de evasão escolar no segundo grau em todo o Brasil, especialmente no Norte e Nordeste.

    O que assistimos, Sr. Presidente, e que foi a conclusão do nosso relatório, é que o nosso País vive uma situação de genocídio da população negra, da população de jovens negros.

    Isso exige que nós votemos, na Câmara dos Deputados e nesta Casa, o projeto que põe fim aos autos de resistência e que tem sido o pretexto oficial para a morte e o assassinato desses jovens por parte da estrutura policial do nosso País, sem investigação.

    É preciso que nós possamos também votar um projeto que já está na Câmara dos Deputados e que traz a ideia de que nós teremos uma Lei de Acesso à Informação da segurança pública, no Brasil. Nós tivemos enormes dificuldades para ter acesso aos dados de cada Secretaria de Segurança Pública. Os dados coletados são desestruturados. Não há um cadastro único sobre segurança pública, no Brasil, que defina, que deixe claro quem é assassinado, qual a idade, qual o sexo, qual a razão. Existe em um Estado; no outro não há.

    É preciso, portanto, ter uma política clara de enfrentamento dessa situação. Que nós possamos votar e aprovar, aqui, um plano nacional de redução dos homicídios de jovens, no Brasil.

    Mas é preciso ir adiante. Ao concluirmos que há um genocídio dos jovens negros, no Brasil, é preciso dar conta às cortes internacionais, para que estas adotem medidas a fim de que o País pague por manter uma estrutura política e social que permita essa situação de calamidade pública.

    V. Exªs não tiveram a oportunidade que nós tivemos de ouvir o depoimento chocante de mães, de mães que hoje se reúnem, no Brasil, para chorar a morte de seus filhos. Como disse uma mãe cearense, para "transformar o seu luto em luta" e impedir que novas mães e novas famílias sejam traumatizadas e destruídas com essa situação.

    Nós encerramos a CPI na quarta-feira da semana passada. Naquela mesma semana já havia um novo fato que parou o Brasil. Foi o assassinato, em São Paulo, de um menino de dez anos de idade dirigindo um carro. Foi assassinado pela Polícia, que admitiu que ele estava armado e que atirou contra os policiais. E hoje sai a perícia policial dizendo que não houve nenhum tiro de dentro para fora do carro. Também ontem, no Rio de Janeiro, houve a morte de um jovem de 18 anos, na porta da sua casa, enquanto bebia uma água de coco. Foi atingido por uma bala perdida de uma troca de tiros na sua favela.

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Alguns podem dizer, "mas isso não quer dizer que sejam negros somente que morrem".

    Mas, infelizmente o que nós podemos constatar é que cresce o número de assassinatos de jovens negros por ano, enquanto decresce o de jovens brancos. Há uma clara fronteira, em toda grande cidade brasileira, entre os bairros de classe média e média alta e os bairros de pobre.

    Nós nunca ouvimos falar da entrada de uma força policial armada, atirando, no Leblon; em Copacabana; em Higienópolis, em São Paulo; ou mesmo na Barra ou em Ondina ou na Vitória, na Bahia. Mas é assim que a Polícia entra nos bairros populares,...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... onde 90% da população que reside naquele local é pobre e preta.

    É por isso, Sr. Presidente, que este Senado Federal tem que cumprir o seu dever, diante daquilo que nós estamos vivendo hoje e tendo como uma realidade que marca com nódoa a vida do nosso País, que é o permanente quadro de violência contra a juventude negra da nossa Nação.

    Muito obrigada, Sr. Presidente. Mais uma vez o meu protesto, o meu repúdio aos assassinatos em Orlando, nos Estados Unidos, que registram a marca da violência homofóbica. Tem muita gente que diz que ser homofóbico não tem nenhum problema. A homofobia mata.

(Interrupção do som.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - De fato, Orlando foi uma demonstração de como mata e quão violenta é a marca do ódio contra a homofobia.

    Portanto, em nome dos direitos humanos do Brasil, nós nos manifestamos em repúdio, ao mesmo tempo em que repudiamos também, aqui no Brasil, a mortalidade permanente da juventude negra, da juventude branca e da juventude mestiça deste País.

    Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2016 - Página 30